Escuridão

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O dissipar da escuridão revelou a solidão, o gatinho preto estava sozinho novamente, as tragédias sempre deixam para trás corações partidos e com esse sentimento de vazio o gatinho vagava pelas ruas.

A saudade de seu lar o consumia, ao longe a imagem de seus donos, em alta velocidade o gatinho corria para alcançá-los, quando uma senhora surgiu em seu caminho, era quase impossível parar e o encontro aconteceu, o gato esbarrou nas pernas da senhora o que causou-lhe um grande susto. A imagem do casal sumiu e uma aflição invadiu o gatinho preto e chamando por seus donos miava o mais alto que podia, porém, ninguém apareceu.

A imagem do gatinho perdido causou uma grande comoção naquela senhora, de imediato seu coração foi tocado e então ela o pegou no colo e o abraçou. Os olhos cinza miraram a compaixão era o sentimento que transbordava naquele colo e que estava presente em cada afago que recebia em seu pelo.

Um novo caminho, por uma estrada desconhecida o gatinho trilhava no colo da sua nova protetora, era difícil deixar para trás um lar, mas a vida nos obriga a trilhar por suas regras e condições e com esse pensamento uma nova porta se abriu. Uma casa humilde no subúrbio, assim que entrou em sua residência, a senhora levou o gatinho até uma prateleira que em seu topo havia um porta-retrato que emoldurava a fotografia de um homem, emocionada a senhora falou:

— Olha amor o nosso novo companheiro. — Como se exibisse o gato para a fotografia, a senhora perguntou. — Qual o nome deveríamos colocar nele?

Alguns segundos segurando o gatinho frente ao porta-retrato, a senhora parecia pensar em um como nomeá-lo, passou um tempo nessa indecisão e então de seus olhos caíram lagrimas e com uma voz baixinha falou:

— Miguel? — Limpando as lagrimas comentou. — Esse é um bom nome e me traz boas lembranças.

Ao colocar o gatinho preto no chão a senhora caminhava pela casa apresentando os cômodos, ao chegar a cozinha, sorriu para o gatinho e saudou ao falar:

— Seja bem-vindo a seu lar.

Companhia, amor e carinho marcaram aqueles dias que trouxeram a felicidade de volta para aqueles olhos cinza. Ao lado daquela senhora o gatinho sentia que realmente havia conseguido um novo lar.

Tudo nessa vida é passageiro e aos poucos esses dias ficaram para trás, e então o gatinho tornou a ficar sozinho, as vezes nem conseguia ver a sua dona por vários dias, pois a senhora trancava-se em seu quarto e do outro lado da porta ouvia-se apenas soluços e gemidos. A solidão havia se instaurado de volta no coração do gatinho a saudade dos dias passados bateu forte e com suas garras decidiu lutar para que a felicidade voltasse, arranhando a porta do quarto de sua dona até que fosse notado.

Após alguns minutos de silencio, a maçaneta girou abrindo a tranca, com os olhos vermelhos e inchados a senhora esboçou um sorriso. Pegando o gatinho no colo o mimou ao falar:

— Está tudo bem e tudo ficará bem!

Os olhos cinza não acreditavam naquelas palavras, mas seu coração queria que fosse verdade. No dia seguinte a senhora levantou-se expressando felicidade, com essa atitude o gatinho acreditou nas palavras ditas por ela no dia anterior, da porta a senhora se despediu e a fechou.

Horas depois a porta se abriu e despertou o gatinho do sono, correndo para verificar, viu a sua dona carregando um imenso saco, com dificuldade o pousou no chão e então falou:

— Miguel aqui tem comida para vários dias. — Limpando as lagrimas que escorriam de seu rosto disse. — Você vai ficar bem.

Ao terminar a frase, a senhora andou até a prateleira em que o retrato de seu marido ficava e encarando a foto por alguns minutos ela falava em pensamentos "não aguento mais a solidão, espere por mim meu bem." Ao se virar a senhora encarou os olhos cinza do gatinho e naquele momento tudo em volta tomou aquela cor.

Seguindo o monótono cinza que habitava sua visão, a senhora adentrou seu quarto e deitou-se sobre a cama. Ao notar o clima tenso, o gatinho a seguiu e então pôde vê-la tomar um frasco inteiro de comprimidos, preocupado o gatinho miou alto, mas de nada adiantou sua dona começou a ficar sonolenta.

Ao pé da cama o gatinho aos poucos sentia sua visão escurecer e tinha medo que fosse mais uma perda se aproximando, quase em desespero usou seus últimos sentidos para miar o mais alto que podia, nesse momento sentiu o ultimo carinho percorrer seus pelos e no instante seguinte a escuridão o tomou.   

Do cinza à escuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora