Capítulo 3

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Vamos começar lá do alto

Rosalía - Con Altura

Não tem nada mais inspiracional na minha vida que ser um Yoshida. Sinto cem por cento de orgulho e muita gratidão por ser um. Todos os dias quando acordo penso como teria sido a minha vida se fosse apenas Denver, um garoto do subúrbio de Toronto, com pais minimamente letrados e que anseiam que ele entre para Harvard ou Columbia se tornando o primeiro da linhagem a atingir tal feito e a ser o orgulho da família se tornando um médico. Devo sublinhar a parte cirurgião.

E chego a conclusão que não teria entrado para nenhum desses lugares, no mínimo teria feito a universidade católica que fica a esquina do subúrbio, teria um trabalho monótono — numa corretora de automóveis — que me faria reclamar da minha vida em bares — para desconhecidos — e o mais triste, colocaria academia como meta de todo santo ano mesmo sabendo que não iria.

Graças a Deus nasci numa família que podia dar mais do que precisava.

Tive de tudo e um pouco mais, talvez por este motivo eu seja apegado a riqueza, gosto da sensação de poder que o dinheiro transmite. No entanto, meus pais sempre se asseguraram que essa paixão pela riqueza não me roubasse os bons valores. Fui criado da melhor maneira possível, com valores morais em primeiro, respeito e empatia pelo próximo. E por isso, a lógica da arrogância não se aplica a mim, não me desce essa ideia de que riqueza é sinônimo de arrogância. Não quando não gosto de ser tratado mal, então porquê tratar mal alguém?

— No que está pensando? — A questão é proferida pela minha mãe. Estamos no meu quarto, eu de frente para o espelho e ela sentada na minha cama, acompanhando todo o ritual que é me preparar para o trabalho. — Está muito sério, sabe que tenho medo de gente séria, não sabe? — Acrescenta vindo ao meu encontro, fica de frente para mim tendo as costas refletidas no espelho, inclino-me para olhá-la.

— Em nada que seja motivo de uma ida ao psicólogo, — lhe asseguro, sei o quanto é paranoica sobre a minha saúde mental — estava pensando que é muita incongruência associar a riqueza á arrogância.

— Hum, não acho, ilógico mesmo é muitos ricos se comportarem como uns cus arrombados. — cobre a boca depois da afirmação. — Não digas ao teu pai que eu disse tamanho palavrão.

— Cu não é um palavrão — digo oferecendo-lhe o meu pescoço para que amarre a gravata. — De fato muitos ricos se comportam dessa forma.

— Vê? A maioria é que vence, já ouviu aquele ditado que diz que um peixe podre arrasta os outros para a lixeira? Então, é basicamente isso. — Dá de ombros e finaliza o nó da minha gravata. — E cu é um palavrão, lembras quando eras criança?

— A cada "cu" dito papai colocava um dólar no meu bolso. No final do dia tinha uns vinte dólares.

— Conclusão: é um palavrão. — Coloca as abotoaduras Mont Blanc que ela mesma me deu aos trinta anos como um "boa sorte". Estava começando minha companhia na altura, o recomeço que precisava depois de tudo que se passou comigo. — Eu fiz uma coisa linda, olha só para você! — Fala derretida, com aquela expressão de mãe babona enquanto me força a encarar o espelho.

— Eu sei, mesmo com papai em todos os meus traços — provoco, sei o quanto lhe pesa o facto de não ter puxado seus olhos azuis e seus cabelos louros.

— Aquele japonês desgraçado, não me fale dele.

— O que aconteceu? — Caminho até a gaveta onde guardo os relógios que possuo, escolho um Patek Philippe e repouso sobre o meu pulso.

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