Silêncio, silêncio e mais silêncio. Quando o carro reduziu a velocidade ao meu sinal, senti uma onda de ansiedade se aproximar. Eu não sabia como agradecer, só queria voltar depressa à realidade.
—Pronto. Eu fico por aqui.
—Como assim? Que lugar é esse? Por aqui onde?
—Essa é minha casa, eu durmo aqui.
-Você não pode ficar aqui. Isso nem mesmo... Você ainda está se recuperando.
-Você não tá entendendo. Eu moro aqui. Eu fico aqui. Vou ficar aqui. Além do mais, eu estou bem.
-Eu não posso deixar você aqui. Você ouviu o que a enfermeira falou. Você não está 100%
-Olha, muito obrigada. De verdade. Mas eu tenho que ir.
-Venha comigo! Fique na minha casa. Ou eu posso pagar um hotel por uns dias.
-Certo. Ok. Você é bem gentil. Obrigada. Você tem o meu número. Pode me ligar quando precisar de alguma coisa. Agora essa é minha deixa. Obrigada, Julian Draxler.
Enquanto destravo o cinto de segurança, sinto uma forte onda de frio tocar o meu corpo. O garoto me observa atentamente e posso ver seu maxilar travado numa expressão descontente.
-Amanhã eu vou voltar aqui e entregar seu carro. Ele vai estar perfeito.
-Nossa! Muito obrigada. Boa noite. Muito obrigada!
Enquanto dou o retorno na rua nada movimentada, consigo ver Louise correr até a porta, tentar abrí-la e chutá-la duas ou três vezes. Provavelmente estava trancada. Buzinei duas vezes e foi o suficiente para que ela corresse em minha direção com um sorriso sem graça.-Certo. Retiro o que eu disse. Espero que o seu convite ainda esteja de pé.
Quando eu era criança, meu pai sempre levava um copo com leite até minha cama depois das 20h. Eu sempre odiei leite puro, mas não sabia como dizer isso pra ele. Com o passar dos anos, esse ritual já era tão importante que, mesmo com a aversão ao líquido, eu esperava ansiosa todos os dias por ele. Quando ele infartou, minha mãe não conseguia sair do quarto e eu nunca mais ousei beber leite de novo. Foi muito difícil. Nós nunca tivemos muita coisa, mas, quando meu pai morreu, tudo piorou. Nós nunca ficamos com fome nem algo assim, mas passamos a escolher o que era necessário. Quando eu tinha 15 anos, minha mãe morreu. Passou muitos anos triste e sozinha. Nunca conseguiu um novo marido e nunca esqueceu meu pai. Morreu de tristeza. Na verdade, sentiu uma dor de cabeça, desmaiou e não acordou mais. Eu tive que lidar com a morte das minhas pessoas favoritas muito cedo. Comecei a trabalhar na lanchonete para o tio Mavis e Alicia logo após o ocorrido. Na verdade, ele não era meu tio, mas sim nosso vizinho. O banco tomou a nossa casa por conta do atraso do pagamento, mas Mavis e Alicia me deixaram dormir no quartinho da lanchonete por todos esses anos. Atualmente, eu não me sinto triste, mas reconheço que sou uma pessoa com muita saudade acumulada. Perdida em pensamentos, mal percebi quando Draxler parou o carro na frente de uma enorme casa. Me senti em um filme de Hollywood!
-Uau! Você não disse que morava em uma mansão.
Se eu pudesse fazer só mais uma observação, diria que Julian Draxler pareceu desconfortável com minha afirmação. Quase insultado. Mais uma vez ele não olhou nos meus olhos, nem falou nada. Só continuou andando. Em poucas horas ao seu lado eu não consegui vê-lo confortável nem por um segundo.
Louise tirou os sapatos brancos revelando meias estampadas com gatos cor de rosa. Mantinha os olhos nos quadros da parede, depois no sofá e tocou em tudo que pôde.
-Na verdade, eu não conheço esse lado da cidade. Tenho que pegar o primeiro ônibus pela manhã.
-Eu posso te levar pra casa amanhã, se você concordar
-Seria muito gentil da sua parte. Eu nunca conheci alguém tão gentil. Esse é um elogio bem triste porque as pessoas deviam ser mais gentis, sabe?
-Você pode dormir onde quiser. Pode ir dar uma olhada nos quartos.
-Eu sei que vai parecer estranho levando em conta que dormi por 20 horas em uma cama de hospital, mas eu tenho uma leve dificuldade em dormir fora de casa.
Ela sempre falava muito. E depressa, mexendo as mãos e as sobrancelhas. Sem dúvidas, era a pessoa mais enérgica que eu havia conhecido nos últimos anos. Tinha cabelos compridos e olhos grandes. Não deveria passar de 1,60m, o que me fazia pensar que estava ao lado de um singular anão de jardim tagarela.
-Você pode ver um pouco de tv antes de dormir. Ou ler um livro. Acho que vai te ajudar.
-Hum. Obrigada. E eu vou ficar por aqui, tá? Não posso ir pra um quarto sem pijamas. Dá azar.
-Você sabe que isso não tem absolutamente nada a ver.
-Isso é tão estranho. Eu me sinto um pouco zonza. E bobinha. Eu nem conheço você e já fez tanto por mim.
-Me sinto culpado, apesar de você ter batido no meu carro. Isso atrapalhou sua vida. Pode pegar um moleton e todos os cobertores do meu armário. Esta noite vai ser a mais fria das últimas semanas.
Louise apenas fez que sim com a cabeça e me seguiu até o quarto. Quando abri meu armário e a deixei escolher uma peça de roupa, ela escolheu a primeira camisa que apareceu. Em um ou dois movimentos, baixou as alças do vestido florido, deixando que ele deslizasse pela sua cintura enquanto colocava a camisa preta em seu corpo. Quando apanhou o vestido do chão, o colocou sobre seu ombro, fez um movimento para abrir o sutiã por baixo da camisa, tirando-o pela alça frouxa da camisa.
-É isso que eu chamo de rapidez.
-Anos de educação física na escola vendo garotas mais bonitas do que eu me fizeram desenvolver essa habilidade. Eu tinha muita vergonha.
-Você podia ter usado o banheiro.
-Esse também é um probleminha enraizado. Eu fico tão nervosa que torno as situações grandes. Nem pensei nessa possibilidade que agora parece óbvia.—ela disse com a bochechas queimando.
Ela é excêntrica.
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Stehlächeln
FanficUm pequeno acidente constrói um laço imediato entre Louise e Julian Draxler. Ela só não sabia o quão difícil era fazê-lo sorrir.