— P-pentear pela ulti...? — Me assustei.
— Shhhhhh... — Me acalmou. — A morte não é algo ruim, querida Hani... Eu mesma já morri por milhares de vezes...
— O-o que? — Balancei a cabeça, expressei não ter entendido nada.
— Vamos, me dê o pente... — Vovó insistiu, então o puxou.
Dei alguns soluços enquanto os dedos começaram a deslizar sobre cada mecha. Pensei em meus Pais, no meu irmão... Até em Biscoito... Minha expressão chamou sua atenção, então me questionou se eu gostaria de ouvir a história, aquela história. Balancei a cabeça que sim.
— M-mas... Eu não quero morrer... — Deslizei a mão secando uma das bochechas.
— O primeiro passo para uma morte feliz é aceita-la...
— M-mas...
Vovó tomou a frente:
— Vamos fazer diferente dessa vez... Que tal você contar a história? Garanto que se sentirá muito melhor... — Incrementou um sorriso.
Mais lágrimas desceram, mas chacoalhei a cabeça em concordância.
— Será a primeira vez que serei sua ouvinte... Estou ansiosa... — Disse em conjunto a janela se abrir, e o ar fresco, não tão gelado quanto seus dedos, tomarem todo o ambiente. Foi algo como está chegando a hora.
"Era uma vez, a muito tempo atrás no reino magico, uma Bruxinha curiosa acabou encontrando um tesouro. Ao abri-lo, este não lhe trouxe apenas bens valiosos, mas também uma maldição, uma terrível maldição. Durante seis noites a Bruxinha ingênua foi obrigada a lutar com um dragão diferente. Quando conseguia fazer o grande corpo quadrúpede cair, o denominava com um medo que continha. Ela fez isso com cada um. Na sétima noite, cansada da metamorfose, a Bruxinha se sentou na beirada de um lago e aceitou que o próximo dragão a engolisse. Ela abaixou a cabeça, e olhou bem o que viu ali. Se aproximou e beijou a si mesma em despedida, lhe agradecendo por ter aguentado tanto... E assim que voltou a encarar seu reflexo, seu verdadeiro reflexo, não houve um sétimo dragão, apenas metamorfose... A mais pura metamorfose."
A cada frase uma nova lágrima escorregava em direção ao meu queixo, mas não me fizeram soluçar ou ficar ofegante. Como um passe de mágica as palavras saíram da minha garganta tão suavemente, que eu parecia ter o livro de contos em mãos. Vovó aplaudiu. Não chorou, mas ficou emocionada. Senti sua alegria quando deslizou o indicador ao meu rosto para secar minha pele. Então, apanhou meu queixo e guiou meu rosto para o espelho, me fez encarar quem eu era, a face dilacerada, a aparência deformada, a própria obscuridade, a coisa mais horrenda do mundo. O pente foi sobreposto de volta a penteadeira, como se não fosse mais útil ali. Vovó então acariciou meu cabelo com as próprias mãos dizendo:
— Você cruzou tantos medos para chegar até aqui, querida... Por que não agradece a si mesma? — Terminou apontando para o espelho.
— M-me agradecer? Como a Bruxinha ingênua?
Vovó descendeu uma das mãos até meu coração e a pressionou ali. Me fez sentir que ela estava orgulhosa de mim, isso me trazia uma felicidade, outro tipo, completamente distinta.
— A maldição da metamorfose ressurge os medos com a intenção maliciosa, minha Neta... Você chegou, chegou até a última noite, mas não foi sua aparência quem lhe trouxe aqui... Foi a Hani, a verdadeira Hani... Agradeça a si mesma e venha comigo... — Vovó conduziu o olhar a janela aberta.
Voltei a olhar a mim mesma e entendi o que era a felicidade distinta. Aquilo era a leveza de estar à salvo, ter orgulho do próprio escudo, estar frente a um soldado ferido... Aquela era minha fonte segura, posso chama-la de... eu mesma. Me ergui, me livrando das mãos de Vovó, conduzi meu rosto à frente, pela primeira vez não reparando ao redor, apenas olho com olho, logo nariz com nariz... Então... lábio com lábio...
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Hani De Metamorfose
Conto[Concluído] Hani é membra da clã Palanthi, embora muitos não acreditassem. Era uma Bruxa diferente dos outros membros de sua família, não só tratando de seus poderes. As tão aguardadas férias de outono finalmente chegaram e, o luto não foi capaz de...