Memórias

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Quem me vê agora não me reconhece, mudei muito dos meus 16 até hoje. Eu sempre fui muito alegre, divertida, extrovertida, e outras coisas similares. Mas desde que entrei nessa rotina, nesse "trabalho" eu não sou mais a mesma. Afinal eu não posso mais ver as pessoas com carinho, apenas como alvo. Teoricamente é fácil, você apenas tem que mirar e apertar o gatilho, mas se você analisa demais ... É ... complicado, afinal de contas é uma pessoa assim como você. Quem me observa do lado de fora me define como fria, sem sentimentos, sem lembranças de uma vida boa. E realmente prefiro não recordar de minha infância e dos bons momentos que tive. E foi por isso que eu estraguei tudo.

Eu vivia minha vida normal, estava em casa limpando minhas ferramentas de trabalho que já tinham sido usadas nesse dia. O pano que alguns anos atrás era branco, hoje tinha se tornando vermelho restando apenas as beiradas com um rosa bem claro. Recebi um telefonema de um cliente conhecido, de acordo com ele a pessoa estava descobrindo o seu passado, era uma mulher, 3 anos mais nova que eu, cabelos negros, curtos e encaracolados. Ela matou alguns de seus homens, além de muitas outras pessoas que tinham sido "encomendadas", e agora estava atrás dele ... Trabalhava assim como eu. Ela com certeza iria voltar ao local que agora estava vazio por conta do terror que ela espalhou, e eu estaria lá para acabar com seus planos.

Passei dois dias na espreita aguardando o alvo no local. Um bar onde integrantes de uma mesma "comunidade" se encontravam todos os dias, mas que agora fugiram como covardes. Era fim de tarde, já estava impaciente quando ouvi uma moto parar bem em frente do bar. Me agachei atrás do balcão, e ouvi seus passos, sua respiração. Seu telefone tocou, ela resmugou por não estar no silencioso e atendeu. Ela mentiu para pessoa dizendo que estava em casa, sua voz era familiar mas não foquei muito, aparentemente a pessoa do outro lado da linha se importava com a sua vida, mas eu naquele momento não. Ela desligou e continuou analisando e revirando o local. Ela andou até um ponto do bar em que estava de costas para mim, não tinha percebido, estava colocando balas na arma, e quando terminei levanto a cabeça e ela vira para mim.

- Eeeer ... Oi ? - disse eu

Era pra bala ter ido na perna esquerda da mulher, mas eu fiquei tão surpresa que acabei acertando uma cadeira que estava caída no chão. Nós duas derrubamos mesas e formamos um escudo enquanto atiravamos. Acho que ela tava tão surpresa quanto eu que continuo a gastar balas, até perceber que eu já havia saído pela porta mais próxima de mim.

Sorte minha não ter radares naquelas ruas, se não o governo ia ganhar uma boa grana de multas naquele dia.

Ela era insistente, não tinha medo, tanto que veio atrás, pensei que iria conseguir escapar dela mas ela se aproximava cada vez mais. Até que peguei minha arma olhei pra trás e com a bala furei o pneu de sua moto. Ela foi arremessada pra longe e a moto também. Dei meia volta, ela tava viva ainda, o capacete tinha protegido a cabeça dela, além de que ela havia caído em uma pilha de folhas de árvores.

Saí de cima da minha moto e tirei meu capacete enquanto ela se erguia, já estava com a arma mirada na cabeça dela quando foi revelado seu rosto. Mil lembranças vieram na minha cabeça naquele momento, as brincadeiras, os brinquedos, o meu dia a dia, meus amigos de infância e da adolescência. Ela tinha a pele branca mas as bochechas vermelhas do calor do momento, se mostrava extremamente irritada até que me identificou também. Minha velha amiga quase irmã, havíamos brigado a muito tempo atrás pois trabalhávamos juntas mas tínhamos outros objetivos. Estava abaixando a arma quando ela levantou uma para mim.

- Não me adimira estarmos nessa situação - disse ela

- O que você fez pra eu estar aqui tentando acabar com seu plano ? - falei enquanto levantava a arma

- O que você nunca quis fazer: Justiça !

- Ainda ? Não sei porquê você insiste nisso. O mundo nunca foi justo e nunca vai ser.

- Você sempre pensou no dinheiro, nunca se importou com o próximo. Se continua assim - ela põe as mãos pro alto em sinal de redenção - Por que não atira ?

Eu congelei por alguns segundos. Não me pergunte o porquê, nem eu sei ao certo. Mas acho que pensei que seria muita crueldade matar uma pessoa que foi tão importante para mim. Idiota ? Provavelmente, porque eu já havia acabado com muitas pessoas, mas ... as lembranças tomaram conta de mim. Apesar de ela ser mais nova, aprendi muita coisa com ela, e ela comigo também. Ela era justa demais, queria fazer apenas o certo enquanto eu, de fato queria apenas sair bem.

E foi nessa hora que pela primeira vez eu deixei o meu lado "ser humano" me dominar. Abaixei a arma e dei um sorriso, ela retribuiu. Mas em seguida ela fecha a cara coloca as mãos em sua frente e aperta o gatilho ... Foi tão rápido, nunca vi tanto sangue sair de mim. Cai no chão e com os olhos meio abertos olhei o céu colorido pelo por do sol ... a melhor paisagem que já havia visto em toda minha vida. O céu tinha uma mistura de amarelo, laranja e um pouco de vermelho, como se alguém usasse uma aquarela e com muito amor montado a cena. Enquanto via o céu, senti as folhas e pedras com a palma da minha mão elas eram ásperas mas em um instante ficaram úmidas por conta do meu sangue. Era legal analisar e sentir, mas logo percebi que isso não era positivo. Depois tudo embaçado ficou, apenas ouvia a voz dela dizendo, que a muito tempo atrás eu tinha decidido o meu fim e que pela justiça que existe no mundo ela acabaria igual a mim.

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⏰ Última atualização: Mar 27, 2020 ⏰

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