Quem te viu?

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Já era domingo, e a única coisa que Arthur tinha conseguido era aquela dor de cabeça insuportável. No último carnaval havia sido a mesma coisa. Há seis anos era a mesma coisa: muita bebida e muita ressaca. Os pais iam para o litoral fugir da bagunça da cidade grande, e Arthur aproveitava para fazer festa com amigos e ultrapassar todos os limites das bebedeiras, que os pais impunham durante o ano.

Na sexta-feira, ele saiu em um bloco de rua e emendou com o baile no clube à noite; repetiu a dose no sábado. Amanheceu no tapete da casa do Pedrão; ele e mais três. Saiu de lá apenas para ir para casa tomar analgésicos e banho, e voltar a se encontrar com os amigos. Porém, neste carnaval, já naquele segundo dia, Arthur ficou mais lento e arrastado. Quando Pedrão ligou às cinco da tarde, ele quase declinou do programa. Já se cansara dos porres com a turma e, na verdade, queria curtir a noite em outra companhia. Sentiu falta de uma namorada. Só que enquanto não tinha esta opção, o jeito era topar ir com eles onde fossem, só pra encher a cara, já que na, maiorias da vezes, a presença daqueles amigos espantava qualquer menina interessante.

– Às oito eu passo aí pra te pegar! – disse o Pedrão.

– Precisa, não! Eu vou caminhando até o clube. – Resolveu Arthur, que queria pegar um pouco de ar e também andar sozinho pelas ruas do bairro.

Já na metade do caminho, começou uma chuva fininha, que em um minuto se transformou em um grande temporal. Aquele não era o melhor lugar para Arthur encontrar um abrigo. Ele correu um pouco na chuva até chegar a um ponto de ônibus coberto. Em meio a dois plátanos antigos, o local estava completamente vazio e escuro. Um ou outro carro que passava jogava as luzes do farol e clareava por segundos a rua. A única iluminação vinha de um poste distante e deixava um facho de luz muito fraco, suficiente apenas para enxergar o mínimo. Ele já estava todo molhado, mas ali encontrou uma cobertura boa e eficiente para se proteger dos pingos fortes que batiam em seu rosto.

Enquanto tentava sacudir as gotas da chuva que ainda não haviam sido absorvidas pelo tecido de algodão da camisa, ele viu alguém chegar correndo ao ponto de ônibus em que estava.

Era uma garota da mesma idade que ele. Nem bonita, nem feia, tinha uma franja que parecia ter sido cortada curta demais, cobrindo menos da metade da testa. Isto ressaltava as sobrancelhas e os olhos e fazia todo o rosto parecer maior do que deveria. Tinha a expressão de uma pessoa distraída e que não se importava com isto, o que a tornava aquele tipo de pessoa que desperta curiosidade. Ela estava com uma fantasia amarelo-brilhante e trazia na mão uma grande coroa de prata, decorada com penas e plumas amarelas – adereço que deveria ser colocado na cabeça para completar o visual.

Ela olhou para Arthur e, sentindo-se na obrigação de dizer algo, perguntou com certa meiguice na voz:

– Posso ficar aqui com você?

Arthur conteve o primeiro impulso em responder algo que responderia para seus amigos, como: "– não. Este ponto de ônibus é só meu". Ao invés disso, ele disse:

– Tudo bem! Não é sempre que tenho a companhia de uma rainha em meu humilde ponto de ônibus.

– Princesa... – corrigiu ela, e olhando para si mesma disse: – Acho que sou uma princesa egípcia...

O companheiro de abrigo riu:

– Não tem certeza?

– Não. Eu resolvi desfilar de última hora, e foi a roupa que me deram. – Ao dizer aquilo, ela sentou no banco do ponto de ônibus e desamarrou as cordas das sandálias, com o objetivo de sacudir o calçado e secar os pés. – Eu podia escolher entre sair na ala da princesa do Egito ou na ala do rio Nilo. Achei que era melhor sair de princesa.

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