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         Alemanhã, 1991.

O corpo permanecia no chão, estático, bem como seu olhar. A pesada bota preta bem amarrada ia de encontro com seu abdômen repetidas vezes, fazendo com que por vezes fosse obrigada a cuspir seu próprio sangue. Não era a primeira ou mesmo a última que aquilo aconteceria, e como das outras vezes, todo seu sistema nervoso se desligara, sem mais dor, apenas a pura paz manchada com seu próprio sangue.

Se lembrava com vivacidade da primeira vez que algo do tipo lhe acontecera, tinha bem menos idade e bem menos força para aguentar todo o horror psicológico que tal violência lhe causava. Começara em casa, sua mãe não era bem o sinônimo de doçura, lhe ensinara com base no que havia sido ensinado para ela e gentileza não constava em sua conduta. Não, muito diferente disso: rigidez, disciplina e excelência. Isso constava na educação dada e nada além disso. Fora de casa e agora nas ruas, aprendera, em maior escala, que toda a monstruosidade de sua mãe poderia sim dar lugar a algo pior. A violência nas ruas não tem papel educador preocupante de uma mãe, e sim de controle social.

A rebeldia se moldara a duras penas em obediência cega, levando-a até o momento inicial. Violência justificada lhe causava paz, ainda que fossem o mais completo oposto.

A bota lhe chutara uma vez mais e dessa vez o sangue respingara na mesma. Doía como o inferno e nenhum barulho fora emitido. Era parte do treinamento e ela estava feliz em servir. Deitada no chão, com corpo e rosto machucados e sangrando, Elena Köhler fitara o homem acima de si, que com a mesma bota movera seu rosto para uma posição centralizada. O mesmo lhe sorrira e aquilo indicava que ela poderia descansar de vez.

Duas pessoas lhe levantaram, segurando seus braços e pernas, e como um saco de batatas ela fora levada para dentro do complexo de treinamento alemão de serviço secreto. Passara pelas salas já conhecidas por seus olhos e então desaguara em um quarto onde apenas o necessário constava. Fora despejada dentro de uma banheira que continha água e gelo, submergindo em seguida. O corpo começava a dar sinais de que qualquer resquício de algo humano ainda lhe restava e de olhos fechados, fora a vez de ela sorrir.

Sentira dor, pungente e palpável, dor constante que mais parecia que todos os ossos de seu corpo haviam sido pulverizados e dentro da pacifica calmaria que a água lhe trazia, Elena gritara, sendo sufocada pelas bolhas que o ar provindo de seus pulmões fazia. Gritara até sentir que a dor começava a dar lugar a paz que sentira anteriormente, do lado de fora, onde tudo o que ela conseguia ver era o chão sujo e a areia em seu rosto e corpo.

O treinamento estava completo.

-

Berlim, 2020.

O corpo emergia da banheira cheia de água e gelo, sendo possível ver todos os vergões pela extensão da pele extremamente branca. Sentara-se na beirada do mármore negro e tomara na mão um copo com uísque, colocando duas pedras de gelo dentro do mesmo. Engolira o liquido, sentindo-o esquentar tudo dentro de si, lhe trazendo um sentimento estranho de familiaridade. Tudo doía, menos o rosto... Este, ao contrário do corpo machucado, se mantinha perfeitamente alinhado.

Após se trocar, vestindo seu habitual terno preto, Elena calçara seu scarpin da mesma cor e se dirigira as instalações do serviço secreto. Com precaução e mantendo o disfarce, a mulher descera de sua moto em frente a empresa Schmidt Ink, uma multinacional que lidava com assuntos de segurança para casas e empresas. Tirara de dentro da bolsa seu cartão de acesso, passando-o pela máquina em seguida. Tomara o elevador até o último andar do prédio enquanto olhava o cabelo perfeitamente preso para trás em um rabo de cavalo.

Saíra do elevador diretamente para o andar no qual trabalhava, caminhando a passos rápidos até sua própria sala. Sentara-se, de costas para a mesa e deixara que seus olhos contemplassem os arranhásseis do lado de fora das grandes janelas. A paz lhe inundava quando a porta fora aberta, barulho de passos firmes e logo depois o barulho de pastas sendo jogadas em cima de sua mesa. Ela se virara, observando o homem que trajava um belíssimo terno de alta costura azul escuro.

─O azul lhe favorece. ─Köhler sorrira minimamente, tomando as pastas nas mãos. ─Meu próximo trabalho?

─Seu nome será Addison Montgomery, você chegou ao país há um mês e está pesquisando um lugar adequado para montar seu escritório de psicologia. ─Elena o olhara. ─Perca o sotaque, você é americana, seu nome já diz tudo!

─Sim, senhor... Meredith Grey... ─A mulher dissera pensativa, passando seu dedo indicador por sobre a foto que constava nos registros que lhe foram entregues. ─O quão próxima devo ficar?

─Próxima o suficiente para dividir a cama e alguns segredos com ela, não quero que nada a barre aqui... Grey é a mulher de um dos senadores mais importantes deste país, que por coincidências tem informações que seriam de extrema valia para nós. ─As mãos firmes se apoiaram na mesa de vidro.

─Uma pergunta. ─Elena se levantara, suspirando. ─Porque me escolheram para este trabalho? O senhor conhece minhas habilidades, faz algum tempo que não entro infiltrada em alguma missão, minhas habilidades...

─Combate corpo a corpo, armamento e desarmamento de bombas, tem habilidades acima da medida com armamentos de alta elite, domina cinco idiomas, sendo três deles quase sua língua materna, se mistura bem no meio onde se infiltra e é discreta! Sim, Elena, nós sabemos de tudo isso, e é exatamente por isso que estamos te enviando para uma missão desse tipo. ─O homem sorrira, lhe encarando.

─Então eu devo tricotar um suéter com a mulher do senador? É isso que está me dizendo? ─Tudo o que ouvira fora uma gargalhada baixa e contida.

─Se soubesse o que lhe aguarda, o suéter seria a última coisaque passaria por sua mente. ─Com ambas as mãos o homem alinhara seu caríssimoterno. ─Se apronte, deixaremos você em um parque aqui perto, as instruções serão dadas no caminho... É seu primeiro encontro com a senhorita Grey, e eu espero que você seja bem sucedida de início! ─O homem lhe estendera o punho fechado, ao passo que Elena beijara o anel em seu dedo indicador. ─E Elena... Se precisar tricotar um suéter, você irá tricotar... São ordens!

─Sim senhor!

The HandlerWhere stories live. Discover now