Ainda que nós brasileiros estejamos contaminados pela frase de que toda unanimidade é burra, ainda que não decidam se a frase é de Darci Ribeiro ou de Nelson Rodrigues, confesso que já alguma sabedoria nos conselhos coletivos, o conselho unanime de que correr no parque é bom tem sua parcela de sabedoria.
Resisti bravamente a ideia de correr, convicta de minha inaptidão. Então, ocorreu algo, um tsunami, um evento transformador, meus quarenta anos.
Acorde com quarenta anos o de corpo e noventa na alma. Me via no pico da colina verde, descendo pelo lado dos pedregulhos. Agora é só decadência até esperar aquele chamado final, o único mal irremediável, segundo Ariano Suassuna.
Num lampejo planejei o fim dos meus dias. Tomei decisões e assumi resoluções postergadas. Chegue na academia e desci, é hoje o dia de correr.
De 100 em 100 metros fui avançando em todas as coisas. Tomando as rédeas do meu corpo, da maternidade, do casamento, do trabalho e dos sonhos.
Cheguei ao primeiro quilometro. Não me parecia factível, agora, o mundo e o envelhecimento se tornaram um desafio e não uma sina.
Mais alguns quilômetros à frente e enfrentei o parque. E então, a sabedoria popular riu de mim com aquele desdém: eu avisei.
O primeiro parque para um corredor iniciante é o Everest para um alpinista. Uma volta no parque, correndo, coloca a vida de uma mulher de quarenta em uma perspectiva de vinte anos.
No sábado seguinte leve minhas filhas adolescentes. Ao final de três voltas eu tive certeza que ainda tinha energia para mudar o mundo.
A questão não é a idade, é a perspectiva que olhamos.
Curso de Escrita Afetuosa com Ana Holanda. ago/2019
