As palavras por ele sussurradas soariam risíveis feito as de uma piada, não fosse tão grande o equívoco. Sandro fizera questão de dizer cada palavra com a maior carga de cinismo e drama possível, já que não passava de mais um filho da puta louco para botar as mãos imundas em Susana. Ainda que fossem amigos, para tudo aquilo que envolvia Susana, Leonardo se limitava a ser totalmente incomplacente. Independente disto, a moça cuja mão fora prometida à sua, era demasiado inteligente para cometer estupidez tamanha. Pensar nisso fazia-lhe as entranhas retorcerem e uma suave gota de ódio nadar em seu coração. Gargalhou sonoramente de modo a dispersar estes pensamentos e insistiu que tudo não passava de um engano. Ainda assim Sandro manteve o que disse, procurando formas de enaltecer cada palavra que ouvira. Ele devolveu-lhe um sorriso seco e um desafiador olhar verde, do qual tanto se gabava de ter.
— Por mais que não consiga fazê-lo acreditar, é meu dever avisar você. Escutei a tudo isso na biblioteca da Escola dos Saberes hoje pela manhã, porém não o encontrei antes. Uma vez que não fizer nada, creio que nunca mais verá sua doce Susana. Nosso Léo, o Leão, vai ser eternamente o maior corno da cidade.
A atenção de Leonardo abandonou o suave sorriso que o semblante safado de Sandro carregava e foi parar no ódio. Encheu os punhos e desejou enterrá-los em sua face cínica, contudo resguardou-o disso, já que havia alguém que o merecia bem mais. Passou por Sandro com um empurrão, sem sequer agradecer e correu tão veloz quanto as pernas o permitiam. Ouviu-o gritar qualquer coisa, contudo ignorou-o e descobriu que haveria bem mais gente para empurrar antes que enfim encontrasse sua casa.
O sol se punha a oeste e a cidade estava agitada pelos festivais teatrais daquela época do ano. Leonardo odiava teatro, bem tão como odiava pessoas mentirosas. A mais mentirosa pessoa da qual tivera o desprazer de conhecer era Guilherme, o rapaz quem Sandro ouviu sussurrar aquelas palavras imundas para Susana, que de toda forma as aceitou e, portanto, deveria pagar igualmente.
As ruas de Vila do Arqueiro estavam abarrotadas de gente e o ódio que borbulhava em seu peito era tamanho que todo maldito rosto em que batia os olhos, Guilherme caçoava-o como faziam os bobos da corte. Se esse desgraçado pensa que conseguirá se safar desta vez, está muito enganado, pensou, sabendo que teria de se antecipar àqueles dois filhos da puta caso quisesse de fato impedi-los. Da última vez fui bonzinho contigo Guilherme, mas agora haverá de conhecer a verdadeira fúria do leão.
Tempos antes Guilherme e Leonardo foram amigos, daqueles com quem se planeja os nomes dos filhos em homenagem um ao outro. Esta amizade, contudo, desfez-se feito ferrugem quando Leonardo viu Guilherme se engraçando para Susana, tempos depois dele ter retornado de Asas Verdes. Naquilo, Leonardo e seus amigos deram a ele a lição devida, quebraram-lhe um dente e o espancaram para ensiná-lo a jamais ousar botar os dedos imundos na noiva de outrém. Isto, pelo jeito, não servira de muita coisa, mas para todos os efeitos significava que o que fizera antes a Guilherme era como uma formiga fodendo uma parede perto daquilo que então faria.
Chegou em casa enxergando o mundo de maneira intermitente. Os sons perambulavam sua cabeça com aspectos estranhos e a cada passo maior era a conformidade daquilo que teria de fazer assim que terminasse o serviço para com Guilherme. Não lhe seria nem um tantinho agradável, já que tudo ruiria feio para Leonardo também. A Guarda Oficial da cidade o prenderia por assassinato e Leonardo teria de enfrentar um julgamento. E tudo porque Susana aceitou ceder às investidas daquele desgraçado!
O desposo estava para acontecer em trinta dias e tudo correra bem até a semana anterior. Ainda que a mãe de Leonardo jamais aceitasse o casamento de fato, ela dera aval e concordou em permitir Susana na mansão dos Hontares. Marina envolveu-se com os preparativos, muito embora a Leonardo importasse tão somente poder fazer com Susana aquilo que pessoas casadas estavam possibilitadas de fazer, sendo-o um desejo que tinha desde que descobriu pra quê servia o pau que carregava entre as pernas. A relação entre as duas ficou subitamente mais azeda que de costume e Leonardo notou-o, embora seu desentendimento com Susana tenha se dado por conta de suas recusas constantes. Toda vez que desejava acariciá-la, mesmo até abraços e beijos absolutamente pueris, Leonardo encontrava pelo caminho as censuras estúpidas da senhorita sua noiva, impedindo-o de dar um passo adiante no desejo que mal era capaz de controlar. Habituara-se a isto, fervendo de ódio, mas que de certo modo foi o que o manteve ansioso pela boda. Acontece que Su tornou-se deveras mais chata e muito mais agressiva, e se tinha coisa que Leão detestava era gente chata. Leonardo esbofeteou-a certa vez, mas tão logo arrependeu-se e tentou reaver a boa convivência para com isto acalmar os ânimos e ter de volta a Su que tanto amava. Ela manteve-se arredia e Leonardo enfim descobrira o motivo.
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O Cavaleiro da Maldição
FantasyMuitos são os que conhecem o mito dos continentes perdidos: Atlântida e Lemúria. O universo criado pelo autor remonta ao período onde Atlântida e Lemúria gozavam seu auge, com fortes inspirações na Mitologia Grega e medieval, além de salpicos vultos...