Rachel

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 Eu nasci em 1994, fui mimada durante toda a minha vida, não nego. Desde pequena convivia com babás, meus pais estavam sempre muito ocupados para cuidarem de mim. Minha mãe era advogada, trabalhava em seu escritório, durante a manhã e a tarde, que ficava no centro da cidade, próximo ao fórum, e, pela noite, ela ia para faculdade estudar para a pós-graduação. Meu pai era um comerciante, bem, para soar mais chique e refinado, empresário, ele veio de uma cidade pequena, cultuava um estilo de vida simples e calmo, mas o seu trabalho exigia viagens, quase todas as semanas, reuniões que se estendiam até o final da noite e visitas aos seus clientes. Enfim, basicamente, fui criada pelas almas boas das dignas mulheres que lá em casa trabalhavam. Sinto falta da presença materna e paterna, confesso, mas fazer o quê? Para conseguirem me dar uma vida "digna" - digo entre aspas, porque felicidade não se resume só a dinheiro, se resume a momentos bons, a risadas compartilhadas, a situações engraçadas proporcionadas pela convivência...(mas como sentiria esse sentimento genuíno, se minha família nunca esteve presente?) - eles tinham de abdicar de várias coisas.

 Acabou que tomei como referência os valores ensinados por Graça e Maria, as duas mulheres que se faziam presentes, quando meu primeiro dente de leite caiu, quando "virei mocinha" (odeio essa expressão, por sinal, qual o problema em falar de menstruação? parece ser um assunto tão velado, sem motivo algum, todos sabem que, pelo menos, uma vez ao mês, a mulher sangra, é biológico, é normal!), quando tive minha primeira decepção amorosa e muitas outras coisas. Quando você para pra pensar, é bem estranho como esses momentos banais se tornam mega importantes e, também, como as pessoas que vivenciaram esses momentos juntos contigo foram mais importantes ainda.

 Costumávamos sentar, no sofá da sala de televisão,  para jogar video games, assistir a filmes e muito mais. Eu até as ajudava com o serviço doméstico para que sobrasse mais tempo para nós, talvez seja porque eu sentia falta dos meus pais. Bom, resumindo, eu considerava Graça e Maria minhas mães de coração e aí de quem se atrevesse a falar que elas não eram.

 Eram só Maria, Graça e eu...

Como a gente sabe, nem tudo são flores, fui crescendo e, a cada ano que se passava, me dedicava mais e mais à escola. Minha rotina era bem exaustiva, confesso, acordava às 5:40 da manhã, ia pra aula e voltava lá pras seis da tarde, mas não reclamava, pois papai sempre dizia que muita gente daria tudo para ter o que eu tenho, então, passei a valorizar, cada vez mais, as oportunidades que mãe e pai me deram . Eu amava ter o dia todo atarefado, me sentia realmente produtiva, estudar, pra mim, servia como uma válvula de escape. Sei lá, acho que quando eu concentro, eu crio um próprio mundinho em que eu me sinto segura. Eu era aquela menina que enlouquecida numa papelaria, utilizava de todas as canetas, adesivos, grifadores de texto para fazer vários resumos, dos quais me orgulhava muito.

Chegava em casa, ia direto pro meu quarto estudar e passava horas e horas na minha escrivaninha - essa sim era minha companheira, esteve comigo desde que eu nasci e me recuso a trocá-la por qualquer móvel moderno. Enfim, ser uma garota estudiosa acabou me custando o tempo que passava com Maria e Graça. Com o passar dos anos, as tardes ao sofá foram se tornando, gradativamente, mais escassas.

 Cresci, amadureci e, aos meus 16 anos, meus pais resolveram que já era grande o suficiente para precisar de alguém que cuidasse de mim. De certo modo eu entendia, mas não estava preparada para viver num mundo sem as minhas duas mães de coração. Lembro-me do último dia delas aqui em casa, foi um chororô danado, mal as conseguia olhar nos olhos, passamos o dia todo fazendo minhas brincadeiras de criança favoritas (sim, sou uma menininha num corpo de uma adolescente), cozinhamos, nadamos, fizemos de tudo um pouco. Quando chegou a hora delas partirem, fizemos uma promessa de nos encontrar sempre, pelo menos uma vez ao mês.

Você deve ter lido tudo isso e se questionado se eu não tinha amigos da minha idade, porque, basicamente, só falei da minha família. Bom, eu nunca fui uma pessoa muito amigável, bem, na verdade, as pessoas nunca foram tão amigáveis comigo. Estudava numa escola de classe média alta, todo mundo "filhinho de papai" e padrãozinho, mas eu só era mimada mesmo, nunca me encaixei nos padrões de beleza da mulher brasileira (fala sério, qual a chance de uma criança crescer, ficar com um metro e sessenta, magra, esbelta, com bunda e peitos grandes, cabelo liso, unha bonita, pele sem uma acne sequer? a chance é quase nula). Eu fiquei alta muito rápido, engordei e emagreci igual uma sanfona - o que me gerou inúmeras estrias, as quais eu chamo, carinhosamente, de cicatrizes de batalha - , tinha pele oleosa, tive muitas espinhas - pele limpa era uma utopia. Enfim, eu era uma pequena aberração e só conversava comigo aqueles que eram monstrinhos também aos olhos dos outros. Resumindo, o preconceito que as pessoas tinham comigo me afastou de uma vida sociável e saudável, mas levo os poucos amigos que fiz até hoje. Essas preciosidades são chamadas de Thomas, Rafael e Alisson. E, sim, como garota trouxa e de coração mole, já me apaixonei pelos três.

Ah, sou pisciana por sinal, a garota do mundo da lua, em outras palavras a criativa que vê o que ninguém é capaz de perceber, sentimental, intensa, trouxa, esperançosas. Às vezes tomo as dores dos outros pra mim e acabo me ferrando mais ainda, Thomas, Rafael e Alisson que o diga.

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⏰ Última atualização: Feb 28, 2020 ⏰

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