...Rio de Janeiro. Dia 12 de junho, às duas da tarde, um ônibus levava os passageiros ao seu destino. Tudo parecia normal e rotineiro como qualquer outra segunda feira, mas um jovem embarcou nesse veículo, mudando a vida de todos que estavam presentes.
Era inverno naquela época do ano, mas o sol raiava no céu sem nuvens, deixando o clima bonito e agradável. Sem trânsito o motorista conduzia seu ônibus parando apenas para pegar ou deixar os passageiros no ponto. Não estava lotado, mas havia muitas pessoas.
Alguns amigos adolescentes no fundo conversavam animados sobre qualquer coisa, ainda estavam com seus uniformes de escola. Nos outros bancos, estavam pessoas com mochila no colo — provavelmente indo para faculdade ou voltando do trabalho. Um casal de idosos conversava calmamente, ela sentada ao lado da janela, com seu vestido florido e cabelos presos, ele usava camiseta social branca com óculo e boina, os dois de mãos dadas. De resto havia ainda um homem lendo um livro, distraído; uma mãe com duas crianças, um rapaz com fones de ouvidos e mais duas ou três pessoas mexendo no celular.
Ninguém deu atenção quando ele entrou. Era apenas mais um jovem de classe baixa, negro, com roupas surradas. Talvez o mais estranho, era que mesmo naquele calor, ele estava usando um casaco grosso com a touca caindo sobre seus olhos.
As pessoas repararam nele apenas quando ele gritou que o ônibus estava sendo assaltado. Sacou um revolver calibre 38 e apontou para a cabeça do cobrador. O homem sentado apenas abriu o caixa e levantou as mãos, deixando o dinheiro à mostra para que o bandido pudesse levar. Mas ele não levou. Pelo contrário, ali tinha pouco dinheiro, quase nada e não queria fazer um serviço tão arriscado pra receber tão pouco.
Então ele encheu os bolsos, esvaziando o caixa do cobrador, partindo para roubar os passageiros. Muitos olhos o fitavam. Mas eram olhos de medo, tudo estava sob controle. Antes de começar a saquear os demais, ele avisou que se alguém tentasse algo, iria pagar com a vida. Droga, ele foi gentil, ele avisou!
Havia só seis balas em sua arma, seria impossível matar a todos, mas ninguém queria ser o infeliz a morrer em um maldito assalto de ônibus. Ora, se todos avançassem em cima dele, poderiam detê-lo. Alguém poderia morrer é claro, entretanto ele também morreria, e morreria da pior maneira, sendo pisado, tendo ossos quebrados, enquanto implora para que poupassem a sua vida. Poderiam fazer isso, mas todos estavam tremendo com pavor, como cachorrinhos amedrontados. Realmente... Era mais fácil entregar seus pertences, ao qual soaram para conseguir. Pelo menos assim, ele iria embora.
Mas ele não foi. Vaidoso de mais a ponto de se contentar com pouco. Se já estava nervoso quando viu a quantidade miserável de dinheiro no caixa, agora se sentia ainda mais nervoso, ao constatar que os pobres passageiros não tinham muito mais dinheiro, apenas bilhetes de passagem.
Os idosos, é claro. Já havia revistado os dois, mas velho sempre tem dinheiro! Deviam estar escondendo! Ou melhor, deviam estar voltando do banco agora mesmo. Afinal, esses infelizes vivem sugando as tetas do governo.
Enquanto ameaçava os idosos, deu as costas aos demais. Terrível sacrilégio — não dele, mas dos passageiros. O ônibus seguia seu percurso normalmente, apenas não marava mais nos pontos, pois assim o bandido havia mantado. O que acontece, é que o veículo passou de frente à um carro de policia que estava estacionado no acostamento. Um dos passageiros aproveitou a distração do criminoso e fez um sinal. Infelizmente os policiais entenderam.
Agora tudo deu errado.
O homem ouviu o som das sirenes. Droga, droga, DROGA! Não podia ser preso de novo, estava em condicional. Tinha que fazer alguma coisa. Mas que merda! Ameaçou o motorista mais uma vez para que ele não parasse. O delinquente então, se colocou entre a catraca e o cobrador, ficando de frente para as vítimas. Apontou a sua pistola para o cobrador novamente — ele seria o seu primeiro refém.
O ônibus de repente começou a perder a velocidade. A viatura já se postava ao lado da janela. Então o bandido viu os policiais. São sempre iguais, tem o mesmo comportamento, diante de uma situação como aquela eles se faziam se santinhos, OS GRANDES HERÓIS. Mas o malfeitor era negro, pobre e favelado, e como tal, conhecia bem aqueles cães de farda. Na verdade, olhando em seus olhos através do vidro, eles pareciam conhecidos.
Policial e bandido. Quando era criança, costumava ser o policial nas brincadeiras com os amiguinhos do morro. Mas ele não era mais criança. Agora ele era o bandido e tinha que agir como tal.
Não adiantaria gritar ou ameaçar o motorista, pois ele iria continuar tentando sacanear. Que tal, então, se o seu amigo de trabalho sofresse um leve acidente?
Precisava ser respeitado. Dar um exemplo. Seu dedo puxou o gatilho sem que ninguém esperasse, sem novas ameaças, sem aviso prévio. Um segundo depois do barulho, todos puderam ver a cabeça careca do cobrador caída sobre o ombro, com um pequeno buraco desenhado na testa. O pobre coitado sangrava como uma torneira aberta. Sem vida.
Mas o resultado daquilo não foi como esperado. Não manteve o controle. Perdeu qualquer controle que tinha.
O motorista assistiu pelo espelho seu amigo ser assinado. Seu corpo relaxou se enrijeceu com o susto e ele perdeu o controle do ônibus.
Do lado de fora, mais duas viaturas chegaram na perseguição. Mas os policiais não era mais o problema. O problema estava dentro do onibus com gritos de pavor e choros de crianças.
O problema ERA o ônibus.
O veículo estava desgovernado. Algumas pessoas caíram sobre as outras, as crianças se perderam da mãe, mochilas voavam. O bandido tinha que se segurar para não cair também. Mas se ele não caiu, todos que estavam sentados nas cadeiras caíram sobre ele. O tumulto era grande. Ouvia-se barulho de batidas e gritos que não eram mais de medo, mas sim de susto.
Segundos depois não se viu mais nada.
Tudo ficou escuro e silencioso.
Depois da explosão, os policiais ligaram para os bombeiros e pediram ambulâncias, embora soubessem que não havia muito o que se fazer. O ônibus havia despencado em um desfiladeiro de 20, talvez 30 metros. Era impossível que alguém saísse com vida, ainda mais com a explosão... mas tinham que encerrar o trabalho.
Após a retirada de todos os corpos, descobriram o bandido, ainda com a arma na mão, com um buraco na cabeça. O infeliz não sentiu nada, não viu nada. Morreu rápido como o cobrador. E talvez, o cobrador tenha sido o homem mais feliz nessa história, pois morreu sem perceber, sem sentir dor ou ter o corpo explodido com as chamas.
Ou talvez ainda, os mais felizes nessa história tenham sido o casal de idosos, que mesmo com o corpo despedaçado, não soltaram as mãos...
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ASSALTO AO ÔNIBUS
Short StoryO sequestro do ônibus 174 foi um episódio marcante da crônica policial do Rio de Janeiro, no Brasil. No dia 12 de junho de 2000, às 14h20m, o ônibus da linha 174 (atual Troncal 5) (Central–Gávea) da empresa Amigos Unidos ficou detido no bairro do Ja...