Fúnebre Compunção

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O seu corpo virou-se, e então ele acordou-se de um sono inconsciente. Visível era a negritude do escuro duvidoso ao seu dispor. Cuidadoso, teve seus primeiros pensamentos, questionando-se onde estava. O medo súbito percorreu sua mente, ao contemplar o imenso infinito à sua frente.

O vazio expelido pela falta de luz deixa-o horrorizado. Razoavelmente, tomou um pouco de calma. Com as mãos frias tateou um chão de madeira, quase irregular. Levantando-as, apoiou-as acima de onde estava deitado, e percebeu a superfície entalhada ao seu redor. Não demorou muito para se dar conta que estava selado neste lugar.

Porém não quis levantar hipóteses a princípio, apesar de ter um pouco apreensão. O conforto cedido naquele lugar era mínimo, mas o bastante para fazê-lo recusar a tomar qualquer movimento mais espalhafatoso.

Quis retomar seu sono, e investigar tudo aquilo depois, foi quando escutou um chiado vindo de algum lugar. Irritado, omitiu-se, mas não falou palavra sequer. O chiado só aumentou, até se transformar em algo mais elaborado.

Quando se deu conta, escutava um cântico imprescindível para si. Era algo que citava a morte, e ele lembrava-se de ter escutado em um ou outro sepultamento. Ele odiava esse tipo de celebração, e priorizava a maior distância possível desses locais.

Aquilo vinha acima do entalhe, e parecia demarcar metros de distância de onde estava. Furioso com essa coincidência, disse alto para que parassem com aquilo. Seu fôlego fraquejou e ele percebeu a ineficácia de sua fala. Sufocado, tomou uma bela dose de ar e agora gritou.

O resultado continuou o mesmo, ninguém ao menos o respondera. Intrigado e decepcionado com seus fracassos, pensou consigo mesmo: "Quem será o defunto que não pode ter seu cântico interrompido?".

Um horror primordial o cercou, e então, como se descobrisse algo novo, passou a se dar conta do que ocorria. De mãos suadas, tateou seu traje e sentiu que vestia um paletó bem vistoso, mesmo que não pudesse ver, ao mesmo tempo tinha uma calça de linho e inúmeras flores espalhadas pelo tronco abaixo. Os pés, frios, estavam descalços, e isso particularmente o horrorizava.

Se pudesse enxergar, juraria ter visto sua pele amarelada, sua circulação encerrada, seus olhos vazios de cor, seus cabelos pálidos bem penteados e um vistoso relógio de ouro sobre seu pulso direito, a única herança deixada pelo seu falecido pai. Um pútrido nojo o tomou. Jurou sentir vermes corroerem sua carne, seus ossos se deslocarem das juntas e seu cérebro derretendo pelas fossas nasais.

Inconsequente, levantou-se e bateu com a cabeça no entalhe. Uma dor atordoante o tomou, e foi o bastante para o livrar desse devaneio. Ele estava saudável embaixo daquela cova, mas isento de ar.

Sem pensar outra vez, começou a gritar pela sua vida. O desespero o tomou incontrolavelmente de um instante para o outro, e agora o belo cadáver jazido em sua sepultura era um homem horrível bradando pela sua retirada vida.

Berro após berro, lágrima após lágrima, nada adiantou. Suas unhas aparadas percorreram a madeira do caixão, e seus joelhos descontrolados começaram a bater contra a tampa.

Se fosse mais forte, se tivesse sido um homem vigoroso em vida, teria se livrado do castigo, talvez houvesse força o bastante em suas pernas para suspender a tampa do caixão, trazendo seu sepulcro de volta à vida. Ressureição sempre fora bobagem para ele, mas agora era oque mais desejava.

Se tivesse conseguido se livrar dessa danação naquele momento, não teria passado por todo o seguinte. De repente algo silenciou sua agonia. Algo forte bateu contra a parte exterior do caixão e se espalhou por ele. Cânticos se encerraram, e não houve um suspiro ou choro de quem estava na superfície.

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⏰ Última atualização: Mar 30, 2020 ⏰

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