Antropofagia

126 12 267
                                    

“Aranhas cometem canibalismo para que os ovos nasçam mais saudáveis. Algumas cascavéis comem seus filhotes recém nascidos para recuperarem a saúde.”

— Se eu não comer alguma coisa dentro de cinco minutos, vou enlouquecer. Eu juro! — Esbravejou Kyungsoo.

— Ficar se lamentando na minha orelha não vai mudar porra nenhuma.

Baekhyun não aguentava mais tantas reclamações de Kyungsoo. A culpa era dele por ter esquecido toda a comida que prepararam para a viagem. Estavam na estrada há quatro horas, e somente há uma hora perceberam que não havia nenhuma bolsa com comida no banco traseiro. Deveriam ter esquecido em cima da mesa da sala. Planejaram essa viagem totalmente em cima da hora. 

Baekhyun morava com Kyungsoo em um apartamento no centro da cidade desde que fizera vinte anos. Agora estava com vinte e três, e muito feliz por dividir a casa com o melhor amigo. Era uma região bastante movimentada, com muitos restaurantes, lojas e carros. Perfeito para dois jovens que estudavam e trabalhavam quase todos os dias.

A verdade era que, Kyungsoo nunca gostou de viver em cidade grande. Ele gostava de fazendas, cidades pequenas com poucos moradores. Mais especificamente, um lugar tranquilo para viver calmamente com alguém pelo resto de suas existências. Segundo ele, o ar do campo é mais puro e a vida dos moradores de lá é muito mais saudável. Baekhyun o chamava de "bicho do mato" por conta disso.

Fora Kyungsoo que sugerira a viagem, obviamente. Baekhyun fugia de lugares onde estaria rodeado de mato ou montanhas, jamais iria sugerir passar dias totalmente isolado de qualquer contato humano — com exceção da família de Kyungsoo. É certo dizer que ele tinha um pouco de medo.

Quando era mais jovem, passava os finais de semana na casa da avó materna, junto com seu primo mais velho Junmyeon. A avó sempre fora muito religiosa, adorava contar histórias sobre as coisas que via quando era adolescente. Baekhyun odiava as histórias. Mas o que ele odiava mais ainda, era parecer um medroso perto do primo.

Se lembrava das histórias da avó quando passava por lugares com vastas plantações. A história sobre um cara que falava muitos palavrões e depois sumiram rastejando pelo milharal enquanto a avó passava por perto, foi a que o mais lhe assombrou durante toda à sua vida. 

Sem contar os conselhos dela para se defenderem dessas aparições demoníacas. Já dizia ela: Nunca ande por fazendas ou plantações de noite, é muito perigoso. Essa é a hora que o bicho aparece e te pega. Nunca dá pra saber se eles são mesmo coisa ruim porque eles aparecem de vários jeitos diferentes.

Já ouvira sobre cavalos correndo em círculos até os cascos sangrarem sem motivo algum, sobre coisas estranhas sobrevoando a casa de madrugada. E tudo isso acontecia em fazendas onde a avó morara. Fora criado assim, o que podia fazer?

Essas histórias faziam seus pelos da perna arrepiarem e uma sensação horrível percorrer por toda sua espinha até os pelos da nuca se levantarem. Odiava fazendas.

Odiava fazendas, mas amava Kyungsoo. Não de um jeito romântico. Até onde sabia, sempre fora hétero. Nunca beijou um homem, e nem teve vontade de beijar. Sabia que Kyungsoo era bissexual, porém nunca lhe ocorrera essa possibilidade para si.

Certa vez, deu um selinho em Kyungsoo pois sabia que não significaria nada. Porra, eram melhores amigos, não tinha nada de errado nisso. Gostava de demonstrar seu amor.

Só que naquele momento, estava sendo impossível demonstrar qualquer tipo de amor para Kyungsoo. Ele não parava de reclamar de fome, e fizera Baekhyun parar três vezes para fazer xixi no mato. Não acharam estabelecimentos que podiam parar para comprar comida, era mato para todos os lados. 

Vitis Acerifolia (Antropofagia)Onde histórias criam vida. Descubra agora