O vermelho parece mais agitado, quando tingido de preto.

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Eu nunca acreditei em destino, nem quando estive vivo, nem agora. Para mim as coincidências da vida eram de fato interessantes, mas não passavam disso: coincidências.

A vida era porre demais para ter sido arquitetada por alguém que de fato se importasse em juntar pessoas e unir seus destinos. E para o bem ou para o mal, as pessoas se juntavam, mas se devia a elas e suas decisões, apenas isso.

"Nunca" é uma palavra forte, de fato. Nunca se deve dizer nunca, é o que dizem. Mas nós o fazemos, corriqueiramente como se não fosse nada. E sinceramente? Para uma sociedade que usa até o nome do próprio Deus todo poderoso em vão, o que é uma palavrinha de nada? Mais que isso, absolutamente nada tem importância até que haja um contexto de benefício próprio para tal.

Eu não acreditava em destino, acreditava em coincidências e no "nunca". Nunca de segurança sobre uma possibilidade. Nunca de insegurança sobretudo. O que me levou ao fim deplorável foi de fato meu ceticismo, ser incrédulo sobre tudo e acima de disso: dramático.

Sim, admito. O drama estava em meu sangue, também a arte, a música e a companheira supérflua: melancolia. Atores vivem do drama, do sentimento que causam aos outros e fazer chorar é sempre mais certeiro do que fazer rir, tenho certeza.   

E eu era boa nisso, em dançar nos palcos e encantar com meu talento, beleza, dons. Absolutamente tudo em mim era perfeito, exceto por um detalhe. Um mísero detalhe tão famigeradamente desgraçado que custou-me a vida.

Eu estava apaixonado.

Oh sim, estava, estive, ainda estou. Me arrisco a dizer que as raízes desse maldito amor ainda brotam na merda do meu coração.

Então vocês me perguntam: se és tão esbelto como dizes, seduz a moça. Tome-a para ti. A tenha em seus braços, faça-a ter olhos só para você.

E céus, como eu queria que fosse tão simples. Não se tratava de uma moça, oh não. Mesmo havendo tantas delas naquela cidadezinha banhada pelo calor do sol e hipocrisia do inferno, não era por uma das damas que eu havia me apaixonado. Era por um homem, moço ainda.

Inalcançável, porém. Eu sempre fui um ator de quinta, me apresentando poucas vezes em lugares da alta classe, e por Deus, queria eu nunca ter pisado no palco do teatro central e o visto.

Estava lindo, a expressão séria em seu rosto instigava uma sexualidade anormal para mim. E fluiu ali meu desejo carnal por aquela alma, que tanto quanto a minha, sofria em silêncio.

Cheguei perto, o chamei. Disse meu nome, me apresentei também. Ele tocaria piano naquela noite, faria parte do musical e eu me perguntava como nunca o havia visto antes. Sim, pois eu me lembraria. Com certeza lembraria.

— Sutcliff.

— Spears.

Um aperto de mão breve e ele se recolheu, tendo olhos apenas para a maldita partitura em sua mão, e juro aos céus, nunca tive tanta inveja de algo, ainda mais inanimado.

Cantei naquela noite, fiz o papel de uma moça. Vocês devem conhecê-la, era a amada de Hamlet: Ofélia. Teve um fim trágico, coitada. Morta naquele rio esperando ser salva por alguém que nunca veio. Morreu, levada a isso pela própria loucura.

Apesar da atuação belíssima de Ronald naquela noite, sendo o bravo Hamlet, tudo em que eu pensava era em William naquele lugar. (Mais tarde soube seu nome completo) fazendo aquele papel e contracenando comigo.

O imaginava dizendo palavras que hoje nos faz tanto sentido que é um dos motivos por eu ter voltado atrás em minhas palavras e quem sabe, acreditar em destino hoje em dia.

réquiem aos que morrem de amor | grelliamOnde histórias criam vida. Descubra agora