A fogueira crepitava fumacenta enquanto o sol corria para trás das colinas. O velho orava aos deuses como sempre fez, o menino colocava a panela amassada pendurada sobre o fogo. Assim que o velho indígena terminou seus ritos, sentou-se à beira do fogo e respirou fundo.
— Tá tudo bem?
—Está sim. Apenas um pouco cansado, mas isso é normal na minha idade.
O menino olha para o céu, assustado por conta da revoada de araras que voltavam para suas árvores. Seus olhos as seguiram sob a abóboda celeste até se esconderem na escuridão que cobria as copas das árvores.
— São araras. Sagradas para nosso povo. Delas é quem vem nosso nome; Ararás.
— Vô... Por que elas são sagradas para nós?
O velho sorriu com o canto dos lábios, seus olhos brilhantes fitaram o garoto com bastante ternura. Ele retirou da bolsa um velho cachimbo feito com o dente de uma onça, colocou fumo e acendeu. Duas baforadas depois, ele olhou para as primeiras estrelas que surgiam nos céus e disse:
— Foi há muito tempo... Tempos tão distantes que nenhum homem branco caminhava pela Terra.
— Tanto assim? — Indagou o garoto com os olhos arregalados. O avô meneou com a cabeça e prosseguiu a história.
— Havia uma aldeia com um povo valente e bondoso. Essa aldeia era perto de um grande rio, que fornecia para todos: água, peixes, rãs, refresco nos dias quentes, e a execução de muitos rituais também era feita ali. O povo era livre para navegar pelo rio e até atravessá-lo.
O menino estava atento à cada palavra, pois, essa era a primeira grande história de seu povo que iria escutar. Fazia parte do ritual de passagem.
— Esse povo fez moradia do outro lado do rio. E todos os dias eles navegavam com suas canoas de uma borda à outra para encontrar seus parentes e amigos. Cada lado do rio tinha plantas diferentes, frutas únicas e até mesmo animais. Então, ambos os lados trocavam essas coisas. — O velho cutucou as brasas e observou as fagulhas subirem aos céus e se apagarem lentamente. — Então um dia... Apareceu Jacaré-açú.
— Quem é esse?
— Uma enorme criatura que habitava àquelas águas há muito mais tempo.
— Mais tempo que os indígenas?
— Sim, há mais tempo que qualquer indígena. E ele não queria conversar, nem dividir seus domínios, então esperou que o povo se lançasse nas águas e atacou-os.
— Mas... O que houve? — Perguntou o menino aflito.
— Jacaré-açú comeu todos os indígenas que estavam nas águas. E depois, continuou nadando por perto das aldeias para amedrontar o povo. Ele era tão grande, tão forte e tão aterrador, que nenhum guerreiro teve coragem de enfrenta-lo de imediato.
— Nossa Vô... Esse bicho era muito feroz mesmo. Mas, o povo não podia fazer uma armadilha pra ele?
— Não meu pequeno, a natureza não cai em armadilhas. Ela faz você pensar que sim, mas depois te ataca com força igual. Se tu espetar uma capivara com uma flecha, uma flecha ira furar você. Se você matar uma onça, será morto por um animal, ou em combate. Tudo o que fazemos tem um retorno... Nós pretendemos apenas contorna-los e tentamos morrer da forma mais honrada possível.
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Contando histórias
Short StoryEste livro foi criado para abrigar contos para concursos. Os temas serão variados, de acordo com os desafios propostos pela equipe Orion, e conforme eu participar desses desafios.