Prologo.

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Respirando fundo. Meia noite e dez, a mesma música tocando pela decima vez bem baixinha, e uma enorme xícara de café ruim, eu nunca soube fazer nada certo, principalmente café, desde pequena nunca gostei do gosto, mas sim do cheiro, eu passava horas sentada perto do fogão a lenha da minha vó apenas sentindo aquele cheiro quente e inexplicável de café.

Eu estava sentada em minha cama no meu minúsculo apartamento, Beto meu fiel e preguiçoso cachorro dormia e roncava se sentindo o mais confortável possível no chão e não em sua cama caríssima que eu simplesmente gastei todo o meu primeiro salário. E eu, bom, eu estava fazendo o de sempre, ouvindo mais uma vez as gravações das conversas que tive com meus pacientes ao longo do dia. Escolher ser uma psicóloga sabendo como as pessoas estão atualmente foi algo que eu sabia totalmente o risco que estaria correndo, pessoas desesperadas, depressivas, ansiosas com tudo ao seu redor, com medo e sem esperança alguma em relação ao próprio futuro.Mas desde os 14 anos eu aprendi a lidar com as pessoas, (nunca gostei) sempre fui boa, dizia o que eles precisavam ouvir e fazer, e geralmente a maioria me ouvia, e até hoje converso com amigos do passado que me agradecem por não os ter deixado desistir de tudo tão fácil.

Engraçado como eu sempre soube o que dizer a todos, menos a mim mesma. Na verdade, eu me digo muitas coisas, mas ouvi-las e coloca-las em pratica é algo que está longe de acontecer. Ainda não acredito como sobrevivi esse tempo todo, sempre ser a pessoa que precisa salvar o outro de si mesmo é cansativo, mas eu não saberia fazer outra coisa.

Já está amanhecendo, mais uma noite não dormida, o café esfriou e perdeu todo o charme, mais uma vez respiro fundo, fecho meus olhos e deixo *11 Blocks do Wrabel* invadir meus ouvidos só mais uma vez antes de começar outro dia. A música acaba e uma bem especifica começa, o mais depressa possível eu pauso, ainda não consigo ouvi-la sem praticamente morrer, mas também não consigo apaga-la.

Me levanto, vou ao banheiro tomar uma ducha bem quente, coloco uma playlist super animada e me forco a cantar todas as músicas da Lizzo para fingir que eu queria sim estar existindo por mais um dia. Termino o banho e procuro meu terninho básico de segunda, olho para ele e dou graças a Deus por finalmente poder escolher o que vestir sem olhares esquisitos ao meu redor me julgando.

Faço um suco de maracujá, coloco geleia em algumas torradas, ração no pote do Beto um carinho em sua barriga e me preparo para sair.

- Só eu mesma para ir tão cedo ao consultório, não são nem seis da manhã! Karla não deve nem ter chegado... ah que se foda o consultório é meu. – Digo enquanto tiro o carro da garagem.

"Mas se você quiser

Alguém pra amar

Aindaaaaaaaaaaa"

Cícero toca no rádio do carro e eu canto como se sentisse o que ele sentiu quando escreveu essa música: dor!

Chego no consultório e logo ao entrar Karla me espera sentada em sua mesa de assistente. Karla é uma velha amiga minha que sempre esteve comigo desde a oitava série, e mesmo no ensino médio estando em escolas diferentes, ela nunca saiu do meu lado,e ela que nunca quis grandes coisas para o futuro, logo quando eu disse que a daria todo o dinheiro que quisesse se fosse minha assistente, aceitou sem pensar duas vezes.

- Impressionante como conseguiu chegar tão cedo em plena segunda feira, to até assustada, quem é você e o que fez com Karla? – Digo com um sorriso leve.

- Recebi uma ligação ontem de alguém querendo te ver hoje urgentemente, você literalmente só tem esse horário disponível, a sorte é você sempre chegar cedo. – Ela disse meio inquieta com a situação.

- Algum dos meus pacientes surtou de novo? Por favor diga que não é o Klaus, eu simplesmente não posso ouvi-lo dizer mais uma vez como a esposa não aceita suas manias.

- Não Kathryn, não é o Klaus... eu... não conheço ela.

- Ela? – Pergunto intrigada, já que hoje não teria pacientes mulheres hoje.

- Sim...está na sua sala. Disse que vocês já se conhecem

- Ela disse o nome pelo menos? Como deixa qualquer uma entrar na minha sala? – Pergunto fingindo estar brava, mesmo Karla sabendo que eu estou acostumada com pacientes desesperados logo cedo. (Não deve ser nada demais) penso eu.

- Desculpa, mas ela me disse que precisava te ver, e que você não iria recusa-la nunca, e eu não a deixei entrar, ela mesma entrou. Ela não quis me dizer quem era, apenas me implorou para deixar ela te ver.

- Hum, okay, eu não tenho outra opção a não ser vê-la né, trás um milk shake pra mim, o dia vai ser puxado, e pega um café pra você, ta precisando – Digo dando um sorriso e indo em direção a minha sala.

Ao abrir a porta dou de cara com um fantasma do meu passado, alguém que eu simplesmente não tinha forças para ver, ela se levantou me disse oi e eu só consegui dizer:

- Você!?

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⏰ Last updated: Mar 19, 2020 ⏰

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Por DentroWhere stories live. Discover now