Prólogo - "O primeiro a gritar"

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23 de Março de 2032.


O medo é o estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita essa consciência. Em níveis básicos de explicação, é dado como ansiedade irracional, receio excessivo ou, em sua forma elevada, temor. O medo é o único sentimento no qual o ser humano jamais irá se livrar. É o único sentimento no qual fará com que soe frio, contraía os músculos e, de forma exagerada e inconsciente, grite. Fácil de se confundir, mas raro de se perder. O medo é aquilo que nos torna mais humanos sem que sequer saibamos desse fato.

Entretanto, o medo para poucos tolos sem amor à vida poderia facilmente ser ignorado — não a todo tempo, mas poderia.

— Prepare aquilo no qual chama de arma, tolo. — Dada foi a ordem difícil de cumprir ao soldado mais novo — Se sequer fraquejar, significa que não está pronto.

— Por que temos que passar por isso, senhor? — Indagou o jovem, gaguejando enquanto suas mãos remexiam de maneira ansiosa as gavetas do quartel — Digo, confio nas ideias de meus superiores, mas ainda assim...

— Os tempos mudaram, filho. — Bateu o próprio pé no chão afim de firmar a postura — Mude com ele ou fique para trás!

O tom grosso fez com que o jovem soldado estremecesse e não pensasse duas vezes antes de segurar firme na base da arma que lhe foi achada. Era uma 9mm impecável com silenciador embutido — coisa que naqueles tempos eram de se prezar, visando as condições em geral — e totalmente carregada. Praticamente todas as armas escondidas pelo prédio eram dessa forma; preparadas para uma emergência imediata. Era matar ou morrer e, para os mais preparados, considerava-se matar ou matar.

— Você tem um minuto, filho. Últimas palavras?

A mão do jovem soldado tremeu com as palavras embargadas do superior à sua frente. Com o dedo posicionado, ele hesitou. A arma estava apontada para o peito do homem à sua frente e, para o seu temor, o homem resolveu se aproximar, fazendo contato direto com a arma.

— S-senhor-

— Nunca no peito, isso não fará diferença se errar pelo menos um centímetro. — O próprio general segurou com as mãos fracas no calibre da arma e lhe direcionou até a sua cabeça. — Certeiro, filho. Continue o bom trabalho.

Eles se encaram uma última vez então, antes que o mais novo fechasse seus olhos em puro nervosismo. Havia sido treinado para situações em que teria que matar outros, óbvio. Entretanto, nunca achou que teria que matar seu próprio superior, aquele que o criou e o treinou por longos duros anos enquanto todos os outros zombavam de si. De fato, haviam razões para aquilo. De fato, faria alguma diferença e teria algum ganho no futuro. Ainda assim; mas, ainda assim era difícil para caralho.

Um zumbido. Um rosnado. Uma pressão estranha contra a arma.

O jovem abriu seus olhos e a primeira coisa que pôde fazer após isso foi firmar seus pés no chão e jogar um de seus braços à frente do próprio rosto, afim de manter a base e uma defesa firme. Foi recebido então por uma dolorosa mordida. Cruel, rude e esbaforida. Os rosnados eram altos e o som de sua carne sendo esfoliada pelos dentes do seu comandante era alto e claro. Logo, seu grito de agonia também.

Ele ficou cara a cara com o pior pesadelo de qualquer Homem. Ele encarou o fundo daqueles olhos sem vida, encarou o rosto sendo coberto pelos vasos sanguíneos que se estouravam um por um e, logo, sentiu na pele o que significava a mutação Z.

Filho da...!

Empurrou com força o corpo de seu antigo comandante para trás e ergueu rapidamente a arma com o restante das forças que ainda sentia em seu braço ferido. Foi o tempo exato de pisar com um dos pés mais para trás para se posicionar e erguer a arma. Foi o tempo exato para aquela criatura abrir a boca e avançar com vigor nele.

E, ao mesmo, levar um tiro que lhe custou a cabeça.

Caiu o corpo sem vida de seu ex comandante e juntamente à ele, o jovem soldado deixou-se cair junto em joelhos e lágrimas descontroladas. A dor vinha de todos os lados. Era a dor da perda e a dor da mordida que queimava como o mais cruel dos venenos da mais temida serpente. Era algo que subia por seu membro lentamente e fazia com que ele sentisse seus vasos se dilatarem, um por um. Estava condenado, tecnicamente. Estava condenado por seu mais puro medo e desespero eminente. Por seu membro ferido e pelo veneno que desfilava por suas veias. Era a pior das torturas que já havia passado e ele, em parte, sabia que poderia ser o fim. Sabia que já estava morto, de uma forma ou outra.

Foi quando parou de chorar para erguer o olhar pela sala que a porta foi aberta com um baque estrondoso. Um de seus colegas de quartel havia entrado com pressa e atrás de si, havia fechado tão rápido a porta quanto conseguiu abrir. Ele a trancou e, após ver a cena na qual o outro se encontrava, sua expressão foi de puro espanto.

— O que diabos aconteceu aqui?.. — A voz era tão baixa quanto em um sussurro piedoso.

— Dê-me... — Gaguejou, arfando pela dor e sentindo a cabeça rodopiar. Foi fraco até então, mas sentiu-se forte o suficiente para que conseguisse erguer a mão boa e apontar para a parede. — Pegue aquilo para mim! Rápido!

Aquele que havia adentrado a sala mais tarde arregalou os olhos com mais espanto, mas não se negou a fazer o que lhe foi imposto. A coisa na qual o jovem havia apontado era uma espada de ponta fina que ficava junto à um velho e arranhado escudo.

Dongsaeng. Você é médico, não é?

— S-sou formado, hyung, mas fora de forma!

O mais velho levantou do chão cambaleando apenas para sentar-se na cadeira do cômodo.

— Cirurgia de emergência. Hoje é seu dia de sorte, saeng.

O mais velho jogou seu braço ferido na mesa como se não fosse mais nada, apesar de grunhir e ranger os dentes de dor. Estava dilacerado. A mordida havia deixado um buraco profundo e havia estraçalhado a carne. A pele estava erguida e muito sangue estava escorrendo. Vasos provavelmente haviam sido arrebentados no processo e veias também. O cheiro forte e metálico de sangue encobria toda a sala.

— O-o quê?! — Exclamou e, ao se aproximar foi que sua ficha caiu. — Ele mordeu você.. Ele mordeu você!

— Recomponha-se! — aumentou seu tom de voz, fazendo-o soar bruto.

O mais novo revezou seu olhar entre a espada, o corpo morto no chão ensopado em sangue e o braço que agora fazia uma poça na mesa.

— Se demorar mais tempo, não restará nada. Preciso que faça isso por mim!

— Você pode morrer se eu não conseguir estancar!

— Então melhor para nós dois! — Gritou de volta, calando o outro. Suspirou, afundando na cadeira e sentindo-se turvo — Melhor para nós dois.

Ele não precisou dizer mais nada para que o mais novo mudasse de opinião, porque logo foi lhe dado uma nova postura e uma nova firmeza sobre a arma que estava em mãos. A espada foi posicionada acima do braço do rapaz, muito acima da mordida, aonde sabia que poderia passar a lâmina para amputar.

— Eu não sei se você vai sobreviver, hyung. Você tem certeza?

— Eu já estou morto. — Sorriu. — Tire isso de mim.

O mais novo assentiu e, com a última coragem que lhe restava, desceu a lâmina com força e determinação. Foi o bastante para dilacerar-lhe o braço do mais velho, deixando que um farto grito ecoasse pelo cômodo seguido de sua respiração exagerada. O mais novo correu para fora da sala afim de encontrar os materiais necessários para a sobrevivência de seu hyung enquanto o mesmo, lentamente, apagava e entregava-se totalmente à pura agonia.

Foi como o mais frio dos abraços quando a escuridão resolveu absorvê-lo por completo, deixando ecoar por sua cabeça o som do vácuo; o som de três altos disparos.

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⏰ Última atualização: Mar 11, 2020 ⏰

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