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ICE, 2015

Você já experimentou o medo? Já passou por alguma experiência em que teve tanto medo que achou que fosse morrer? Qual o seu maior medo? Altura, aranhas, águas profundas, morte, furacão, ficar sem a sua família, ficar sozinho, monstros, espíritos...

Quando tinha 7 anos meu maior medo era perder meus pais. Eles eram tudo pra mim, eram perfeitos, carinhosos, eu os amava tanto! Ainda me lembro de como mamãe era emotiva, e de como seu livro favorito a fazia chorar. Lembro de como papai era determinado e super engraçado. Mas então eles os tiraram de mim. Meu maior medo virou realidade. E naquele dia eu descobri que medo é só uma palavra bonita para o sentimento ruim criado pelo meu cérebro para me fazer parar de ir em frente. Eu não precisava disso. Meus pais foram mortos porque eram assassinos, foi o que me disseram, mas não acredito. Foi naquele dia que, pela primeira vez, fiz alguém cair no chão, tremendo de medo. Quando me descobriram, mataram meus pais e me levaram para o ICE, um centro de pesquisa em crianças estranhas. Eles estavam descobrindo crianças como eu a muito tempo, e então me acharam. Tudo isso para nos parar, e claro, nos transformar em armas.

Enfim fiz 15 anos! Ninguém foi na minha festa improvisada, então eu comemorei sozinha, me diverti fazendo as enfermeiras verem seus maiores medos, as enfermeiras não gostaram. Todos têm medo de mim, me deixam trancafiada o dia inteiro, sozinha. Já ouvi dizer que estou no lugar mais longe possível da população, onde me isolaram. Mas não acho que seja realmente isso, ainda consigo ver a civilização pela janela. Você já experimentou essa sensação? De que todos te odeiam e só não te matam porque fazer experiências em você é divertido? Receio que sim.

Mas quer saber, tanto tempo sozinha me deixou meio insensível. A única coisa que me faz ansiar pela vida, é olhar o mundo do lado de fora pela minha janelinha. Posso ver as construções, os animais, as pessoas, e isso me distrai na maior parte do tempo. As vezes, quando fecho meus olhos, me vejo em um jardim, com mamãe e papai, e eles me abraçam, e dizem que vai ficar tudo bem, mas quando abro meus olhos dou de cara com a parede branca da minha cela.

— Seu café da manhã. —Escuto a voz desconhecida do outro lado da porta, e a fresta pela qual vem a comida é aberta.

—Qual é o seu nome? — Pergunto a meu novo visitante.

— Você não precisa saber, apenas coma. — A voz diz ríspida. É sempre assim.

Meus olhos se enchem de lágrimas e a sensação de sufoco volta, coloco a mão no pescoço em busca de ar, mas a coleira me aperta. Escuto a risada do outro lado, e sei que aquela pessoa está se divertindo a minhas custas.

— O que eu te fiz? — Pergunto com dificuldade tentando me livrar do enlace no pescoço.

—Você nasceu!

Seguro com força a coleira colocada no meu pescoço, para me imobilizar, enquanto espero que a dor passe e a minha visão volte ao normal. Não vou conseguir comer.

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ICE, 2015

Um pouco mais tarde, a fresta se abre novamente, com o meu almoço.

— Ei! O que tem pra fazer hoje? — Pergunto em voz alto, minha voz sai roca e falhada.

— Eles virão te levar lá pra cima hoje. Nada de gracinhas ou já sabe! — Uma voz mais grossa feminina diz do outro lado.

Acidentalmente, acabei descobrindo o medo de todos por aqui, e por algum tempo me diverti com eles. Mas então descobri que as enfermeiras e os guardas não se divertiam tanto quanto eu.

Olívia Onde histórias criam vida. Descubra agora