Era um daqueles dias. Minha esposa estava atacada. Brigou com sua irmã e a menopausa a estava enlouquecendo. E foi assim que cismou que deveríamos fazer terapia de casal. Claro que o sensato seria convencê-la de que isto se tratava de uma besteira e só perderíamos nosso dinheiro nestas consultas. Mas sendo um homem que preza seu juízo, sabendo que não a convencerá do contrário, aceito sua sugestão.
Quando chegamos no consultório um homem negro e alto – mais parecia com um dos jogadores de basquete da NBA – e, dono de uma voz grossa nos chamou para entrar. Seu nome era César, psicoterapeuta especializado em ajudar casais. O doutor era um senhor simpático devo admitir embora surgissem dúvidas da eficiência de seu trabalho. Sem falar que não aparentava ter mais de 40 anos.
Assim que nos acomodamos nas poltronas confortáveis iniciaram as perguntas.
– Senhor e Senhora Macedo há quanto tempo estão casados?
– Longos 30 anos, doutor. – Respondeu Silvia, minha esposa.
– E tiveram quantos filhos?
– Três. Dois homens, um de 28 anos; outro de 26; e a caçula com 20. – Tornou a responder.
– São todos adultos. – Afirma o doutor. – Ainda moram com vocês?
– A caçula se mudou recentemente. Está estudando e trabalhando em outro estado. – Ela contou com certa tristeza.
Doutor César fez uma pausa para anotar suas observações na ficha que tinha em mãos.
– Consigo perceber, Senhora Macedo, que estejam sofrendo o que a maioria dos casais sofre quando não precisam estar o tempo todo atendendo as necessidades dos filhos. O que no Senhor Macedo a incomoda tanto?
Que pergunta maldita! Quase não acreditei que a fez. Naquele momento discerni que ele não era casado. Se fosse nunca daria esta liberdade á mulher.
– Bem, doutor, enquanto estou arrumando a casa ele está sentado no sofá assistindo tevê. O que importa que o obriguei a comprar a poltrona creme para combinar com a decoração da sala? E que o convenci que nossa sala ficaria melhor com uma smart tevê de 42 polegadas? Não deveria ficar o dia todo ali. Ele fica zanzando pela casa inteira. Toda vez que vai à cozinha suja copo e prato pra eu lavar. Isso me deixa irritada.
O doutor César não aparentou se abater pela tagarelice de minha esposa. Continuava calmo e sereno escutando tudo o que dizia e anotando em sua ficha. Talvez eu devesse dar um voto de confiança pro doutor. Quem sabe pudesse nos ajudar.
– Precisam de um dia para os dois passarem momentos a sós. Aprenderem a conviver juntos nesta nova fase que casa está vazia. Que tal um final de semana para jantarem fora?
– Pra que ele diga que a comida do restaurante é melhor do que a minha? Não. Nunca darei este gostinho a ele. Acredita que num churrasco de família ele foi capaz de falar que a salada de macarrão da minha irmã é a melhor ? Depois tentou me enganar dizendo que estava sendo gentil. Gentil porcaria nenhuma.
Começou a guerra. Silvia falava de mim como se nem estivesse ao seu lado. Seguiu reclamando por longos cinco minutos. Cinco minutos inteiros! Vi que o doutor se arrumava inquieto em sua poltrona. Enquanto isto ela descontava toda a sua fúria. Bem que de todo os males dividir as reclamações dela com alguém estava sendo até um alívio. Não posso mentir que achei divertido o olhar desesperado do doutor César que procurou por mim. Eu não podia fazer nada. Ele que cutucou a onça. Quando finalmente ela terminou de desabafar achei que o doutor daria por encerrada a consulta. Balancei a cabeça negativamente tentando alertá-lo que não deveria sugerir mais coisa nenhuma. Pena que foi em vão.
– E se fizessem alguma atividade juntos como caminhada? Poderiam desfrutar da companhia um do outro apenas por andar lado a lado.
– Pra quê? Pra que eu seja comparada aquelas magrelas que não sabe que este quadril aqui pariu três filhos? Não. De jeito nenhum! Ele que me aceite como sou. Por isso mesmo gasto o dinheiro dele na cabeleireira, manicure, no shopping. Se quiser mulher bonita ele que pague!
O semblante do doutor Cesar mudou. Não parecia haver muito da calma do início da consulta. Silvia não parava de reclamar. De repente ele se levantou num só impulso.
– Chega! – Ele gritou irritado. Sua voz grossa até ecoou pelo consultório. E na mesma hora minha esposa se calou com os olhos arregalados. – Como daria certo a terapia de casal se somente a senhora fala. Reclama de tudo. Graças a Deus nunca me casei.
Depois disto a bagunça estava feita. Ela desabou a chorar alto.
– O senhor acha que o problema do meu casamento sou eu?
Doutor César estava a ponto de explodir. Tive dó do pobre homem. Não estava preparado para isto. Então decidi ajudá-lo.
– Deite aqui, doutor. – Apontei para o divã. – Ela não vai parar de chorar tão cedo.
Mas antes mesmo de se deitar me perguntou:
– Diga, meu amigo, qual o seu segredo? Como suporta isto por tantos anos?
– Isto doutor ficará para a terapia de outro dia.
Por Jennifer Borges
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Terapia de Casal
Short StoryAlerta de spoiler: É ficção. Qualquer semelhança com os personagens é coincidência. O objetivo é falar sobre um problema que os casais na maturidade têm.