▪︎ 13: Medo Bobo

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Sérgio Guizé.

Ficar com Paolla naquela noite tinha sido a maior das minhas aventura, principalmente porque minha esposa dormia no andar de cima, grávida de mim. Duvidei muito do meu caráter por conta disso, mas meu coração jamais entenderia o certo e o errado das coisas. Eu a amava mais do que meus sentimentos poderiam conter e precisava dela o mesmo tanto que ela precisava de mim. Então, decidimos que iríamos manter contato sim e que eu não demoraria a pedir o divórcio, seria a liberdade que nós dois imploramos para conseguir.

As semanas foram correndo e o comportamento duvidoso de Bianca foi mais o intrigante, afinal, os traços de grávida dela se tornavam questionáveis. Enjôos? Não havia presenciado nenhum. A fome e os desejos compulsivos não apareciam. Ela evitava sempre que podia as visitas ao médico e quando saía, me privava de sequer ver junto com ele. Eu não sabia como era o coração de um bebê batendo, ela me deixava em casa e voltava com sorrisos amarelos dizendo que estava tudo bem com nossa sementinha. Bianca ainda muito magrinha não dava nenhuma evidência de saliência no útero, estava tão comum como sempre. Qualquer um que a visse pensaria que ela está normal. Mas sempre que eu pensava qualquer coisa, tentava afastar essa hipótese da cabeça. Que tipo de pessoa doente teria a coragem de fingir uma gravidez para o benefício próprio?
Fiquei uma noite inteira lutando contra esses pensamentos, preso na banheira de casa, olhando pro alto. Quando me dei conta, já estava amanhecendo.

— Posso usar o banheiro? — Disse Bianca contra a porta.

Passei as mãos molhadas no rosto e me levantei num impulso só, colocando a toalha na cintura e saindo de lá. Troquei um olhar profundo com Bianca ao sair e fui apenas com o tecido envolvendo minha cintura até o quarto de hóspedes, onde estava tudo que eu tinha. Tinha uma reunião com o advogado que iria preparar meu divórcio bem cedo, então me vesti logo para a ocasião e fui para a cozinha a fim de tomar meu café correndo, sem ter que vê-la mais uma vez. O que não aconteceu. Ela estava com uma grande camisola azul de tecido pouco transparente e uma caneca de café fumegante em mãos, seus olhos claros queimaram em cada lugar do meu corpo e me deixaram um pouco incomodado. Qual foi a última vez que esse olhar me deu qualquer sensação?
Fui até a bancada, onde jazia a jarra de café quente e a peguei, despejando o líquido escuro todinho lá. Sabendo a forma de fazer café dela, peguei um pouco de açúcar e coloquei, mexendo a colher. Enquanto fazia esse meu ritual, ouvi um suspiro profundo de Bianca. Ergui os olhos automaticamente, vendo uma figura ilegível. Suas sobrancelhas arqueadas e sorrisinho estranho me deixaram com uma incógnita na cabeça.

— O que? — Perguntei, enquanto tirava a colher de dentro da caneca e dava um gole generoso na bebida, que desceu queimando pela temperatura alta.

Bianca dá uma risadinha contida e vai até a pia, lava sua caneca e deixa na prateleira.

— Não me diz nem "bom dia"? A falta de sentimento afetou sua educação? — Comentou ela, ironia escorrendo de suas palavras.

Dei de ombros e continuei bebendo, até que eu terminasse e abandonasse a caneca sobre a mesinha ali perto. Olhei a hora no relógio de pulso e soltei um suspiro longo e contínuo.
Fui até o chaveiro ao lado da porta de saída e me virei para Bianca, com um sorriso fraco e até sem graça.

— Bom dia. — Declarei, simplesmente.

Quando fui abrir a porta, ela puxou meu pulso. Não como da última vez, mas ainda assim fora um ato de posse. Olhei para a mesma, confuso, mais uma vez. Bianca soltou os dedos calmamente e coçou a nuca, como se tivesse algo para dizer. A mão livre foi para a barriga, como se quisesse proteger nosso pequenino ali dentro... Bem, pelo menos eu preferia acreditar que havia um pequenino.
O olhar dela penetrou meus olhos com tanta profundidade que pensei que ela veria minha alma e meus segredos, me deixando um pouco intimidado.

Medo BoboOnde histórias criam vida. Descubra agora