Segunda-feira. As crianças dormem enquanto Rosa prepara o café da manhã e separa as roupas da escola. Café servido, crianças trocadas e sonolentas. Rosa estende a mão para as duas crianças menores no caminho da escola e a mais velha vai andando atrás sem prestar atenção ao que a mãe diz.
Passam na frente da padaria e duas senhoras cochicham "olha só, o marido largou, agora está aí sozinha com três crianças". Rosa não se incomoda, passa e finge que não escuta, afinal é verdade.
Na escola a professora questiona o mau comportamento da criança do meio. Afirma que está sempre sonolento, que não interage com os colegas, que não presta atenção nas aulas. Rosa promete que conversará com a criança em casa. Rosa sempre cumpre suas promessas.
Rosa pega duas conduções até o serviço. Todos os dias chega 10 minutos atrasada porque a baldeação nunca acontece no horário previsto. Sua chefe a chama para conversar e pede para que ela saia de casa mais cedo se quiser manter o emprego. Rosa promete que deixará as crianças na escola mais cedo. Rosa sempre cumpre as suas promessas.
No final do dia Rosa passa no mercado e compra alguma comida pronta, pois se recusa a cozinhar depois de um dia estressante de trabalho. Passa na casa da vizinha, pega as crianças e as leva para casa.
Banho, janta improvisada, tarefa escolar. As crianças dormem. Rosa adormece no sofá enquanto assiste a novela.
A semana passa, todo dia as mesmas coisas, as mesmas cobranças, as mesmas promessas.
Domingo. Dia de almoço de família. Rosa pensa em trinta e um motivos para não ir, mas vai. Dizem que as crianças precisam conviver com os primos, com os tios e os avós. Rosa não tem muita certeza, mas vai, mais uma promessa cumprida. Rosa sempre cumpre suas promessas.
Na mesa do almoço um dos tios diz que ela deve voltar com o ex-marido, uma mulher não é bem vista pela sociedade, ainda mais com três crianças. Uma tia diz que ela deve arrumar um namorado, as crianças precisam de uma referência masculina. Outro tio diz que o ex-marido de Rosa é um homem de bem, trabalhador, que merece outra chance. Outra tia diz que o sonho de toda mulher é encontrar um homem que cuide dela. Outro tio diz que não tem do que reclamar sobre o ex-marido de Rosa, afinal ele sempre lhe emprestou dinheiro e sempre foi muito educado com a família.
Rosa ouve todos os comentários, engolindo parte do peito do frango assado, seco e sem sabor. Toma um gole de um refrigerante barato e pensa em sair dali, mas é impossível. Lembra de todos os móveis que o marido quebrou, de todas as vezes que a impediu de sair, de todas as vezes que a impediu de estudar, de todas as vezes que a traiu, de todas as vezes que a bateu, de todas as vezes que chegou bêbado em casa, de todas as vezes que a constrangeu, que a humilhou, que torturou. Rosa finalmente percebe que naquela mesa, nada disso importava. O que realmente era valioso era o fato de ter um emprego fixo, pagar as contas em dia, ser educado com os outros, e claro, emprestar dinheiro. Rosa percebe que sua existência, que a sua vida, que o seu bem estar, que os seus planos, que os seus sonhos, nada importam para aquelas pessoas.
Rosa percebe que não é porque é família que não é tóxica. E sem dizer uma palavra se levanta da mesa, chama suas crianças e sai pela porta. Rosa promete para si mesma que nunca mais se sentará na mesa com aquelas pessoas. Rosa sempre cumpre suas promessas.
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Rosa sempre cumpre suas promessas
Short StoryRosa é uma mulher real que cumpre sempre suas promessas. O seu tempo é divido entre o trabalho e os deveres domésticos e muitas vezes se anula cumprindo seus combinados. Um dia Rosa que a melhor promessa deve ser para si mesma e não para os outros.