Susana Hermínedes
— NÃO! — sua voz farfalhou enquanto Plínio lançava-se contra o pescoço de Sandro. Embora magro, Plínio era alto e forte. Acontece que Sandro, a despeito dos dezesseis anos, era ainda mais forte. Ouvira-o gabar-se certa vez de suas práticas de equitação nas caçadas a raposas na Mata do Arqueiro e isto lhe caracterizava um aspecto vigoroso e esbelto. Não fosse a atitude extrema de seu padrasto inconha, estas características de Sandro jamais se tornariam conhecimento comum.
Havia bem poucos desgostos maiores que contemplar o rosto irritante de Plínio todo bendito dia. O rosto ossudo era enfeitado com olhos escuros de troça, que viam-na com desejo, bem tão como ciúme. Sandro trouxera-a à porta de casa após os terríveis eventos do teatro e, não fosse suficiente o horário, Plínio encontrara modos de implicar com o estado em frangalhos da barra de seu vestido. Perdera o chapéu no calor dos acontecimentos, de modo que o vestido esfatiado aproximava-a mais de uma meretriz maltrapilha a uma dama de companhia decente.
— Desonra a morte do senhor seu noivo e desrespeita sua própria família? — exigiu saber ele antes ainda de Susana sequer despedir-se de Sandro. — Que dirão os vizinhos desses seus despudores? Pelos deuses, esse seu vestido...!
— Muito conveniente mencionar os vizinhos quando se promove todo esse escândalo — retrucou, nem um tantinho que fosse disposta a dar atenção a seu padrasto cretino. Um pequeno alfinete penetrava-lhe a perna, incomodando-a. Confiara na promessa de Sandro em ordenar um dos guarda-costas da família para vigiar a janela de seu quarto, para o caso do malfeitor do teatro retornar.
Passou por Plínio com a face atarracada, tapando os ouvidos aos protestos indignados dele. Não demorou até que o homem tomasse-a pelo braço rudemente.
— Não ouse atrever-se a minha pessoa, Susana — arquejou ele com o cenho franzido. — Sabe bem que posso fazer a você.
A ameaça transformou em ira toda a angústia que então sentia. Esbofeteou-o sem hesitação, antes de seu rosto cínico enrubescer. Sandro puxou-o rudemente pelos ombros no instante em que o homem armou uma reação irada.
E assim tivera início a troca revoltosa de socos e sopapos. A mãe surgiu, sonolenta, através do corredor apertado com a expressão de quem sequer cria naquilo que os olhos viam.
— Por favor, parem com isso! — arquejou ela, chorosa.
Eles sequer pareceram tê-la escutado. Sandro pressionou Plínio contra a parede, fazendo-a ranger no ato da tensão ocasionada, então tornou soca-lo no lado esquerdo do rosto. Uma reação súbita em razão da luta corporal fê-lo girar Plínio outra vez, porém a porta aberta tomou o lugar da parede e assim o jardim abriu-se sob as costas de seu padrasto crápula, fazendo-o parar do lado de fora da casa.
Sandro tremia e ofegava quando puxou rudemente a mão de Susana. Arriscou recusar-se, pensando na senhora sua mãe, pobrezinha, porém compreendia o evidente desejo de Plínio em querer vingar-se. O melhor a se fazer, então, seria afastar-se.
― Fará por bem repensar a atitude de pisar outra vez por aqui, Susana! ― Plínio vociferou às suas costas. ― E avise ao seu amante o perigo que agora ele corre!
Esta não fora a primeira vez que Plínio proferia tão cruéis palavras, nem tampouco seria a última. Susana jamais concordara com a presença do homem à casa que o senhor seu pai, Cassiano Hermínedes, fora proprietário em vida, embora a mãe infelizmente tenha-o apoiado e o convidado a entrar. A vinda de Plínio tornara o luto pela morte do pai terrivelmente mais dolorosa, fazendo-a recordar-se com o peito torcido as noites quando ele guiava-a pela mão ao telhado de casa para que assim pudesse contemplar as numerosas estrelas brilhante espraiadas ao longo da noite.
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O Cavaleiro da Maldição
FantasyMuitos são os que conhecem o mito dos continentes perdidos: Atlântida e Lemúria. O universo criado pelo autor remonta ao período onde Atlântida e Lemúria gozavam seu auge, com fortes inspirações na Mitologia Grega e medieval, além de salpicos vultos...