A suavidade com a qual os passos escorregavam pelos degraus maltratados pelo tempo penetrava os ouvidos da garota a percorrer um dos milhares de corredores do castelo. Sob o lenço da noite, os espaçados pontos de luzes em candelabros lançavam gotas escorregadias pelas paredes de pedra, como lágrimas melancólicas das vetustas almas que seguiram a mesma trilha e, no hodierno, habitam, injuriadas, tais masmorras.
O aspecto Vitoriano das grandes salas da Ala Oeste do castelo não era capaz de renunciar ao ardor crescente que a ideia de antepassados mortos e transeuntes por aqueles cômodos trazia à menção. Os cabelos da menina, escuros como a violenta noite tempestuosa, caíam em cascatas de cachos por seus ombros até a curvatura delicada dos quadris.
O frio jogava-se de um canto a outro no corredor, assobiando cruelmente a melodia daqueles que foram exilados da vida por seu aperto impiedoso, e refletia contra a pele pálida da moça, eriçando sua nuca com terror. Espantada com as criaturas que eram, todos os crepúsculos, forjadas pelos focos de luz amarela e crepitante, dobrou o corredor, apressando os pés minúsculos.
A suavidade se perdia em sintonia com o concerto sibilante que roçava sua pele desnuda. Há poucas horas, sua Ama havia preparado um banho quente que terminara em águas vermelhas e a harmonia de gritos inocentes.
O nó que se acumulava de inúmeros laços e cordas em sua garganta ameaçava romper, entretanto, não poderia fraquejar na busca. O insólito temor dos acontecimentos movia suas pernas como carvão em uma fornalha de trem, lançando seu corpo magro à frente antes mesmo que seu cérebro ordenasse.
Naquele estado, ela não conseguia reconhecer se agia de forma racional ou apenas magneticamente como um anjo mecânico. A bile lhe subia, rasgando como espinhos, um caminho que até então estava ocluso pelo nó.
Seu corpo cambaleou mais alguns passos, até chocar-se contra um pilar e um grande parapeito. A menina apoiou-se para não cair e permitiu que a bile saísse em espasmos contínuos e demorados, até que nada mais houvesse para abandonar o barco naufragado no qual sua existência metamorfoseou-se tão repentinamente.
As juntas dos dedos esbranquiçaram-se pelo contato firme e demorado contra o suporte de pedras, ou, talvez, pela morte iminente, ou pelo pulsar do medo, que possibilitava seu coração ser ouvido a metros de distância.
Os olhos da garota eram como esmeraldas sem brilho, descartadas por velhos garimpeiros pela elevada campanha e dispendiosa necessidade de polimento. Aquelas órbitas desvitalizadas alcançaram com esforço as luzes da cidade a alguns quilômetros do castelo. Diferente das que lançavam demônios em seu encalço, aquelas lhe prometiam segurança. Só não sabia se seria capaz de atravessar o oceano inquieto sob a linha de sua visão. Neste ponto, apenas desejava a metafísica do ser para escapar ao usual e caminhar sobre aquele fio interminável.
A vontade esvaiu-se do peito por um par de segundos, até que, renovada pelo inspirar profundo, estabilizou-se na imediata tarefa.
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Uma Estrela sem nome
Short StoryPulsante como Eros e Tânatos, essa coletânea de contos tramita entre os extremos do âmago humano, do mais sublime ao intenso, em uma dança pelos confins do Universo que pode ser construído e evaporado. Através de explorações incessantes, seremos gui...