Acordo com o toque do meu celular — para ser mais específica, com o toque personalizado da Kimberly (minha melhor amiga, que eu carinhosamente chamo de Kiki desde que me entendo por gente). São 10h da manhã e eu não lembro de muita coisa da formatura do ensino médio, exceto de quando a Kiki me convenceu a tomar um copo de vodca com ela. Então é isso, minha cabeça chacoalha como se alguém estivesse me segurando de cabeça para baixo. Estou de ressaca. Resolvo ler a mensagem da Kiki:
— Mana! Não liga para o que aqueles babacas fizeram contigo, acho que você deveria esquecer aquele Thomas, já cansei de te falar isso. Acordou bem? — mesmo com dor de cabeça, eu consigo imaginar perfeitamente a Kimberly falando "aqueles babacas" em seu tom de voz mais sarcástico e raivoso.
Eu não lembro exatamente o que aconteceu na noite passada, mas Thomas é meu super crush, era o menino mais lindo do colégio. Infelizmente, eu não passo de uma estranha, uma coisa, uma invisível. Meu cabelo é preto (quase cintilante), ondulado e de pouco volume; Meu nariz é grande (em formato de batata); Minhas orelhas saem para fora do cabelo e não bastasse tudo isso, minha pele tem um tom meio bronzeado e meu rosto é repleto de manchas brancas por causa do vitiligo. Delicadamente desenhada para ser horrível, feito um patinho feio que não está no lugar errado. Meu sonho impossível é ser amada de volta. Como falam em filmes de ação: "perigo iminente" ou "risco iminente", eu gostaria de viver a melhor ação da minha vida: um amor iminente. Um amor que me fizesse levantar a perna esquerda espontaneamente durante um beijo, e todas essas coisas clichês que acontecem.
— Amiga, bom dia! O que a turminha do Thomas fez comigo? Não lembro de nada, mana. Não tô muito bem, mas acho que logo passa. — respondo, minutos antes de lembrar que no final da festa eu liguei chorando para a minha incompreensível mãe.
— Uai, o Thomas te chamou para o canto do salão e você foi, eu tava meio afastada, mas na hora que você iria beijá-lo, ele saiu, e você beijou o Marcelo O Estranho enquanto os amiguinhos do Thomas riram e gravaram vídeo. Melhor deixar pra te contar do soco que eu dei nele em outra hora, né?
Após ler isso, um filme inteiro se passa na minha cabeça e eu já lembro de tudo o que aconteceu. Como sempre, iludida com um amor que claramente nunca seria real. Como sempre acreditando nas pessoas. Mais do que eu deveria. O Thomas tinha me enviado mensagem antes da formatura, dizendo que queria ficar comigo, tudo começou por aí. No final, deu no que deu e me sinto péssima. Mas é na escuridão que você vê quem te traz luz, e a Kimberly estava lá mais uma vez para ser a melhor amiga que alguém poderia ter. Minha mãe odiou me ouvir chorando na ligação que eu fiz pedindo para ela ir me buscar. Minha mãe odeia me ver chorando, me lamentando com minhas verdades.
Não respondo a Kimberly, mas não por maldade. Estou reflexiva e começo a chorar. Cada lágrima é uma gota de dor. Nunca vou ser amada e respeitada. Talvez tudo nesse mundo maldito seja sempre sobre beleza, por mais que continuem com discursos de autoaceitação. Não sei pra quê eu existo. Se eu fosse uma menina com o nariz perfeito e um rosto normal, tudo seria diferente. Mas eu não sou.
Entro no banheiro com a visão turva de tanto chorar, e não me sinto sã. Minha cabeça dói. Meu coração também. Minha mente quer que a dor acabe. Pego uma lâmina que eu tenho escondida na gaveta da pia. Tudo parece tão simples de se solucionar.
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Um Amor Iminente
Short StoryNascida em berço de ouro, Petra deveria ser a menina mais feliz do mundo, como todo mundo diz, mas sua aparência a faz querer ser qualquer outra. Com sua melhor amiga Kimberly do lado, ela cria coragem para conhecer Rodrigo e uma paixão fulminante s...