▪︎ 10: Infiel

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Sérgio Guizé.

Abri os olhos com certa preguiça, mas só de sentir a cama mais leve, sabia que ela não estava comigo. A realidade havia voltado e lembrar disso era o mesmo que levar uma facada no coração, mas eu estava certo de que tudo isso acabaria. Eu, Paolla e uns cachorros numa casa de interior afastada da cidade só pra gente morar, a infidelidade já não seria um problema pra mim. Terminaria com esse teatro de casamento assim que Bianca chegasse, e assim, nada me impediria de ir correndo para a casa do meu verdadeiro amor e sugerir que fugíssemos logo.

Quando virei para o lado, senti uma folha tocar meus dedos e de imediato peguei para ver o que era.
Uma carta, com a letra delicada de Paolla avisando que não queria problemas e que era para não me preocupar pois haveriam outros momentos.

Meu coração,

Os dias em que estive com você foram os melhores, mas decidi ir antes que você acordasse para que não houvessem problemas pra nós dois. Não se preocupe, juro que quando ela viajar novamente, estarei com você. E quando você viajar e ela não for, estarei  com você também. Mas, por favor, encerra esse teatro agora e vem viver comigo.

Meu dia não poderia ter começado melhor. Coloquei meu nariz na folha e ainda tinha o cheiro dela, quase pude visualizar a imagem dela escrevendo.
Levantei-me com todo o pique do mundo e comecei meu dia.
Todas as coisas que eu fazia, ensaiava mentalmente as palavras que iria dizer para Bianca. Pensei em ser carinhoso, como pensei em ser direto e sem carinhos. Em todos os momentos eu imaginava como dar uma notícia de alívio para mim e de desespero para ela.
Levei em conta o tempo em que tivemos alguma felicidade envolvida e não pude ficar bravo em um todo com Bianca. Não sabia exatamente o que se passava em sua cabeça para se tornar uma mulher tão possessiva e infantil em alguns pontos e nunca tive coragem de perguntar, também. O que fosse, não conseguia me sentir inteiramente zangado com ela. Somente... Sufocado. Talvez fosse a chance que ela precisasse com outro alguém ou rever seu comportamento doido.
Ela encontraria alguém que pertencesse o seu coração e não alguém como eu, um grande infiel perdidamente apaixonado pela amante.

Eu ainda tinha algumas coisas para fazer pelo dia e decidi sair para resolver todas. Paolla e Bianca, como conseguiram mudar tudo em minha vida? A primeira eu queria para casar, viver uma aventura e pouco me importar pro que falariam. A segunda... Bem, estava mudada.
Rodei a cidade para fazer todos meus compromissos com muita calma e sem pressa para voltar.
Quando cheguei, o carro dela já estava na garagem. Soltei um longo suspiro, tomando o impulso e a coragem que me faltava para dizer todas as palavras que tinha a falar.
Entrei em casa e vi que ela não estaria no térreo, então subi ao primeiro andar. O corredor todo escuro, tendo uma luz só no seu final, onde nosso quarto ficava. Andei em passos largos a fim de evitar o sofrimento inevitável e entrei como uma bala no aposento.
Soava um barulho de água no banheiro, sabia que ela podia estar tomando banho. Meus olhos voaram por todo o espaço, mas pararam fixos numa caixinha branca em cima da cama. Era pequena e com detalhes delicados, uma fita azul tomava as laterais e uma rosa decorava a tampa dessa caixa.
Me aproximei curioso do "artefato" e tirei delicadamente as fitas, abrindo-a e perdendo totalmente uma ou duas batidas de coração.
Eram sapatos brancos de bebê, lindos. Miniaturas de um All-Star que já havia comentado que adoraria dar para um pequeno meu. Não podia ser coincidência ou presente para qualquer um, era para nós.

"Como"? — Fiz a pergunta mais débil, mentalmente.

Eu sabia como, não quando. A última vez que fizemos eu estava pensando na Paolla e... Ah, droga. Fiz um filho pensando na amante? Bati com ambas as mãos na cabeça diversas vezes, pensando que se fosse um pesadelo eu acordaria logo.
Mas então, o lado positivo da coisa me fez para e respirar. Um descendente meu a caminho, meu sonho de criança. Sempre quis ser pai, por que não agora? A mãe não seria a minha amada, mas quantos pais não são separados? Ela saberia lidar se nos separássemos antes mesmo dela ou dele vir ao mundo.
A porta se abriu, e eu vi a imagem sorridente de Bianca surgir com uma camisola branca gigante. Seus olhos claros apesar de sorrirem, não demonstravam o brilho real que uma notícia dessas poderia transmitir.
Ela andou até mim, passando a mão no cabelo que caía aos olhos e bateu palminhas.

— Parabéns, papai! — Ela disse, me puxando para um beijo.

Mas antes mesmo que nossos lábios se encontrassem, a segurei no lugar.
Sorri amávelmente, mesmo que Bianca tivesse sentido o impacto de um gesto de amor interceptado.

— Fico muito feliz com a notícia, Bianca, — Era incomum que eu falasse assim com ela, Bianca sentiu a diferença na tonalidade — sempre quis ter um filho, era um sonho e sei que posso cuidar muito bem de uma criança, adoro elas. Mas, sinceramente eu acho que nosso filho precisa de um ambiente decidido... Ando muito confuso sobre nós dois e não é mais a mesma coisa. Te amei e sempre irei, porém...

— Você quer o divórcio? — Ela perguntou, desfazendo o sorrio aos poucos.

Pensei na situação de uma gestante em seu começo de gravidez, como uma notícia poderia avassalar ela e ainda, no começo da gestação. Iríamos por partes, Paolla poderia aguentar.

— Um tempo. Podemos morar na mesma casa, te ajudo com as coisas. Mas até eu saber o que quero da minha vida, você dorme no nosso quarto e eu no de hóspedes, certo?

Após a conversa dura e com muito chororô de Bianca, ela chegou a concordar ao tempo e que realmente estávamos perto do fim da linha. Pensou ser algo inevitável, mas eu jamais daria qualquer outra chance.
No auge da madrugada, liguei para Paolla a fim de anunciar a "boa nova".
Não foi necessário aguardar mais que um toque para ser atendido.

— Alô, Gui? — Perguntou ela, a voz meio embargada.

— Eu... Pedi um tempo para a Bianca, eu acho que é um caminho. — Anunciei, enquanto me inclinava com uma das mais me apoiando na varanda, olhando a lua em formato de melancia no céu.

— Eu disse divórcio. Com um tempo eu não posso andar de mãos dadas com você e nem rir mais vezes da sua samba-canção nerd. — Paolla riu, quase pude ver a imagem dela dizendo isso. A careta ao franzir o nariz.

— Eu fiquei com pena... — Falei num sussurro.

— Do quê? — Perguntou ela.

— Ela chegou e me disse que estava grávida, não quis que ela tivesse uma carga emocional forte. Mas disse, também que ainda não fez o teste de sangue e vai fazer semana que vem, ou algo do tipo. — Eu disse.

E escutei um suspiro alto do outro lado da linha, um de surpresa e não do que eu gostaria de ouvir na cama.
Cocei a nuca.

— Sua mulher está grávida! Cristo. Eu... Acho melhor que a gente... Também dê um tempo. Entende? É questão de você ser pai, não quero arrancar a família de uma criança. É... Maluquice. — Falou ela hesitante.

— Vai me deixar? — Perguntei com um nó bem feito na garganta.

Vou te deixar pensar melhor sobre sua decisão entre escolher a amante do que a mãe do seu filho. E... Mesmo certo de sua posição... Pense bem.

Nos despedimos e ela desligou.
Depois, me joguei na cama e me desfiz em chorar. Não era pra ser assim, droga. Era com ela. E se nunca mais voltássemos?

Medo BoboOnde histórias criam vida. Descubra agora