Silvana parou em frente ao portão de ferro e procurou as chaves, atrapalhada com a bolsa e as sacolas de compras para as suas crianças. Sorriu ao imaginar a carinha de felicidade que elas fariam ao receber os doces que havia comprado. Mal entrou em casa, tirou o tênis já gasto e as meias cor de rosa. Usar tênis era uma das vantagens do seu trabalho. Morar três casas ao lado dele também.
Ela costumava dormir no orfanato, atenta a qualquer barulho de suas queridas crianças, mas aquela sexta-feira era sua folga. Já estava com saudades de casa, havia tempo que não aparecia por lá. Tudo estava exatamente igual, exceto pela poeira. Sua próxima folga seria no domingo, então poderia arrumar as coisas. Tomou uma ducha rápida e ligou a TV, mas não tinha nada além de filmes repetidos. Ficou imaginado o que de tão importante a mãe iria falar para ela. Prometeu encontrá-la para tomar café antes de ir para o orfanato, não tinha problema chegar lá pelas duas horas, quando as suas crianças já teriam almoçado. Luísa estaria com elas. Era carinhosa e responsável. Sábado era um bom dia para os pequenos, dia de comer carne, e todos receberiam um pequeno pedaço de frango.
-Queria que todo dia fosse dia de carne - murmurou consigo.
Então, com seu pijama listrado, deitou na cama e, apesar de estranhar o silêncio, dormiu profundamente. Sonhou que chegava o Natal e as suas crianças recebiam, cada uma, um brinquedo. Um bonito sonho.
Trin!Trin!Trin! O despertador do celular tocou nervoso. Silvana se arrumou apressadamente e foi ao encontro da mãe. Pegou pouco trânsito no seu carro velho.
"Minha mãe está andando para lá e para cá na frente do restaurante, confusa, me olhando sempre que pode. Alguma coisa está errada." - Ela pensou, ao avistar a bela senhora.
-Mãe, o que está acontecendo?
-Eu te chamei porque preciso te dizer uma coisa.
-Por favor, me diz!
-Melhor entrarmos.
-Mãe.
-Por favor.
As duas se sentaram na última mesa, com uma toalha xadrez vermelha.
-O que vai pedir? - Sua mãe tentava mudar o foco, antes de soltar a notícia.
-Estou acostumada a comer qualquer coisa. Vou querer um pastel chinês ou pão de queijo.
-Você vai querer suco?
-Mãe, sem rodeios, por favor.
-Vai querer?
"Ela está tentando ganhar tempo". Então Silvana entrou no jogo e acenou com a cabeça.
-Seu pai quer te ver. - A mãe vomitou as palavras.
-Que pai?
-O único que você tem.
-Mãe, a última vez que o vi eu tinha oito anos. O que ele quer de mim?
-Apenas conversar.
-Não quero conversar com ele!
-Não grita!
-Ele nunca se importou com a minha existência. Ele não se importa. Quantas noites eu chorei por causa dele? Não quero esse homem na minha vida de jeito nenhum!
-Boa tarde. - Uma voz alheia às duas se pronunciou.
Silvana olhou para o senhor que veio falar com elas. Um homem magro e elegante, num terno preto. Quando viu seu rosto, o reconheceu. "Como ele tem coragem de aparecer por aqui? Eu me sinto enjoada só de olhar." - Ela se irritou e murmurou:
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Três Meses
Short StoryUma mini história sobre um homem que aprende a ser pai de uma maneira surpreendente. Após um pesadelo, Umberto decide procurar sua filha e conseguir seu perdão por tê-la abandonado ainda menina. Mas isso não será tão fácil quanto ele pensava.