Na minha lista de livros lidos aos 10 anos, constavam livros divertidos que me faziam rir e criavam uma enorme vontade de conhecer o mundo. Esses livros levavam-me a viajar com crianças da minha idade, todas elas muito mais corajosas do que eu. Elas eram detetives e rebeldes e viviam aventuras fantásticas, resolviam crimes e mistérios e ajudavam o mundo a ser um lugar melhor, onde os maus eram castigados e os bons viviam felizes para sempre.
A minha lista de livros quando eu tinha dez anos tem quatro décadas, penso com os meus botões. Será que é muito diferente da lista de uma criança de 10 anos da atualidade? Fiz um pedido a uma aluna e descobri que não. Eis o que partilhou connosco.
«Com dez anos começamos a sentir-nos crescidos. Nova escola, novo ciclo, vamos para um novo ambiente que, muitas vezes, é um dos principais fatores de um crescimento notório. Deixando o quarto ano para trás, queremos mudar, procuramos novos tópicos de conversa, talvez até um penteado novo, e também novas leituras. Leituras de crescidos!
No quinto ano e com 10 anos, com toda a mudança e abundância de disciplinas novas, acabei por escolher livros que me serviram de refúgio a toda esta agitação. Lembro-me, por exemplo, do livro "A menina do mar".
Quando tinha 10 anos escrevia os livros que lia na parte de trás de um marcador. O marcador das minhas conquistas! Sempre que acrescentava um nome à lista o meu orgulho era renovado, para mim, acrescentar mais um livro, era como se tivesse conquistado mais um pedaço de terra aos Mouros. Assim, sempre que podia devorava as cento e poucas páginas de mais um livro de Gerónimo Stilton. Dos cerca de 40 livros de Gerónimo Stilton que li, acredito que em mais de metade deles o desfecho tenha sido previsível ou não muito diferente dos demais. Mas que posso dizer? Tendo 10 anos achava os livros o "máximo" e considerava que qualquer pessoa que os lesse era uma pessoa que merecia o meu respeito. Era como se pertencêssemos a um clube de elite muitíssimo importante por lermos os livros do rato mais corajoso e inteligente do planeta.
Entre a minha não tão saudável obsessão por Gerónimo Stilton, comecei a descobrir outros livros. Como gostava de mistério, a minha mãe recomendou-me a coleção "Uma Aventura". Muito contrariada, pus-me a ler e para meu espanto, comecei a perceber que afinal eram interessantes. Como o meu orgulho vinha sempre primeiro, a resposta à pergunta: - Então, o que achaste do livro? – a resposta era um levantar de ombros, a dizer mais ou menos. Os livros "Uma aventura" começaram a aparecer na minha mesa de cabeceira e, assim, fui introduzindo toda uma nova coleção ao meu espólio de leitura no armário do meu quarto. Eram maravilhosos e lembro-me de ter viajado por Portugal inteiro com aqueles livros e até a alguns lugares que desconhecia o nome, mas que passei a conhecer e identificar no mapa.
Embora lesse diferentes tipos de livros, estes funcionavam sempre como uma escapatória da escola. Não possuíam vocabulário muito complexo, e ao mesmo tempo, serviam-me de entretenimento. Foram essenciais para desenvolver as minhas capacidades de leitura. O meu ritmo era consideravelmente mais rápido que o dos meus colegas e, por isso, sempre que eles liam em voz alta nas aulas a pedido dos professores, enquanto eles estavam a ler o primeiro paragrafo do texto, já eu estava a responder às perguntas de interpretação. Na altura, não associava o facto de ler livros à minha prestação nas aulas, mas com os anos foi sendo cada vez mais claro para mim que a leitura me ajudava.
Eu vivia bem na minha esfera de livros prediletos, davam-me o conforto que eu precisava. Até que um dia me deparei com um livro na minha mesa de cabeceira. Olhei-o de longe com a sobrancelha arqueada. O livro era triste, não tinha nem cores nem um título cativante, uma autêntica peça de decoração. O tipo de livro que não compraria na livraria. Mas ali estava ele. A olhar para mim, à espera de ser lido. Agarro nele e corro para a minha mãe. Sou informada de que é um livro obrigatório e que o deveria ler até a escola recomeçar. Parei. Olhei para o insipiente livro que estava na minha mão e voltei extremamente desapontada para o meu quarto. Deitei-me e folheei-o. Nada, nem letras garridas, nem desenhos, nem personagens interessantes. «A viúva e o papagaio». Indaguei-me durante algum tempo qual seria a utilidade de ler uma história sobre uma velhinha e um bicho que uma das poucas palavras que sabe dizer é "Olá".
Um pouco relutante ao início, até porque toda a ideia de haver "livros de leitura obrigatória" era inconcebível para mim (ler era uma das poucas coisas que me dava gozo fazer e, como era bastante do contra, a palavra "obrigatório" só me compelia a fazer exatamente o oposto), lá me convenci a ler. Admito hoje que foi uma boa leitura. Gostei da escrita e da história. Isto é, até chegar à escola no período seguinte, e ver o livro a ser esmiuçado palavra por palavra e a incutirem-me uma interpretação do livro completamente diferente daquela que eu tinha feito em casa. Fiz a vida da minha professora de Português num inferno e não descansei até a minha perspetiva da história ser ouvida. Satisfeita e ouvida, prosseguimos a aula com naturalidade.
Decidi explorar outros livros e autores e nesse ano li todos os livros que havia da coleção "Diário de um Banana" e da coleção "Os sete irmãos", bem como outros que me parecessem bem e que passassem no controlo parental. Aos poucos e poucos cento e vinte páginas passaram a ser poucas e fui começando a precisar de mais páginas e de enredos maiores e mais complicados. Acredito que muitos dos meus colegas também partilhavam o mesmo tipo de preferências de leitura que eu. Havia sempre aquela amiga que gostava de ler livros mais cor-de-rosa, cujo plot principal era essencialmente a vida de princesas ou animais mágicos que salvavam o mundo. Não obstante ao gosto dos demais, havia uma grande variedade de escolha, inúmeros reinos, castelos, velhas e papagaios, ratos com fatos verdes e grupos de amigos detetives que no final do dia, nos faziam sentir felizes e realizados.
Olhando para trás acho que apenas guardei no coração uma ou duas coleções. Aquelas que tinham crianças corajosas e aventureiras como eu. Como são livros de entretenimento o importante não é memorizar, só o simples facto de ler abre-nos portas no futuro que não são claras, nem óbvias, mas que existem algures. A constante estimulação de ler e de entrar em contacto direto com o livro e as palavras, acaba por nos agarrar com muito mais força à história, e enquanto embarcamos na história, aprendemos "disfarçadamente".»
Opinião de uma jovem que tinha dez anos há sete.
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