XI - Orgulho

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Ao fim do treinamento, Helena não tinha conseguido realizar novamente o mesmo truque. Embora levemente frustrada, uma parte dela se sentia aliviada por não ter conseguido invocar aquele tipo de magia. Talvez, como em tantas outras coisas, ela não fosse boa naquilo também.

Tentando ignorar os olhares que todos lançavam, Helena entrou em uma fila para se servir do almoço, que se dispunha em cubas que pareciam intermináveis. Alguma paciência e um par de minutos fizeram com que a bandeja da garota estivesse pronta. Ela levou um segundo para perceber que, tendo estragado seus novos laços, não restou uma mesa segura para que ela se sentasse. Com os pés se movendo automaticamente ela saiu do refeitório, torcendo mentalmente para que não fosse proibido deixar a área com a comida.

Por pura sorte, já que não se lembrava do caminho, ela encontrou a mesma praça lateral de antes. Mas, como o destino não era de muitos amigos, o lugar não estava tão vazio. Sem muitas opções, Helena caminhou até a sombra de uma árvore e se sentou sobre as raízes. Mesmo escutando cochichos e risadinhas, ela se concentrou na comida. Não foi muito difícil, pois ela estava faminta.

Lembrou que Kylie, sua melhor amiga, sempre elogiava o fato de que nenhuma situação abalava seu apetite. Isso imediatamente a deixou triste.

– O que você diria de mim agora, Kylie? – Helena meditou em voz alta.

– Além de esquentadinha, ainda fala sozinha? – Uma voz soou do outro lado da árvore.

Helena se sobressaltou e quase derrubou a lata de soda. Um pouco da bebida espirrou na sua mão. O mesmo garoto que estava ao seu lado na aula anterior agora surgia na sua frente.

– Oh, não quis te assustar. Aqui, tome. – Ele estendeu um guardanapo de papel. Helena limpou a mão na lateral da calça. O garoto deu de ombros. – Só para constar, caso você esteja se perguntando, eu estava aqui antes. Então, não. Não estou te seguindo.

Franzindo os lábios, Helena voltou a comer, ignorando a presença o garoto. O que era um ato quase hercúleo, já que ele tinha se sentado próximo da garota e a observava.

– Voltamos com o tratamento de silêncio? – Ele perguntou. – Ah, não se preocupe. Se eu tivesse amigos, eles diriam que eu adoro falar, então vou compensar o ato por nós dois.

– Você acha que eu sou uma excluída e quer que eu faça parte do seu grupo, ou melhor, dupla de perdedores? – Helena sabia que tinha sido essencialmente cruel, mas não estava com energia o suficiente para gastar em alguma nova amizade.

– Nossa, você acertou na mosca! Então essa é a sua habilidade? Saber a intenção das pessoas? – Ele fingiu surpresa. – Olha, eu entendo se você for uma suicida e estiver tentando comprar briga com qualquer um para garantir a própria morte, mas não vai dar certo. É estritamente proibido qualquer tipo de violência aqui.

– Oh, o que farei agora? Talvez eu deva usar o meu talher de plástico para encerrar a terrível angústia que é estar em sua companhia. – Helena passou a colher pelo pescoço com uma expressão de deboche.

– É assim que eu gosto. – Anuiu o garoto. Ele comeu sua própria refeição em um silêncio satisfeito.

Helena apenas observou e depois bufou, também voltando à comida. Assim que ambos terminaram, ela ficou olhando o prato vazio.

– Eu acho – o garoto começou – que você deveria pedir desculpas para as suas amigas.

– E eu acho – disse, ecoando – que você não sabe de nada.

– O que eu sei é que você é a garota nova e que não deveria querer inimigos aqui – Ele respondeu, repetindo um dos pensamentos de Helena. – Além do fato de que elas são pessoas e também têm sentimentos, os quais você machucou.

– E os meus sentimentos? Ninguém pareceu se importar com eles. – Helena disse num impulso.

– Eu não sei quão difícil está sendo pra você, mas lembre-se de que é difícil para elas também, seja o que for que aconteceu. – Ele disse, cruzando os braços. Parecia um pouco irritado. – Literalmente cada pessoa desta ilha já esteve em seu lugar. Acredite, todos estão se esforçando. Acho que você deveria fazer o mesmo.

Helena engoliu em seco. Por mais que o orgulho e a arrogância quisessem tomar lugar e continuar a discussão, ela teve que admitir a verdade. Ela não era burra e tão antipática a ponto de não entender. Era difícil, mas ela entendia.

– Eu – respirou fundo – sinto muito. Você está certo.

O garoto ergueu os olhos para o céu e depois os fechou. Um largo sorriso se esticou nos seus lábios. Em seguida, ele voltou a encará-la.

– Eu acho que é a primeira vez que eu escuto isso. Cara, como é bom estar certo.

Helena bufou, se ergueu e começou a caminhar para dentro do prédio.

– Te vejo por aí! – O garoto gritou, chamando atenção e fazendo-a ficar irritada. Ela apenas continuou andando.

Ela não tinha ficado chateada com o comentário do rapaz, apenas sentiu um instinto imediato de que algumas coisas precisavam ser resolvidas.

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