Capítulo Único: Absolvição.

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Não tinha espelho, só tinha no que se espelhar, tantas pessoas boas e ruins, almas sujas e caridosas. O mundo sendo mundo, mas agora deserto.

Observo-a de cabeça baixa no caminho de casa, mas sempre fazendo piada. Será que essa é a forma de criar uma fantasia que fantasia a felicidade? Uma capa, uma pele de lobo, um engodo no qual se habitua para que seus próximos a aceite.

E onde ela se espelhava? de onde vinha toda essa preocupação sobre aparência?
Não sabe fazer nada, não liga pra nada, não escuta nada.
Mas escuta, escuta tanto que conseguiu absorver mais coisas ruins que boas, e cada vez mais ficando pior, afogada naquela outra fantasia, uma dor fantasiosa que com certeza estava a acreditar.

Sua cama virou um templo; não toquem, não chamem, não falem.
Não era a sua vontade, era apenas o costume de se acostumar com esse caos que lhe atribuiam;
Uma beleza esplendosa, uma casca dura, porém oca. Não tinha nada ali dentro pra ser aproveitado.

Aliás, isso importava? escavar um solo que não germina, fazer um buraco extremamente profundo neste solo não muda nada, não vai machucar, não é nada importante este pedaço de terra. Não achariam coisa alguma. Desinsteressa.
E realmente se deixava ser todo esse fogo de sete infernos juntos, o diabo perdido num mundo tão bom.

Mas o mundo era neutro, os escavadores, mineiradores, fazendeiros eram burros. Sempre procurando uma terra visivelmente boa a troco de quê? carência? sem saber o que vai produzir, julgando a todo custo um cultivo, usando fórmulas químicas para aplicar mutações no ser.

Eu sou só um narrador-personagem. Não posso mudar o rumo das coisas assim. Não posso simplesmente jogar um espelho para que ela se enxergue, não posso cirurgicamente arrancar meus olhos e presentea-la para que se olhe como eu a olho, não posso serrar meu crânio e embrulhar meu cérebro para que ela se sinta tão bem e profundamente crie sete camadas de desespero por não ter sido feliz antes.

Mas, por enquanto, eles maratonam uma maratona perdida, eu estou caminhando lenta e pacientemente, sem me gabar, realmente quero entregar ferramentas e gestos, mas que ela se escave sozinha, estou a observar, não quero interferir em seu autocuidado.
Não vou estraga-la com uma utopia de amor qualquer, posso criar fantasias românticas, mas só um espelho e mil elogios não bastam. Não posso curar seu caminho torto, posso apenas ajuda-la a andar no mesmo.
Fazendo o diabo ver que ele é o paraíso, queimando e ardendo como seu coração sem enxofre, sem nem sequer ser um diabo, só um papel tão rabiscado que me dá empolgação de desvendar cada linha fora do lugar.

Não é nada demais, mas não é nada de simples, uma como outra, carne e ossos reais.
Mas no interior de cada um de seus milhares de átomos um motivo diferente que faz a mesma ser muito mais que uma párticula densa. É um ser maior que tudo.

Não vou pedir absolvição por estar sendo fantasioso, isso não é devaneio.
Enxergue-a de perto e escave mais pouco.

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⏰ Última atualização: Mar 20, 2020 ⏰

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