Obra

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Tudo era treva e uma escuridão absurdamente palpável. Frio e calor, alto e baixo, toda a noção de direção e sensibilidade eram nulas.

"Alguém aí?"

Sem resposta. A voz ecoava por todo o espaço e perdia-se no infinito. Os pés tocavam algo desconhecido, sentiu medo, não, medo não, desconhecia tal palavra e tal sentido. Mas as mãos cálidas tremiam, mãos que emitiam uma luz tênue de origem desconhecida. Luz que pulsava a cada espasmo muscular.

"O que é músculo?!"

Sem motivo começou a andar, andar não era a palavra correta. Pairar? Sim, pairava sobre algo mole, sem firmeza e que dispersava facilmente com os toques dos dedos dos pés. Essa moleza refletia seu brilho.

"O que será isso?!"

Imediatamente uma idéia, um sentido, um nome formou-se em seus lábios que se moviam lentamente: Á-G-U-A. E soube que aquilo que era mole na verdade era água.

E o Espírito pairava sobre as águas.

E pairou por um tempo que não soube determinar. Até surgiram: dias, meses, anos e séculos, milênios, segundos, milésimos e ∞. Inclinou-se sobre aquelas águas e mergulhou a mão que recebia aquele liquido entre os dedos lentamente num processo milenar cuja sensação fora de meros segundos. E fechou a mão e trouxe água até a boca e os dentes tocaram os fios do tempo e prontamente disse:

"Meio milhão de anos!"

Sorvia ruidosamente com uma sede jamais experimentada, enchia o estomago com o tempo e o tempo preenchia qualquer vazio, lacuna e mesclava-se ao próprio espaço.

"Tudo sou eu e eu sou Tudo!"

Pairou por mais uma centena de séculos. Parou.

"Alguém aí?"

Sem resposta. E isso o incomodou.

"O que sou além do Tudo?" Sentiu a reposta pairar também sobre as águas mansas e obscuras. De todos os lados e até mesmo de dentro de si a resposta emanou:

"Eu sou o Verbo e o Verbo sou eu!"

E pequenos pontos de luz surgiram nas profundezas das águas. Uniam-se em uma estreita fileira logo abaixo de si.

Seguiu com os olhos brilhantes e multicoloridos até avistar uma fenda irregular que também pairava sobre as águas, fina mal cabia sua mão. Pairou em direção a fenda e durante esse trajeto alguns milhares de anos corriam por seu corpo sem causar danos ou qualquer tipo de mudança aparente. Com as duas mãos tentou alargar a fenda e encontrou resistência. Bastou a intenção e a fenda cedeu.

Atravessou a fenda.

Atravessou e viu que pairava sobre outras águas que ainda eram muito semelhantes às anteriores. E logo a frente outra fenda. E seguidamente por milhares de milênios atravessou fendas e mais fendas deixando para trás o tempo, o espaço e luzes.

"Cesse!"

E última fenda surgiu. Estreita, quase imperceptível.

Deteve-se diante da fina linha tortuosa que se desenhava a sua frente. Com os dedos forçou a abertura, mais resistente que as anteriores, demandando mais força seus músculos chegaram a tremer. Não poderia hesitar. Atravessou o tempo e o espaço de tantos universos. Sabia que não falharia.

Gotas de suor minavam de suas têmporas, escorriam pelo rosto e caiam no espaço e o tocar a superfície das águas tornavam-se estrelas.

Mais força. Mais força. Mais força. Mais força. Mais força.

ObraWhere stories live. Discover now