2. Indo pro baile

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O carro chegou 22h12 na frente do mercado fechado.

— Vocês são malucos? Não tem uma alma viva aqui — falou Amanda enrolada num casaco — Pensei que já estavam aqui quando cheguei.

— Foi um pequeno atraso, entra logo — disse Tatiana com o sorriso solto de quem já não estava sóbria.

Amanda entrou no banco de trás. Na frente estava Tatiana e Daniel, o novo namorado de Tatiana. Talvez ela fique com ele mais tempo. Segundo palavras de outras línguas, ele era independente.

— Oi, Amanda, tudo bem com você? — disse o rapaz olhando pelo retrovisor.

— Desculpa aí — respondeu ela tirando o casaco — É porque ela disse que já estava saindo, aí fiquei esperando.

— Fica tranquila que o erro foi meu — disse o rapaz manobrando o carro, ultrapassando um táxi — Acabei me atrasando na saída do condomínio dela. Acredita que a portaria barrou meu carro na entrada?

— Por que? — perguntou enquanto Tatiana dava um gole na garrafa de cerveja desconhecida.

— Sei lá. Ficaram de graça. O porteiro disse que não tinha a placa lá no sistema. Foda isso.

— É... — Amanda abraçou os próprios braços e viu o carro passando na frente do seu condomínio para fazer o retorno.

Tatiana se contorceu no banco e virou pra amiga:

— Falou o que pra sua mãe?

— Falei que ia pra sua casa. Ela nem vai ligar, está nervosa porque vai ter desfile amanhã e alguém não fez alguma coisa lá. Sei lá o que é — ela apertou mais os braços — Ela nem ligou de eu ter faltado o ballet. Ela não vai nas apresentações mesmo.

— Então está liberado hoje! — Tatiana abaixou o vidro e mirou a rua — Uhhhhhhh!!!! Liberado!!!! — assustando um grupo no ponto de ônibus. Uma senhora chegou a pular para trás.

Tatiana e Daniel caíram na gargalhada ao verem a velha assustada.

∫∫∫

O carro venceu toda a estrada do condomínio fechado até a Estrada do Taquaral, praticamente do outro lado da cidade, em uma hora.

Amanda olhava as casas pequenas, empilhadas umas as outras, com pintura descascando e iluminação precária como num safari. Ela se fixou nas ruas transversais que mal passariam um carro, onde botecos com pagode e cevada barata alimentavam pessoas felizes que vivem com tão pouco. Não precisavam de piscina, só da música alta e da companhia dos demais.

Observou as crianças correndo descalças, até abriu os olhos em espanto ao ver um grupo de meninas sentadas na frente de um portão amassado com celulares.

O carro freou de repente:

— Que foi?

— Baixa o vidro, irmãozinho — falou um cara tão jovem quanto Daniel, mas com uma arma na mão, apontando diretamente para os olhos dele — Vai pra onde?

— Vamos... — Daniel levantou as mãos — ...para o baile ali na frente.

— Colega — falou Tatiana se esticando para olhar pro rapaz.

— Não tô falando contigo, garota, fica na sua — e apontou a arma pra ela — Quem tá mais no carro?

— Eu — falou Daniel com a mão erguida — ela e a minha amiga atrás.

O sujeito sacudiu a arma insinuando para abaixar o vidro traseiro. Amanda apertava os braços sem saber o que fazer.

— Baixa a PORRA DO VIDRO! — gritou o cara e engatilhou a arma.

Amanda tocou o sensor com a mão tremendo, as pernas se agitavam como cãibras.

— Ow! Menor! — outra voz vindo do outro lado do carro — Que tu tá fazendo com o pessoal?

— Tô vendo o movimento só.

— Cara, esse é o Dani lá de baixo — falou um outro menino, possivelmente mais velho, negro como a noite, com a perna enfaixada e ferros típicos de fraturas saindo delas.

— Se adianta então — ordenou o rapaz com a arma.

Daniel deu um boa noite, depois um obrigado, deixou os vidros abaixados e seguiu seu caminho.

Os dois continuaram ali, um guardando a arma na cintura sem esconder o cano e o outro mancando até uma cadeira de colégio no canto, colocando o rádio comunicador onde se escreve.

— Não fui com a cara desse maluco — disse o de pé.

— Deixa o cara — sentou e sentiu a perna doer.

Coçou o cabo da arma enquanto olhava o carro passando por uma lombada. Fechou os olhos com escárnio, marcou a cara dos três.

A Nova Dona do MorroOnde histórias criam vida. Descubra agora