O melhor amigo da morte

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A morte não é sua amiga, Jack.

O que te faz achar que está tão próximo dela? Seu rifle de fuzileiro, encostado no fundo do armário, onde você espera que ele desapareça junto com as memórias de um momento que sua vida fazia sentido?

Suas armas modernas, com silenciadores, as luvas e a roupa preta que usa tão profissionalmente em seu ofício sagrado?

Ah, sim. Tirar a vida é algo sagrado, assim como dar a vida. Ser pago para isto não torna o ato profano, sinto lhe dizer.

Ou você acha que a morte está na faca de caça que carrega sempre junto com você, mas que espera nunca precisar usar? Você não gosta de sujar as mãos, estar tão próximo assim das suas vítimas. Que amigo é esse que não gosta de se aproximar de sua melhor amiga?

Talvez tenha medo da intimidade. O compromisso assusta você, Jack?

A morte não é sua amiga. Eu não sou amiga de ninguém.

Os humanos têm a péssima mania de separar tudo em duas partes: bem e mal, luz e trevas. Você, em especial, acredita que tenha ultrapassado uma linha imaginária no momento que decidiu fazer da morte seu ofício. Aquela linha que separa os bons homens dos maus. Os dignos dos indignos. Mas, adivinhe só? Essa linha não existe.

Não existe bem ou mal, ambos estão presentes em todas as coisas e todas as pessoas. Eu não sou má, tampouco sou boa. Eu apenas existo. Mas não posso deixar de achar muita arrogância de sua parte pensar que eu iria te escolher para ser meu amigo. Logo você, que não quer se aproximar da morte, apesar de usá-la para sobreviver.

Logo você, que escapou por muito pouco das minhas mãos.

Vê a ironia disso, Jack? Você usa a morte para sobreviver. Você me usa para viver depois de ter escapado de mim.

E como se vangloria disto! Ah, a humilhação que foi vê-lo escapar entre meus dedos como água, quando já estava tão perto. Achei por um momento que você já era meu. Bem, talvez nunca tenha deixado de ser, não é mesmo?

Por que não chega mais perto? Talvez tenha medo de me olhar nos olhos. De me abraçar de corpo e alma, de me acolher como sua igual, ou ser acolhido por mim. Beijar meus lábios frios e deixar que eu sugue sua vida pela boca.

A verdade é que não há como escapar de mim. Eu estou em todos os lugares. Onde há vida, eu também estou lá. Nos olhos das suas vítimas, que você sempre evita, eu estou lá. No sangue que você evita tocar, eu estou lá.

No sopro gelado que você sente em sua nuca, no arrepio da espinha. Eu estou com você quando acorda de manhã e olha pela janela suja do seu apartamento minúsculo. Estou nos carros lá embaixo, nas pessoas passando, nas árvores sem folhas.

Estou em cada momento que se foi, e em cada momento que há por vir.

Dê-me sua mão, venha comigo, não tenha vergonha. Você tem algo que me pertence, e pode ter certeza de que irei buscar.

Porque, no final, ninguém realmente escapa de mim.

O melhor amigo da morteOnde histórias criam vida. Descubra agora