Fico sentado a margem do riacho onde SonHee me trouxe uma vez, quando meu dia estava sendo ruim demais e eu só queria chorar até eliminar toda a água do meu corpo. Segundo ela, esse era seu lugar preferido no mundo, era sempre aqui que ela vinha quando precisava ficar sozinha, quando precisava fugir até de si mesma, e involuntariamente esse lugar se tornou meu também.
Tem algo mágico nele, algo que te prende e não solta e não te deixa ir mesmo que você queira. Quando você vem aqui pela primeira vez, se torna inevitável não continuar vindo. Sonhee descreveu ele como um oasis, só que sem a parte do deserto e tal. É na sua maioria composto por árvores altas e espessas, que deixam o caminho que leva até o riacho completamente escuro, até mesmo de manhã, e também por flores silvestres que crescem aqui e ali. A noite você pode ver vagalumes e de manhã os esquilos aparecem, eu nunca vi, mas consigo ouvir nas árvores se prestar bastante atenção. O riacho é a melhor parte, é azul como o céu e quando faz sol a água toda parece brilhar como diamantes, ele tem uma forma meio oval, só que desforme, e fica no meio do lugar, tendo todas as suas margens rodeadas de árvores e pedras, onde nós podemos sentar para passar o tempo.
Sempre venho aqui quando preciso pensar ou apenas ficar sozinho. Rodeado pelas árvores e pela natureza, sentindo como o mundo é vivo, tão vivo quanto eu, até esqueço dos problemas da vida. Aqui eu sou feliz, não tem dor nem escuridão, aqui sempre tudo se alivia, incluindo meu tormento, seja ele qual for. Esse lugar é como minha válvula de escape, o lugar mais seguro do mundo. Perto do riacho me sinto mais forte, protegido, como se nada mais existisse além de mim e deste lugar.
Ninguém sabe disso no entanto, que esse é o lugar para onde eu fujo sempre que preciso sumir, acho que nem mesmo Sonhee sabe, e isso é o que faz desse lugar o lugar mais importante. Que eu saiba, ninguém mais além de mim vem aqui, talvez só Sonhee, mas ela nunca tem tempo para essas coisas com todo o trabalho e preocupações de adultos, então eu sinto como se esse lugar fosse meu, apenas meu.
Aqui me sinto poderoso, dono do mundo inteiro. Quando estou aqui sinto que o mundo inteiro deixou de existir, levando junto todas as pessoas, deixando para trás apenas esse lugar, esse pequeno pedaço de terra no meio do nada. Não tem mais dor, não tem guerras ou medos ou doenças, tem apenas o riacho e as árvores e a natureza e o silêncio, e eu, o ultimo sobrevivente, o ultimo ser humano na terra, o ultimo resquício que restou da humanidade.
O frio da noite agora se faz presente, depois de passada toda a adrenalina, finalmente sinto os efeitos colaterais de minha fuga. As solas dos meus pés ardem, completamente machucadas por ter corrido no asfalto da rua e no chão da floresta, e eu tremo de frio, mas isso não me faz voltar, nada vai me fazer voltar. Só fico quieto aqui, parado como uma estátua viva, ouvindo o riacho pelo que me parecem horas, não me importando em voltar, não me importando com o provável resfriado que vou pegar mais tarde, aqui e agora, eu não me importo com nada.
Não sei em que momento nesse meio tempo Jaebeom aparece, nem sei como ele achou esse lugar, mas ele chega até mim de alguma forma e eu sinto sua presença mesmo sem ele falar. Ele põe um casaco quentinho em meus ombros e me sinto ser completamente rodeado pelo seu cheiro, antes de ouvir os movimentos de seus passos e o barulho dele se sentando ao meu lado a beira do riacho. O meu pedaço do mundo, o único lugar que restou na terra, e agora não sou apenas eu, agora tem outro sobrevivente, eu não estou mais sozinho.
Nós não falamos nada, eu não conseguia falar e ele sabia disso, respeitava isso, então apenas ficamos aqui, em silêncio, sentados a beira do riacho aproveitando o momento antes de termos a tal conversa, porque já é bem óbvio até aqui que vai ter uma conversa alguma hora. Mas não é agora, não nessa hora, agora nós apenas ficamos em silêncio, ele me dando apoio como sempre fazia, e eu chorando as lágrimas que sinceramente eu não sei porque ainda caiam.
— Me desculpa. — Ele sussurra baixinho em algum momento, e sua voz soa tão culpada que quase me dá vontade de gritar, mas eu não grito, apenas respiro fundo.
— Pelo o quê? — Sinto que ele vira o rosto para me olhar e eu viro o meu para ele também, não posso vê-lo, mas imagino como deve ficar sua imagem iluminada apenas pela luz da lua e das estrelas. Minha voz sai meio falhada, por causa do choro e porque ela é assim mesmo as vezes, e agora, com ele aqui do meu lado, apenas eu e ele, nem me lembro mais o motivo das minhas lágrimas. Ele toca meu rosto delicadamente e sua mão é fria como a noite, mas me aquece por dentro de uma forma inexplicável. Limpa minhas lágrimas, mesmo sem saber o motivo pelos quais elas caiam.
— Por gostar de você. — Ele responde, e a forma como ele profere as palavras, como se realmente se sentisse culpado por gostar de mim, como se esse sentimento fosse pecado, parte meu coração. É ai que entendo, ele realmente acha que eu estou triste e com raiva porque ele gosta de mim, porque foi isso que eu fiz parecer. Ele acha que eu não gosto dele de volta, acha que eu fugi por causa dele, mas não foi por isso, quer dizer, em partes não foi.
— Eu não... — Não sei o que dizer, essa é a verdade. Como eu posso falar que gosto dele também se nem consigo formular uma frase direito? Jaebeom é corajoso, mas eu não sou como ele, eu sou covarde, tenho medo, penso demais.
— Eu não queria. — Ele conta, ainda sussurrando, como se isso fosse um segredo, e talvez realmente seja. — Eu não queria gostar de você, mas você é tão incrível e engraçado e fofo e adorável e eu apenas não consegui impedir meu coração. Eu gostei de você desde o momento em que te vi pela primeira vez, naquele lugar tão triste e frio. Me apaixonei por você, pela sua luz, pela forma como você pareceu trazer vida ao meu mundo escuro novamente.
— E-eu... — Fale alguma coisa, seu idiota, diga que se sentiu assim também, apenas... DIGA ALGO. Mas eu não consigo, mesmo que eu queira muito, eu não consigo. A sinceridade que transparência em cada palavra que ele disse, o peso de todo o sentimento dele por mim, me deixava travado e com medo.
— Eu não queria fazer você se sentir assim, não queria te assustar, afinal, a gente mal se conhece, é loucura sentir isso, eu sei. Mas o Jinyoung é muito fofoqueiro e depois que ele soltou a bomba eu apenas não consegui mais negar, me desculpe Youngjae, eu só não consigo mais guardar isso pra mim. — Agora era ele quem estava chorando, sua voz saia trêmula e triste, ele estava tão quebrado, tão assustado, tão perdido, ele tem tanto medo quanto eu.
Nessa hora eu mando tudo ir se foder. E daí se conheço ele a pouco tempo? E daí se eu acho loucura ele gostar de mim mesmo eu sendo quem sou? E dai se as pessoas pensarem merda? E dai se EU pensar merda? Eu não me importo mais, eu também gosto desse garoto e eu quero que ele saiba disso, saiba que o sentimento que ele tem por mim também é sentido por mim para com ele, quero gritar que também estou apaixonado, quero que o mundo inteiro saiba, por isso eu o abraço, o mais forte que consigo fazer, e sussurro no ouvido dele, contando o segredo que não é segredo. Sussurro para ele, o garoto estranho e triste que rapidamente conseguiu se transformar no meu mundo inteiro, sussurro a verdade, que no fundo eu já sabia a muito tempo, apenas tinha medo de admitir, mas agora não tenho mais medo. Foda-se meu medo.
— Eu também gosto de você, Jaebeom.
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Blind • 2Jae (HIATUS)
FanficAquela onde Choi Youngjae é cego, pois nasceu sem enchergar, e Im Jaebeom é cego, pois não consegue ver a beleza do mundo, mesmo podendo ver.