Silêncio

763 55 44
                                    

Toc toc.

- Amor, alguém está batendo à porta. Vá ver quem é, estou ocupada hidratando meus cabelos. - Disse Júlia a seu marido Edson, que assistia a sua novela favorita.

- Mas quem poderia ser a essa hora da noite? No capítulo de hoje, finalmente Joaquim irá dizer o motivo que o fez se afastar de suas filhas e mulher. Imagino que ele tem um caso com Pedro, seu motorista, mesmo assim, não posso perder essa cena de maneira alguma. - Esbravejou.

O homem da casa tinha seus motivos para estranhar a visita, uma vez que era difícil receber alguma. Além do mais, já era tarde da noite.

Por um momento, ele pensou sobre quem poderia ser, mas ninguém veio à sua cabeça. Então, levantou-se do sofá e partiu em direção a porta dizendo, sem mesmo abrí-la:

- Boa noite, quem é?

Ninguém o responde. Ele indaga mais uma vez:

- Tem alguém aí?

E novamente, nenhuma resposta. Convencido que fora alguma peça pregada pelos moleques de sua rua, decide voltar e terminar de assistir o tão esperado capítulo de sua novela.

Toc toc, mais uma vez.

- Amor, não atendeu a porta ainda? Bateram novamente. Esqueça um pouco da TV e vá atender, seja lá quem for.

- Acabei de voltar de lá, ninguém me respondeu. Devem ser as crianças da rua aprontando.

- Isso nunca ocorreu antes, meu bem. As crianças dessa rua não são do tipo que fazem isso. E esta hora então, já devem estar dormindo. Vá rápido ver quem é.

Edson, já estressado, vai novamente em direção à porta.

- Quem está aí, vamos, responda logo.

E mais uma vez, nada.

Decide ele abrir a porta e acabar com o mistério da noite de uma vez por todas.
Destravando a fechadura e girando a maçaneta, abre-a.

Eis que a sua frente havia um homem alto e branco, de corpo esquelético, vestindo-se predominante de preto, do lado de fora.

Edson fica um pouco assustado com a fisionomia que o sujeito tinha, mas mesmo assim pergunta:

- O que deseja, cidadão?

A sua resposta veio através de gestos e expressões que, no entanto, não foram compreendidos pelo dono da residência, mas que baseando-se no corpo magro do sujeito, acaba presumindo que este desejava comida. Então faz um gesto, sinalizando para ele aguardar, ao mesmo tempo que entra em sua residência.

- Querida, sobrou alguma coisa do jantar de hoje? De fato havia alguém lá fora, um homem mudo, que fala através de sinais. Deve estar com uma baita fome, pois é muito magro e até mesmo, assustador.

- Sinais? Não seria libras? Aprendi o básico sobre nos meus tempos de escola, você não, meu bem? De todo modo, vou ver o que ele realmente necessita, não podemos simplesmente deduzir que seja fome, seria uma grande falta de respeito. - Responde a mulher.

- Tudo bem, vá ver o que ele precisa. Vou voltar ao sofá. Não posso perder de jeito nenhum a revelação do Joaquim. Qualquer coisa me chame.

- Ai ai, amor, faça o que quiser. Você e suas novelas... Bem, vou falar com este homem então e ver se podemos ajudá-lo.

Julia parte em direção à porta, ainda com a touca de hidratação em sua cabeça.
De longe ela já conseguia visualizar o tal sujeito, que acena para ela, de modo muito peculiar. A aparência dele deixa a mulher muito mais assustada que a saudação, de modo que a expressão de medo fica estampada em seu rosto. Ainda assim, ela segue em direção à ele e cumprimenta-o por meio de libras.

O sujeito então faz o mesmo gesto que havia feito para Edson, só que dessa vez a mulher foi quem visualizou. Júlia fica apavorada, pois não conhecia os sinais proferidos pelo homem, que simplesmente vira às costas e vai embora. A mulher então decide chamá-lo:

- Ei, me diga o que isso significa (uma vez não sendo libras, pensou que ele poderia não ser surdo, afinal)

Ele sequer se vira em direção à ela, e continua a se afastar da residência.

A mulher, eufórica, volta a entrar em sua casa, fechando a porta com muito medo, e, logo depois vai até seu marido e o conta tudo que ocorrera.
Este não presta muito atenção na história e diz:

- Deixe-me acabar de ver a novela que nós conversamos sobre - ele estava mais preocupado com o desfecho do episódio, do que com o homem estranho que havia aparecido em sua residência. Sua mulher volta ao banheiro, para retirar a touca de hidratação e lavar os cabelos. Estava muito pensativa a respeito da situação que passara.

Finalmente chega o fim do capítulo, e Edson descobre que o desfecho da história que tanto esperava ficou para outro. Chateado, sobe o andar da casa em direção ao quarto. Júlia já havia terminado de cuidar de seus fios e estava deitada, ainda acordada e muito pensativa sobre o caso.

Edson, chateado com o episódio, deita-se ao lado dela e lhe abraça, perguntando o porque ela estava tão tensa.

- Estou muito assustada, Edson, aquele sujeito não parecia deste mundo, sua fisionomia e a linguagem que usava para se comunicar...

- Relaxa, meu amor. Ele já até foi embora. Com sorte, nunca mais o veremos. Agora trate de descansar.

- É verdade, com fé não o veremos mais. Tentarei dormir para esquecer tudo o que aconteceu esta noite. Boa noite, meu bem. - Dá-lhe um beijo na bochecha e vira-se para dormir.

Chega então a vez do marido pensar a respeito do ocorrido, uma vez que a novela já não fazia parte de seus pensamentos. Quem seria aquele homem? Por que iria à sua casa àquela hora da noite? E os sinais, o que representavam? Podia dormir em paz, afinal?

Toc toc

Edson mal pôde organizar os pensamentos e achar a um argumento lógico para tudo que havia ocorrido. Alguém batia novamente à porta. Ele ficou apavorado e naquele momento, desejava ser uma criança em sua cama, enquanto os seus pais resolveriam a situação.

Não era o caso. Já estava casado com sua mulher há dois anos e seus pais moravam em outro estado. Júlia dormia. Ele estava realmente só para atender à porta.

Mesmo apavorado, desce as escadas silenciosamente, como se fosse um rato andando pela casa à noite, vai em direção a cozinha, pega uma faca de porte médio e caminha em direção à porta. Num momento de coragem, abre-a de uma vez, saindo para fora com a faca em punhos. Não havia ninguém ali.
Neste mesmo momento Edson ouve um grito de sua mulher, um grito desesperador, seguido de um silêncio absoluto.

- Júlia!? O que houve!? - Grita pela casa, indo em direção ao quarto. Chegando a este, se depara com uma cena que jamais havia imaginado ver...

Não Diga Um AOnde histórias criam vida. Descubra agora