Jordana
– Uma água com gás – Marta pediu, afastando o cardápio para um dos cantos da mesa. – Teria como providenciar metade de um limão fatiado?
– Claro, senhora – disse o garçom.
– Senhorita, por favor – ela o corrigiu, sorrindo.
O rapaz saiu em direção à cozinha, quase deixando cair a bandeja das mãos. Era um garoto simpático, mas um pouco desastrado.
– Você sabe como deixar um homem nervoso, hein? – eu disse.
– Digamos que não é difícil aqui neste fim de mundo.
Marta era professora de matemática. Uma mulher jovem, atraente, longos cabelos pretos bem tratados, sobrancelhas bem delineadas; gostava de batons fortes, esmaltes de cores vibrantes nas unhas, brincos grandes e piercings nas orelhas. Não era tão jovem quanto eu, já havia passado dos trinta anos, e não era muito querida pelas mães dos alunos.
– Não gostam de mim – ela dizia, sorrindo com ironia. – A beleza incomoda, você sabe, não é? Um bando de camponesas que mal cortam as unhas dos pés se acham no direito de criticar a forma como me visto, como me comporto, só porque os maridos ficam me comendo com os olhos nas reuniões de pais e mestres.
Era sábado.
Eu havia chegado na quarta-feira.
Ainda estava tentando me acostumar a morar em um quarto de pousada, a fazer todas as refeições fora de casa, a não ter ninguém para conversar...
É tudo um processo – eu pensava, tentando me acalmar. De fato, eu estava disposta a tomar outro rumo na vida, mas não sabia que era tão difícil largar os hábitos.
Eu passava as manhãs e tardes na escola. Gastava o tempo alinhando os projetos com a diretora e a pedagoga, fazendo os estudos da realidade da instituição para poder iniciar o trabalho de conselheira de vida escolar.
Quando chegava na pousada, a noite já havia caído.
Era a hora do trabalho difícil.
O frio congelava a alma. Era um momento de vulnerabilidade – quando sentia o nó da solidão na garganta, corria até o computador para trabalhar. Tudo é questão de ter um objetivo – dizia o meu ex-noivo.
Quando a cabeça estava a ponto de explodir, eu deitava na cama e assistia a um episódio de uma série de comédia aleatória.
Eu precisava desses pequenos rituais para esquecer do labirinto onde eu estava me metendo, numa cidade pequena e gelada, isolada do meu mundo, distante da minha família e do meu círculo de amigos, enfim...
Na sala dos professores, Marta foi a primeira a falar comigo. Ela tinha um jeito espalhafatoso, um sorriso muito branco e verdadeiro. Elogiou as minhas roupas, a minha bolsa, a minha pele. Senti uma certa satisfação em ter alguém para compartilhar as coisas leves da vida – ela adorava conversar sobre futilidades.
Marta era de Blumenau, tinha parentes na cidade de Nuovo Campo e estava ali para se curar de um divórcio conflituoso.
– Você deve me achar uma boba – ela disse, passando o dedo indicador na borda do copo assim que o garçom se aproximou.
– Que nada – eu disse. – Eu também adoro falar bobagens. Alivia a cabeça.
– Sim – ela levantou o copo fazendo sinal para o garçom que se aproximou da nossa mesa imediatamente. – Quero um gim tônica.
– De...desculpe senhorita – o garçom gaguejou. – Não temos esta bebida em nosso cardápio.
Marta deixou, intencionalmente, as pontas dos seus dedos roçarem a mão do rapaz, e disse:
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Herdeiro da Máfia
RomanceJordana, quando criança, passou por uma tragédia familiar que lhe deixaria marcas profundas. Agora, adulta, termina o seu noivado e deixa toda sua vida para trás em busca de justiça. Numa pequena cidade, sob o disfarce de professora, ela sustenta o...