relapse to the restart

583 81 98
                                    

É terça-feira, e novamente meus pensamentos me levam de volta à você.
O céu tem sido o mesmo, o tempo nublado de sempre e o ar úmido que tanto nos agradava enquanto caminhávamos pelo parque. Tudo está como nós deixamos. A grama continua se movimentando conforme o vento gelado, os ingleses continuam andando pelas ruas pacatas de Londres com seus corpos escondidos pelas roupas grossas para fugir do frio. Os copos de café aquecem a ponta de seus dedos quase congelados por conta da baixa temperatura, e mesmo assim, eles continuam suas vidas.

Está nevando lá fora e não posso ver quase nada além do mesmo tom de branco, dos flocos delicados acumulados em seus montes em cima das calçadas e capôs de carros, e olhar para o tempo assim me deixa deprimido, mesmo que eu não entenda muito bem.
Mesmo depois de você ter partido, Londres não mudou nada. O mesmo clima, as mesmas pessoas, os mesmos acontecimentos rotineiros e entediantes.

Então, por que eu sinto que tudo está tão diferente?

Sequer tenho que pensar para responder esse questionamento. Eu não o vejo mais nas ruas, escondendo a pontinha de seu nariz no cachecol que envolve seu pescoço e lhe cai pelos ombros. Não posso mais passar em sua casa pelas manhãs e dizer o quão bonito fica com seu All-star surrado e o sobretudo preto que alcança seus joelhos, por ser grande demais para seu pouco tamanho. Não posso abrir a porta da cafeteria e ouvir o tilintar do sino dourado preso em seu topo, lhe pagar o tradicional café com creme e o ver sorrir depois do primeiro gole, feliz pelo líquido fervente descendo por sua garganta.

Londres continua sendo a mesma, mas tudo parece tão pateticamente depressivo depois que você foi embora. Porque foi exatamente isso que aconteceu.

Não foi como se não tivéssemos escolha, não foi como se alguém tivesse lhe obrigado a fazer o que fez e não me contar o que estava acontecendo. Tudo parecia normal para mim. Você dormia em minha casa quase todos os dias da semana, tirava suas vestimentas do seu lado do guarda-roupa logo após acordar, e então fazia café. Tudo isso soa tão chato e entediante, mas era o que mais me deixou feliz durante quase quatro anos ao seu lado.

Aos sábados, nós não estávamos tão cansados do trabalho e da faculdade. Vestíamos roupas quentes e íamos caminhar no parque, sempre levando a cesta com comida e uma toalha para tomarmos café da manhã na frente do lago. Tudo parecia perfeito, nossas férias fora do país estavam sendo as melhores da minha vida, e eu estava extremamente satisfeito. Eu estava feliz.

E então, naquela terça-feira você acordou mais cedo que eu, o que nunca acontecia. Eu acordei com o seu telefone tocando e menos de um minuto depois, te ouvi chorando. Tudo depois disso aconteceu tão rápido, você jogou suas coisas na mala, disse que não estava dando certo e, mesmo eu tentando te segurar, você foi embora.

Por mais que eu tenha pensado em tudo o que vivemos nos últimos meses tão longe de casa, e no quão conturbado foi conseguir superar as coisas para te trazer para cá comigo, não consigo achar um motivo sequer que tenha lhe feito me deixar. Mesmo repassando todos os dias em minha cabeça, o modo como você sorria doce mesmo quando eu te acordava pela manhã sem escovar os dentes, ou como parecia a pessoa mais sincera do mundo ao me ver aparecer na cozinha com a cara amassada e o cabelo desgranhado, e mesmo assim soltava aquela risada gostosa e dizia o quão lindo eu era.

E eu acreditava em você. Eu acreditava em cada maldita palavra que saía por sua boca desde o dia em que nos conhecemos. Acreditei que era eu quem tinha lhe proporcionado sua primeira vez, acreditei quando você disse que me amava. Acreditei quando disse que não me deixaria.

As primeiras semanas foram difíceis, eu mentiria se dissesse que não. Tudo parecia difícil, complicado demais para se lidar. Tranquei a faculdade, passei quase dois meses em casa e nunca me vi tão horrível quanto naqueles dias, pois além de ter perdido alguns quilos, deixei de fazer a barba e sequer cortei o cabelo. Consegue me imaginar com barba, anjo? Eu sempre a odiei, e até você que já viu as piores versões de mim, nunca chegou a vê-la.

Westminster, 613Onde histórias criam vida. Descubra agora