Único; Reflexão no Ônibus

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Era um dia chuvoso, assim como havia sido desde o começo da semana. A chuva não estreava tão forte, mas sim gelada, e no meio dela se encontrava uma garota.

A nem tão pequena menina se encontrava cansada, exausta, no mínimo esgotada. As coisas não andavam bem para ela em nenhum sentido, e sinceramente, estava farta. Sua vontade era de chutar o balde para bem longe de si, de forma que ele não voltasse nunca mais.

Mas não podia, e ela sabia disso. "Aqui se faz, aqui se paga" deveria ser o lema da sua vida, por mais que a própria não gostasse tanto assim da frase.

Por seis ou sete minutos ficou parada em baixo de um ponto que a deixava minimamente seca, enquanto as sacolas deixavam seus pulsos cada vez mais vermelhos. Logo, seu grande e velho ônibus chega.

Apressada, ela se senta na última fileira. Sempre foi da turma do fundão, e talvez esse fosse o princípio de sua grande falha  estava sozinha, apenas ela e a sua própria presença, mas não era incômodo. Na verdade, ela precisava disso, tempo. E, por mais que fosse pouco, seria suficiente. Essa viagem de ônibus de volta para casa seria seu momento de finalmente relaxar depois de onze meses.

A ponta de seus dedos caminhavam pela janela, seguindo o caminho das gotas finas que atravessavam o vidro. Era melancólico. Suas sacolas estavam jogadas de forma desleixada ao seu lado, quase deixando o conteúdo interno cair no chão. Mas no momento, as gotas eram as únicas coisas importantes.

Via os edifícios passarem através de seus olhos, sumindo logo em seguida. Quase não haviam pessoas na rua por conta da chuva, mas ainda assim tinham algumas. Uma família feliz, por exemplo.

Uma mãe, que trabalhou em casa durante a manhã, cuidou da casa durante a tarde e foi buscar o marido a noite. Um pai, que saiu cedo pela manhã para trabalhar, esperou ansiosamente durante a tarde para, enfim chegar a noite para poder ver as suas garotas. E, por fim, a filha, que estudou na escolinha, ao chegar em casa brincou com a mamãe para depois ir buscar seu tão amado papai.

Sentia felicidade ao ver seus sorrisos, que não tardou em se transformar em desespero.

E então, sua caixa de leite caiu. Uma das muitas. Mas seus olhos só se focavam naquelas três pessoas, uma família. E seguiu em movimento, pois o trio não era importante para o motorista como era à ela.

- Senhora! - Chamou pela terceira vez o homem - Você está bem? Está doente?

- Sim. - Respondeu baixo - Estou bem. É apenas aquele... Parasita.

O ônibus para, hora de descer. A mulher pega suas bolsas, e ao abrir das portas automáticas, ela desce. Mas é impedida ao ouvir o homem chamá-la.

- O seu leite. Tem leite no...

- É. - Interrompeu. E levando os braços para cobrir o próprio busto, respondeu irritada - Eu vou limpar.

A Reflexão no ÔnibusOnde histórias criam vida. Descubra agora