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U R S O S
B E B E M
C H O C O L A T E
Q U E N T E

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para João Vitor.

·

sabe, meu amor, não há nada no meu exíguo universo que me agracie mais do que teus beijos sóbrios, levemente saboridos por chocolates de avelã e café amargo. confesso, moreninho: aprendi a degustá-los apenas quando tu, sem aviso prévio, fez do meu coração as paredes do teu pequenino - cálido - lar.

e, morosamente, construímos o nosso próprio, empregando os cobertores abstratos como teto estrelado da nossa cabana charmosa, deveras intrínseca. nela, podíamos cantarolar versos entorpecentes de artistas apaixonados e divagar sobre amores furtivos, existentes apenas no passado.

nosso cantinho espalhafatoso, ausente de cores padronizadas e mantinhas dobradas.

sempre o encontrava recluso ali, ressonando poucos minutos depois do poente; os lábios nácar sempre mornos, oscilantes entre o abrir e o fechar, tão semelhantes às asas de uma andorinha bebê. os nuances avermelhados embelezam as maçãs e, como em uma peça teatral, os cílios as varrem como cortinas grandes, sutis.

tu não sabes, mas és meu modelo favorito, meu bem.

próximo do colchão obsoleto, montei todo meu material de pintura, o qual mantive em meu relicário por anos. tua presença coloriu tudo de mais belo em mim, e eu pintaria tudo de mais belo que enxergava em teu universo caótico, apreciado apenas por grandes admiradores de estrelas pequenas, ainda não nomeadas.

orbes poéticas, mergulhadas num espetáculo gracioso de aquarelas, eram teus olhos. harmonizavam com os torvelinhos castanhos acima das orelhas róseas, quase sempre despenteados num improviso dócil de mantê-los no lugar. apaixonava, delirava lucidamente em cada cantinho teu que, cautelosamente, pensava em como reproduzir na tela branquíssima.

e então sussurro o quanto amo tuas curvas longilíneas,
o peito aveludado,
teu pescoço imaculado
e tudo que há em ti.

e, meu dengo, eu teria embebedado a tela com todos aqueles tons brandos e calorosos que inventei em uma tentativa cômica de copiar tua pele doce, levemente beijada pelo sol do meio dia. teria fixado estrelinhas reluzentes em sua derme e adornado os lóbulos com os alargadores delicados, mantidos ali para que os furos não se findassem.

teria tido o deleite de rabiscar círculos imperfeitos com linhas tênues em seu centro, calmamente riscados na horizontal e coloridos de bordô. veria as linhas finas das bochechas carnudas se erguerem no mais belo sorriso, provando que havia entendido que se tratavam de seus bombons açucarados, graciosamente colocados no lugar dos olhos durante a criação.

teria copiado de forma imperfeita aquilo que, por si só, já é imperfeitamente perfeito.

ao invés,

ali fiz um urso pequenino bebericando em uma xícara de porcelana.

é como eu te vejo, meu bem.

como vejo nós dois.

escondi o presente com mais uma dúzia de trufas recheadas e bilhetes aromatizados e coloridos. teus lábios apolíneos se melariam com tamanha doçura, e manhosamente, pediria selares mornos e afagos quentes. daria-lhe um, dois, talvez centenas se o resultado fosse seu riso jubiloso, tão adorável quanto aqueles ursos de chocolates que você, dengo, destinou apenas à mim.

veríamos animações japonesas enquanto milhares de aviões carregados de pãezinhos de caramelo aterrissam vagarosamente em aeroportos úmidos, sem limite máximo de transportes ali estacionados. guardaria na memória teu olhar sucinto que tanto atinge o miocárdio e, pela milésima vez, beijaria suas madeixas serenadas até os pormenores agraciados pela mistura de aromas florais e o amargo do café já impregnado em tua essência.

beijaria-te tanto.

sei que haveria dúvidas sobre o sentido da obra, mas não haveria resposta.

afinal, o amor não faz sentido.

apenas como ursos bebendo chocolate quente.

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⏰ Última atualização: Feb 20, 2020 ⏰

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