Susana Hermínedes
O Leonardo que tanto amara jazia morto. Ele descansaria por todo o sempre dentro de uma rica urna funerária, desprovido de calor e vida, e não mais seria o vigoroso leão por quem se apaixonara e desejara casar-se. Imaginara o longo vestido perolado, todo ele sedas suaves e muito brilho, enquanto ele esperaria por ela, feroz e completamente leão, embora muito bem vestido em razão do cerimônia. Imaginara certa vez os filhos de olhos verdes e cabelos castanhos claros que teria com ele. Imaginou o amor que daria a ele todos os dias... Até que descobrisse quem de fato era Leonardo Hontares e todos estes desejos perdessem cor e esfriassem.
Seu prometido a traíra com sua antiga melhor amiga, Enanda. E isto nem de longe era tudo. Ele era soberbo para com os criados da mansão e rude com a maioria das pessoas com quem convivia, mais ainda com os rapazes que desejavam a amizade de Susana, em especial Guilherme. Isto era razão de uma das maiores tristezas que tinha em casar-se com Léo, a de jamais tornar ter outro momento de prosa com seu doce Guilherme. Sua decisão de aceitar fugir com Guilherme veio somente porque recebera uma cruel correspondência de senhora Marina Hontares.
Agora que o perdera para a morte, no entanto, era incapaz de conformar-se, de se ater à verdade de jamais poder vê-lo outra vez; de aceitar este fato. Isto se devia, pois, Susana era capaz de sentir, no mais profundo âmago de seu ser que Leonardo não teria coragem o suficiente para assassiná-la, quiçá machucá-la. Compreendia seu dever em proteger Guilherme de sua fúria avassaladora, já que o cruel Leão não hesitaria em aniquilar o mais ameaçador de todos os seus inimigos. Sentia-se abjeta, como se ela própria tivesse atirado a flecha que o matou, ainda que jamais compreendesse de fato o que acontecera na noite anterior. Leonardo colecionava inimigos e, fosse por inveja, fosse por ódio ou vingança, alguém se aproveitara da situação para enfim livrar-se dele. É mais provável que a identidade desse cruel algoz jamais viesse à superfície. Assim, toda a culpa por tê-lo traído com Guilherme e por quase abandoná-lo às vésperas do matrimônio acumulavam-se e faziam-na remoer-se toda por dentro.
Lágrimas jorravam de seus olhos incessantemente desde o fato, enquanto Leonardo e Guilherme agonizavam, sem que nada pudesse fazer. Estremecia na simples rememoração da torrente de sangue escorrendo pela escadaria do Velho Oráculo. Fora em princípio dominada por um medo indescritível, quando enfim lembrou-se que alguém atirara uma flecha e bem poderia esperar a oportunidade perfeita para atacar-lhe também, assim como o foi com Leonardo. Passado algum tempo, reuniu coragem o bastante e gritou a plenos pulmões, de forma como nunca antes gritara. Não que isto tenha significado tanto a um lugar obscuro, quebradiço, repleto de árvores e escasso de gente. Demorou demasiado até que doutor Deuterostônio enfim chegasse. Tratava-se de um respeitado médico de Vila do Arqueiro que recusara-se a atender Guilherme, ainda que tivesse dado Leonardo como morto. Susana se desesperara enquanto gritava de desespero, antes que sua mãe viesse abraça-la calorosamente, atravessando a densa aglomeração de curiosos que se formara ao redor das escadarias do Velho Oráculo. Demoraram demasiado para tratar de Guilherme, então levaram-no, já quando sua pele estava pálida como alvorada, ressequida e fria. Por favor, Guilherme, sobreviva, restava-lhe orar. Era tanto quanto poderia fazer àquelas circunstâncias.
Cometera a estupidez de ter cedido às investidas de Guilherme, apesar da carta de senhora Hontares. Recordava-se de quando ele viera ter consigo. Guilherme era o mais doce dentre os rapazes conhecidos seus; de longe o mais compreensível, aquele que ouvia-a como nenhum outro, capaz de galanteá-la como sempre desejou que Leonardo fizesse. Mantinha os dedos entretidos por entre livros empoeirados da biblioteca da Escola dos Saberes, procurando por O Inverno Descontente do Hipogrifo, então, quando puxou um dos livros, deparou-se com um estonteante par de olhos azuis vendo-a.
― Aposto três pratas que não encontrou o livro que deseja ― disse ele.
― Eu aposto outras três que você não tem as três pratas.
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O Cavaleiro da Maldição
FantasyMuitos são os que conhecem o mito dos continentes perdidos: Atlântida e Lemúria. O universo criado pelo autor remonta ao período onde Atlântida e Lemúria gozavam seu auge, com fortes inspirações na Mitologia Grega e medieval, além de salpicos vultos...