Carnaval

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É oficial. É apenas fevereiro e eu já não tenho um real na minha conta. Minha enorme fortuna são os 3,50 achados no bolso de uma calça que eu coloquei para lavar ontem. O dinheiro ainda tá meio molhado, mas é só deixar um tempinho no sol e fica tudo bem. É assim que se mata germes, não?

O problema é que eu preciso de uma graninha. Eu e minhas amigas estamos planejando uma viagem para o interior há meses. A avó da Luana, a minha amiga do cabelo vermelho e que fala alguns tons mais alto do que o aceitável, mora em uma casa estilo fazenda e nos convidou para passar o carnaval lá. A garota de 5 anos atrás teria achado um absurdo passar o feriado longe de São Paulo, mas a idosa que habita em mim aos 25 anos achou a ideia incrível.

Tudo o que eu preciso é de um pouco de paz, tranquilidade e bolo de fubá. E uns bloquinhos também, porque ninguém é de ferro. Equilíbrio é tudo.

Luana disse que alguma família rica da cidade sempre monta um bloquinho para desenvolver o que ela chama de marketing pessoal. Aposto que antes da faculdade de publicidade ela diria algum outro nome. Mas agora a minha amiga é chique e entende dessas coisas. E é por isso que eu preciso de grana. Não porque a minha amiga é chique, mas porque eu esqueci da minha fantasia. Menos de 4 horas para irmos e eu, uma pobre Ana, tendo que correr atrás de fantasia.

Apesar da Lu falar com um leve desdém das famílias ricas de Paraíso, sua cidade natal, ela nunca esteve abaixo da classe média, então ela não tem condição de entender o drama dos 3,50. Ela vai querer que eu compre alguma fantasia baratinha. Mas o baratinho pra ela é 30 reais. Sem condições.

Eu poderia pedir ajuda para Mariana, uma outra amiga que vai com a gente para Paraíso, mas ela é a louca das planilhas e da organização, a verdadeira rainha do Excel, e com certeza vai me dar bronca: "Ana, como você esqueceu da fantasia? Eu já fiz a minha há três meses! Mas pior, como você foi chegar aos 3,50?". Eu também não sei, minha cara Mari imaginária que briga comigo como se fosse a voz da minha consciência, também não sei.

O que só me resta a última opção: Carolina, a última peça do nosso quarteto. A Carol é meio doidinha, desligada e com uma preocupação excessiva com focas, sendo que ela nunca viu uma foca na vida. Mas é melhor lutar por uma causa do que por nenhuma. Tendo em vista todas essas características, ela provavelmente também esqueceu da fantasia.

Dito e feito. Na verdade, ela estava a ponto de esquecer da viagem e foi correndo arrumar as malas quando eu liguei para ela. Mas pelo menos ela achou uma solução. Nós poderíamos ir de uva.

- Uva?

- É, eu particularmente prefiro morangos, mas uva é o mais fácil. É só comprar balões roxos e colocar em volta do corpo. - Carol fala como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Agora falta menos de 30 minutos para ir e eu tenho uma fantasia. Uma fantasia meio estranha, eu sei, mas é carnaval, ninguém se importa se tem duas estranhas vestidas de uva verde. Sim, verde. Tinham acabado os balões roxos. Parece que uva é a nova tendência do carnaval 2020. Além do mais, tudo fica menos vergonhoso se você tem alguma amiga para passar pelos perrengues da vida junto com você. E por sorte eu tenho a Carol. Ou tinha, até ela mandar uma mensagem no grupo:

"Oi migs, torci o tornozelo enquanto eu arrumava as malas. Peguei um uber pra vir pro Pronto Socorro e que uber gatinho. Mas esse não é o ponto. Foco, Carol. Acontece que eu vou ficar aqui em São Paulo mesmo para cuidar do tornozelo. Podem ir sem mim, meninas. Ah! Encontrei o Jake aqui, aquele meu ex americano (ou era britânico?) e ele foi tão legal comigo e disse que ia me visitar! Desculpa, meninas. (emoji de carinha triste) tenham uma ótima viagem, amigas! (emoji de coração de todas as cores possíveis)"

Isso é tão Carol. Ela está frequentemente quebrando algum osso e se envolvendo com alguém, na mesma intensidade. Ela é viciada em namoros miojos (que acabam em três minutos). A gente nem chegou a conhecer o Jake. Quando íamos sair todos juntos já tinha acabado o relacionamento. A gente insiste para ela tomar cuidado, ter um pouco mais de amor próprio, ficar um pouco sozinha com ela mesma, mas a Carol é ótima em audição seletiva. Ela é bem seleta com as coisas que ela escuta.

A Princesa Ervilha e o SapoOnde histórias criam vida. Descubra agora