Ah, você não tem receio de mim?
Claro, não me conhece. As pessoas dizem, ou preferem acreditar, que temem apenas o desconhecido. Mentira.
Você vai me conhecer. E vai me temer.
Isso sempre acontece. Como neste exato momento.
Ela tentava dormir. Luzes apagadas, abajur aceso. Apenas uma luminosidade suave a cobrir a silhueta inquieta. A janela estava fechada, assim como as cortinas feitas de tecido pesado e escuro. Era para não deixar a irritante claridade entrar quando o sol amanhecia. A pobrezinha não sabia ainda que ele seria seu maior anseio. Para sempre.
Ela vira para o meu lado, seus olhos se abrem. Obviamente, não me notou - e não era pela pouca luz. Não faria diferença. Mas, ainda que não tivesse me visto, se remexeu atormentada e eu sorri me deliciando com aquilo.
Isso. Sinta-me. Cubra-se mais, vamos lá, tape a cabeça. Puxe os pés para junto do corpo, se encolha como um doce e vulnerável bebê. Aperte os olhos com força e finja que eu não estou aqui. Experimente a aceleração enlouquecida do seu coração, algo tão assustador quanto eu sou. Brincadeira, eu sou bem mais.
Empurre as cobertas, se levante. Eu acho divertido ver os pés procurarem ficar o mais longe da cama que suas curtas pernas lhe permitem. Ela praticamente corre até o interruptor para ligar a luz. No mesmo instante um barulho estranho se faz ouvir da janela. A coitada desesperadamente se joga sobre a cama e se cobre inteira. Também olho para a janela, com certa curiosidade, afinal, nem tinha sido obra minha. Mas foi interessante.
Bem, vamos voltar a ela. A trêmula e assustada criatura.
Mal posso ouvir sua respiração de tão alto que seu coração amedrontado bate. Eu me aproximo e ela descobre a cabeça. Eu sempre tive um bom timing. Ela olha horrorizada para a janela. A pobre iludida.
Para me divertir um pouco mais, sussurro no seu ouvido e respiro profundamente em seu delicado pescoço. Agora eu tenho novamente a sua atenção. Suas mãos apertam-se contra as cobertas, e então seu corpo todo fica paralisado. Apenas os olhos se movem agitados pelo quarto.
Passam pelo espelho, vendo sombras difusas de rostos e estranhas formas. Na parede, mais sombras. Novamente o som constante e sólido a roçar contra a janela. E ela tinha certeza, havia algo pesado sobre a cama que se movia lentamente em sua direção.
Ela sabia que alguém estava tentando lhe fazer mal e, devo dizer, havia certa razão nisso. Afinal, eu estava ali.
Antes de terminar esse breve relato, gostaria de perguntar. Apesar de ser quem sou, costumo ser honesto. Lembre-se, eu falei que você vai me temer quando me conhecer. É verdade. Mas, quando souber quem sou, acabou para você também.
Os sussurros, os arrepios e as sensações que te perseguem a noite? Elas não existem, mas EU sim. E posso tornar tudo isso real.
Ainda quer saber quem sou?
Ainda quer me conhecer?
Pois bem, nos vemos hoje a noite.
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O Medo
HorrorUm conto sobre algo que nos aterroriza. Mesmo quando não sabemos ou fingimos não saber. Alias, não saber é melhor. Sempre.