As prolongadas guerras com que Luiz XIV foi sobrecarregado durante o seu reinado,embora drenando o tesouro do Estado e exaurindo a substância do povo, continham, nãoobstante, o segredo que leva a prosperidade o enxame de parasitas sempre alerta ascalamidades públicas, as quais, em vez de apaziguar, promover ou inventar, precisamente paramais vantajosamente lucrar cem as mesmas. O final deste reinado tão sublime, foi talvez umdos períodos da história do Império Francês em que se viu emergir o maior número defortunas misteriosas, de origens tão obscuras quanto a luxúria e o deboche que asacompanharam. Foi quase no final desse período, e um pouco antes do Regente ter tentadoafugentar essa multidão de traficantes através do famoso Tribunal denominado Chambre deJustice, que quatro deles conceberam a idéia das orgias singulares que vamos relatar. Não sedeve supor que era apenas a gente humilde e vulgar que se entregava a tais baixezas; osfidalgos da mais alta estirpe eram os primeiros. O Duque de Blangis, e seu irmão, o Bispode..., cada um dos quais tinha acumulado uma fortuna imensa, são, em si próprios, provaconcreta de que, a semelhança dos outros, a nobreza não perdia a oportunidade de enveredarpor esse caminho da riqueza. Estas duas ilustres figuras, através de seus negócios eprazeres, intimamente associadas ao célebre Durcet e ao Presidente de Curval, foram asprimeiras a iniciar o deboche que nos propomos relatar, e tendo comunicado o esquema aseus dois amigos, concordaram os quatro em assumir os papéis principais nessas orgiasinvulgares.Durante mais de seis anos estes quatro libertinos, ligados por sua riqueza e gostos,pensaram estreitar seus laços por meio de alianças, em que o deboche tinha de longe umpapel mais importante do que qualquer dos outros motivos que ordinàriamente servem de basea tais vínculos. 0 que combinaram, foi o seguinte: o Duque de Blangis, viúvo três vezes, e paide duas filhas que uma das esposas lhe dera, percebendo o interesse do Presidente Curvalem casar-se com a mais velha, apesar de saber muito bem das familiaridades a que seu paise entregava com ela, o Duque, vejam, concebeu subitamente a idéia de uma tríplice aliança."Você quer Julie por esposa", disse a Curval, "dou-lha sem hesitação, e imponho apenasuma condição a essa união: que você não tenha ciúmes se ela me continuar manifestando acomplacência com que me vem brindando; e mais, quero que você empreste sua voz a minhapara persuadir nosso bom Durcet a dar-me sua filha Constance, por quem, devo confessar,desenvolvi praticamente os mesmos sentimentos que você nutre por Julie"."Mas", disse Curval, "sem dúvida sabe que Durcet, tão libertino quanto você...""Sei tudo que é preciso saber", retorquiu o Duque. "Nesta idade, e com nossa maneira depensar, são essas coisas que nos detêm? Julga que quero uma esposa para ter uma amante?Quero uma esposa para poder servir meus caprichos, quero-a para velar um número infinito depequenos deboches secretos que a capa do casamento maravilhosamente oculta. Enfim,quero-a pelas mesmas razões que você quer minha filha - julga que ignoro seu objetivo eseus desejos? Nós, libertinos, desposamos as mulheres para manter escravas; como esposas,tornam-se mais submissas do que como amantes, e você sabe o valor que damos aodespotismo nas alegrias que procuramos".Foi nesse ponto que Durcet entrou. Seus dois amigos relataram a sua conversa e,deleitado por um incentivo que imediatamente o induziu a confessar os sentimentos quetambém alimentava por Adelaide, a filha do Presidente, Durcet aceitou o Duque como genro,desde que Curval se tornasse seu sogro. Os três casamentos foram concluídos ràpidamente,os dotes foram imensos, os contratos de casamento idênticos.Não menos culpado que seus dois colegas, o Presidente acabou por confessar a Durcet,que com isso não manifestou o menor desagrado, que tinha um pequeno affair clandestino comsua própria filha; os três pais, cada um querendo não apenas preservar seus direitos, masvendo logo a possibilidade de os alargar, concordaram unanimemente que as três jovens,ligadas a seus maridos apenas pelos laços do matrimonio, pertenceriam igualmente de corpo atodos, e prescreveram as punições mais severas para as que não acatassem qualquer dascondições a que ficavam sujeitas.Estavam quase a realizar seu plano quando o Bispo de... já Intimamente ligado peloprazer compartilhado aos dois amigos de seu irmão, se propôs contribuir com um quartoelemento para a aliança, se os outros três cavalheiros consentissem na sua participação nonegócio. O elemento, a segunda filha do Duque, e portanto, sobrinha do Bispo, era já suapropriedade mais do que geralmente se imaginava. Mantivera relações com sua cunhada e osdois irmãos sabiam, sem sombra de dúvida, que a existência daquela donzela, que sechamava Aline, devia ser mais rigorosamente atribuída ao Bispo do que ao Duque; o primeiro,que tomara a criança a seu cuidado logo que ela deixara o berço, não ficara parado, como sepode supor, a medida que o tempo fazia florescer seus encantos. E assim, sob esse aspecto,era igual a seus amigos, e o produto que oferecia ao mercado era igualmente danificado oudegradado; mas, como os atrativos e a tenra idade de Aline ofuscavam até os de suas trêscompanheiras, foi imediatamente incluída na barganha. Do mesmo modo que as outras três, oBispo entregou-a, mas retendo os direitos do seu uso; e assim, cada um de nossos quatropersonagens se achou marido de quatro esposas. Fez-se assim um acordo que, paraconveniência do leitor, iremos recapitular:O Duque, pai de Julie, tornou-se marido de Constance, filha de Durcet; Durcet, pai deConstance, tornou-se esposo de Adelaide, filha do Presidente;0 Presidente, pai de Adelaide, tornou-se marido de Julie, filha mais velha do Duque ;E o Bispo, tio e pai de Aline, tornou-se marido das outras três mulheres, cedendo essamesma Aline a seus amigos, mas retendo ao mesmo tempo iguais direitos sobre ela.Foi numa estupenda propriedade do Duque, localizada em Bourbonnais, que tiveram lugaresses felizes enlaces, e deixo ao leitor imaginar como foram consumados e em que orgias;obrigados que somos a descrever outras, renunciaremos, ao prazer de relatar estas.No seu regresso a Paris, a associação dos nossos quatro amigos tornou-se ainda maisfirme; e como a nossa próxima tarefa é familiarizar o leitor com eles, antes de passarmos adesenvolvimentos individuais e mais minuciosos, alguns detalhes dos seus preparativosluxuriosos servirão, ao que supomos, para lançar uma luz preliminar no caráter destesdevassos.A sociedade criada mantinha um fundo comum, o qual cada um de seus membrosadministrava durante seis meses; as quantias, atribuídas apenas a despesas no interesse doprazer, eram enormes. Sua riqueza excessiva punha ao seu alcance as coisas mais estranhas,e o leitor não deve surpreender-se ao saber que dois milhões eram gastos anualmente nacompra de júbilo, e na satisfação da luxúria.Quatro caftinas consumadas para recrutar mulheres, e um número igual de cáftens embusca de homens, tinham o único dever de vasculhar a capital e as províncias e trazer tudoque, num gênero ou noutro, pudesse melhor satisfazer as exigências de sua sensualidade.Cada semana se realizavam regularmente quatro ceias, em quatro casas diferentes, nosquatro diferentes extremos de Paris. Na primeira dessas reuniões, dedicada exclusivamenteaos prazeres da sodomia, só os homens estavam presentes; havia sempre a mão unsdezesseis rapazes, cujas idades variavam dos vinte aos trinta anos, e cujas imensasfaculdades permitiam que nossos quatro heróis, vestidos de mulheres, saboreassem osdeleites mais agradáveis. Os jovens eram selecionados com base no tamanho de seusmembros, e quase se tornou obrigatório que esses soberbos membros fossem de talmagnificência, que nunca tivessem penetrado mulher alguma; esta cláusula era essencial, ecomo nada se economizava a titulo de despesas, só raras vezes não era cumprida. Mas, aomesmo tempo, para provarem todos os prazeres, acrescentava-se a esses dezesseis maridosigual número de rapazes muito mais jovens, que deviam assumir o papel de mulheres. Estesrapazes variavam dos 12 aos 18 anos, e cada um precisava, para ser escolhido, de ter umafrescura, rosto, graça, encanto, ar, inocência e candura, muito além daquilo que nosso pincelpoderia possivelmente pintar. Nenhuma mulher era admitida nestas orgias masculinas, duranteas quais se executava tudo o que de mais libidinoso fora inventado em Sodoma e Gomorra. Nasegunda ceia, havia moças de classe superior, as quais, nessas ocasiões, forçadas a abdicarde sua orgulhosa ostentação e da insolência habitual de sua classe, eram constrangidas, atroco do dinheiro que recebiam, a entregar-se aos caprichos mais irregulares, e muitas vezesaté aos ultrajes que nossos libertinos tinham prazer em infligir-lhes. Compareciam doze dessasmoças, e como Paris não podia fornecer um novo suprimento com a freqüência desejada,essas noitadas eram intercaladas em outras, nas quais se admitiam, no mesmo número dassenhoras bem educadas, mulheres que iam de caftinas a esposas de funcionários. Há emParis quatro ou cinco mil mulheres que pertencem a uma ou outra destas duas últimas classes,e cujas necessidades ou luxúria as obrigam a assistir a noitadas deste tipo; é apenasnecessário dispor de bons agentes que as descubram, e os nossos libertinos,esplendidamente representados, viam com freqüência surgir espécimes milagrosos. Poucoadiantava a mulher ser honesta e decente, tinha de submeter-se a tudo: a libertinagem deSuas Senhorias, de uma variedade que nunca tinha limites, esmagava com horrores e infâmiasquem, pela Natureza ou convenção social, devia estar isento de tais provações. Uma vez lá,era preciso estar-se pronto para tudo, e como os nossos quatro vilões tinham todos os gostosque acompanhavam o deboche mais baixo e crapuloso, a aquiescência fundamental a seusdesejos não era de modo algum uma questão de inconseqüência.Os convidados da terceira ceia eram as criaturas mais vis e sórdidas que se podempossivelmente encontrar. Para quem conhece um pouco as extravagâncias do deboche, esterefinamento parecerá inteiramente compreensível; é mais voluptuoso chafurdar na imundície,por assim dizer, com pessoas dessa categoria; esses exercícios oferecem o abandono maiscompleto, a intemperança mais monstruosa e o aviltamento mais total, e esses prazeres,comparados aos saboreados na noite anterior, ou aos indivíduos distintos em cuja companhiaforam experimentados, emprestam um condimento agudo as atividades anteriores. Nestasterceiras ceias, sendo o deboche mais completo, nada se omitia que pudesse torná-lascomplexas e picantes. Durante as seis horas da ceia, surgia uma centena de prostitutas, e nãoera raro quase todas abandonarem a brincadeira. Mas não ganhamos nada em apressarnossa história, ou abordando assuntos que só podem ser tratados adequadamente naseqüência. Quanto a quarta ceia, era reservada a donzelas; só eram admitidas as quecontassem entre sete e quinze anos. Sua condição na vida não importava, o que contava era asua aparência; tinham de ser encantadoras; quanto a sua virgindade, exigia-se evidênciaautêntica. Oh, incrível refinamento de libertinagem! Na realidade, não se tratava de quereremcolher todas aquelas rosas, e mesmo que o quisessem, como o poderiam fazer? Essas floresintactas eram sempre em grande número, e dos nossos quatro libertinos, apenas dois eramcapazes de proceder ao ato, sendo um dos dois restantes, o financista, absolutamente incapazde uma ereção, e o Bispo absolutamente incapaz de sentir prazer, a não ser de uma maneiraque sim, concordo, pode desonrar uma virgem mas que, todavia, deixa-a sempreperfeitamente intacta. Não importa; os vinte hímens tinham de estar presentes, e os que nãofossem danificados pelo nosso quarteto de senhores, tornavam-se, diante de seus olhos,presa de algum de seus servos tão depravado quanto eles, e que mantinham constantementealerta, pronto a qualquer chamada.Além destas quatro ceias, havia uma outra, secreta e privada, todas as sextas-feiras,que reunia um número muito menor de pessoas, mas que era certamente muito maisdispendiosa. Os participantes limitavam-se a quatro donzelas de estirpe elevada, as quais, porestratégia ou dinheiro, eram subtraídas da casa de seus pais. As esposas dos nossoslibertinos participavam quase sempre desse deboche, e sua extrema submissão, suas docesatenções e seus serviços, faziam dessas reuniões um sucesso cada vez maior. Quanto aatmosfera cordial dessas ceias, não é necessário dizer que nelas, a profusão, conseguia atésuperar a delicadeza; nenhuma custava menos de 10.000 francos, e rebuscava-se a Françainteira e os países vizinhos para se poder reunir tudo o que houvesse de mais raro erequintado. Havia vinhos finos e licores em abundância, e mesmo no inverno, não faltavam asfrutas de todas as estações; em resumo, pode ter-se a certeza de que a mesa do maiormonarca do mundo não é posta com tanto luxo nem servida com igual magnificência.Mas agora, vamos percorrer de novo nossos passos e fazer o possível por retratar, um aum, nossos heróis - descrever cada um, não em termos do belo, não de maneira que seduzaou cative o leitor, mas simplesmente com as pinceladas da Natureza, a qual, a despeito detoda a sua desordem, é na realidade, muitas vezes sublime, mesmo quando é o maisdepravada possível. É que - e por que não aproveitar a oportunidade para dizer depassagem - se o crime carece da espécie de delicadeza que se encontra na virtude; não é oprimeiro sempre mais sublime, não tem infalivelmente um caráter de grandeza e sublimidadeque supera, e o torna sempre preferível aos encantos frios e monótonos da virtude? Protestasea maior utilidade disto ou daquilo, é nossa função examinar as leis da Natureza, oudeterminar se, sendo o vício tão necessário a Natureza quanto o é a virtude, não implantaráela em nós, em quantidade igual, a inclinação por um ou outra, segundo suas respectivasnecessidades? Mas, continuemos.Duque de Blangis. Aos dezoito anos senhor de uma fortuna colossal que suasespeculações posteriores muito aumentaram, experimentou todas as dificuldades que descemcomo uma praga de gafanhotos sobre um jovem rico e influente, que não precisa de se negarseja o que for; acontece quase sempre, em casos assim, que a grandeza dos bens da pessoatorna-se a de seus vícios, e a pessoa limita-se tanto menos, quanto maiores forem os meiospara se adquirir tudo. Se o Duque tivesse recebido algumas qualidades elementares daNatureza, talvez elas tivessem contrabalançado os perigos que o cercavam em sua posição,mas essa curiosa mãe, que as vezes parece colaborar com a sorte para que esta possafavorecer todos os vícios que dá a certos seres de quem espera atenções muito diferentesdaquelas que a virtude supõe, e isso porque tem tanta necessidade de um como das outras, aNatureza, dizia eu, ao destinar a Blangis uma imensa riqueza, meticulosamente o dotou detodos os impulsos, de todas as inspirações necessárias ao seu abuso. Juntamente com umamente tenebrosa e muito depravada, concedeu-lhe um coração de pedra e uma almadecididamente criminosa, acompanhados de gostos desordenados e de irregularidade decaprichos, dos quais nasceu a pavorosa libertinagem a que o Duque estava preso em escalatão incomum. Nascido traiçoeiro, áspero, prepotente, bárbaro, egoísta, tão pródigo na procurado prazer como miserável em despesas úteis, mentiroso, glutão, bêbado, ignóbil, sodomita,adepto do incesto, dado ao assassínio, ao roubo, incendiário, não, nem uma única virtude paracompensar essa série de vícios. O que estou dizendo! não só não chegou a sonhar umasimples virtude, como também as olhava com horror e muitas vezes afirmava que para serverdadeiramente feliz neste mundo, o homem deve não só entregar-se a todos os vícios, mastambém nunca se permitir uma virtude, e que não é apenas uma questão de fazer sempre omal, mas também, e acima de tudo, de nunca fazer o bem."Oh! há muitas pessoas", o Duque costumava observar, que nunca agem mal a não ser quandoa paixão as cega; depois, quando o fogo as deixa, seus espíritos então calmos, voltampacificamente ao caminho da virtude e, desta maneira, passando a vida entre o conflito e oerro, o erro e o remorso, terminam seus dias de tal maneira que não se pode dizer que papeldesempenharam na terra. Tais pessoas, continuava, devem ser seguramente miseráveis:sempre pairando, continuamente indecisas, passam a vida detestando de manhã o que fizeramna noite anterior. Certas de se arrependerem dos prazeres que provam, deliciam-seestremecendo, e logo se tornam ao mesmo virtuosas no crime, e criminosas na virtude.Todavia, acrescentava o nosso herói, "o meu caráter mais sólido é estranho a essascontradições; faço minha escolha sem hesitação, e como tenho sempre a certeza de encontrarprazer na mesma, não há nunca arrependimento que afete o seu encanto. Firme em meusprincípios, porque os que criei são sólidos e foram formados muito cedo, procedo sempre deacordo com eles; fizeram-me compreender o vazio e a nulidade da virtude; odeio a virtude, enunca me verão recorrer à mesma: persuadiram-me de que só através do vício o homem écapaz de experimentar a vibração moral e física que é a fonte da mais deliciosavoluptuosidade; por isso, entrego-me totalmente ao vício. Era ainda muito jovem quandoaprendi a desprezar as fantasias da religião, ficando perfeitamente convencido de que aexistência do criador é um absurdo revoltante, no qual nem as crianças continuam a acreditar.Não preciso de contrariar minhas inclinações para lisonjear um Deus; estes instintos foram-medados pela Natureza, e seria irritá-la se lhes resistisse; se me deu maus instintos, é porqueeram necessários a seus desígnios. Em suas mãos, sou apenas uma máquina que ela dirigecomo quer, e não há um só de meus crimes que a não sirva: quanto mais me incita a cometêlos,mais deles precisa; seria louco se lhe desobedecesse. Assim, nada se interpõe no meucaminho a não ser a lei, mas desafio a lei, meu ouro e meu prestígio conservam-na bem alémdo alcance dos instrumentos vulgares de repressão, que só deveriam ser empregados nostipos comuns".Se alguém levantasse a objeção de que, não obstante, todos os homens possuem idéiasrelativas ao justo e injusto, que só podem ser produto da Natureza, em virtude dessas noçõesserem encontradas em todas as pessoas e mesmo entre os primitivos, o Duque responderiaafirmativa-mente, dizendo que sim, que essas idéias nunca passaram de relativas, que osfortes sempre consideraram excessivamente justo o que os fracos consideram flagrantementeinjusto, e que bastaria uma inversão de posições para cada um poder mudar também seumodo de pensar; por isso, o Duque concluía que nada é realmente justo a não ser o queprovoca prazer, e o que é injusto é a causa da dor, que quem tira cem luízes do bolso de umhomem faz uma coisa perfeitamente justa para si próprio, embora a vítima do roubo possa vera ação com outros olhos; que, sendo portanto todas essas noções muito arbitrárias, são tolosos que se deixam tornar seus escravos. Era esse o tipo de argumento que o Duque usavapara justificar as suas transgressões, e como era um homem dotado de espírito superior, seusargumentos tinham um toque decisivo. E assim, modelando sua conduta em sua filosofia, oDuque abandonara irrestrita-mente, desde sua meninice, as extravagâncias mais vergonhosase extraordinárias. Seu pai, tendo morrido jovem e deixando-lhe, como indiquei, o controle deuma fortuna enorme, estipulara, no entanto, no testamento, que sua mãe, enquanto viva,deveria desfrutar de uma grande parte desse legado. Tal condição logo desagradou a Blangis:parecendo ser veneno a única maneira de evitar a submissão a essa cláusula, o velhaco logodecidiu usá-lo. Mas, nesse período, dava ainda seus primeiros passos na carreira do vício;não se atrevendo a agir por si própria. chamou uma de suas irmãs, com quem mantinha umaintriga criminosa, para se encarregar da execução, assegurando-lhe que, se obtivesse êxito,providenciaria para que fosse a beneficiária da parte da fortuna de que a morte privaria suamãe. No entanto, a jovem ficou horrorizada com a proposta, e o Duque, vendo talvez que osegredo, confessado no momento errado, o poderia trair, decidiu ato contínuo ampliar seusplanos de modo a incluir a irmã que esperara ter como cúmplice; conduziu as duas mulheres auma de suas propriedades, de onde as infelizes nunca mais voltariam. Nada é maisencorajador do que a impunidade do primeiro crime. Uma vez superado esse obstáculo, umcampo aberto pareceu acenar ao Duque. O veneno era usado imediatamente contra quaisquerpessoas que se opusessem aos seus desígnios. Dos crimes necessários. logo passou aos depuro prazer; foi presa de lamentável loucura que nos leva a achar prazer no sofrimento dosoutros; observou que uma comoção violenta infligida a qualquer espécie de adversário écorrespondida por uma sensação vibrante em nosso próprio sistema nervoso; o efeito destavibração, excitando os espíritos animais que correm dentro das concavidades desses nervos,obriga-os a exercer pressão sobre os nervos eretores e a produzir, de acordo com essaperturbação: aquilo .a que se chama sensação lúbrica. Conseqüentemente, dispos-se acometer roubos e assassinatos em nome do deboche e da libertinagem, do mesmo modo queoutras pessoas, para inflamar essas mesmas paixões. se satisfazem procurando uma ou duasprostitutas. Aos vinte e três anos, o Duque, e três de seus companheiros de vício, a quemdoutrinara na sua filosofia, fizeram uma festa cujo objetivo era depois assaltar uma diligênciapública na estrada, para violentar os homens e as mulheres que nela viajassem, e depois,assassiná-los, fugindo em seguida com o dinheiro das vítimas (de que os conspiradorescertamente não necessitavam) e voltarem os três, naquela mesma noite, para o Baile daópera, a fim de terem um álibi perfeito. Este crime teve lugar ah! sim: duas virgensencantadoras foram violentadas e massacradas nos braços de suas mães; a esse se juntouuma lista interminável de horrores, e ninguém ousou suspeitar do Duque. Cansado da deliciosaesposa que seu pai lhe concedera antes de morrer, o jovem Blangis não perdeu tempo em unirseu espírito ao de sua mãe e sua irmã e de todas as suas outras vitimas. Por que tudo isso?Para poder casar com uma moça rica, desde logo, mas publicamente desonrada e que elesabia muito bem ser amante de seu próprio irmão. A pessoa em questão era a mãe de Aline,uma das personagens da nossa novela que acima mencionamos. Esta segunda esposa, logosacrificada como a primeira, deu lugar a uma terceira, que seguiu os passos da segunda. Eravoz corrente que a enorme compleição do Duque era responsável pela destruição de todas assuas esposas, e como esta história gigantesca correspondia sob todos os aspectos a suainspiração também gigantesca, o Duque deixou que a opinião criasse raízes e encobrisse averdade. 0 pavoroso colosso fazia realmente pensar em Hércules ou num centauro: Blangistinha um metro e oitenta de altura, membros de grande resistência e energia, poderosostendões, nervos elásticos, além de um semblante orgulhoso e masculino, grandes olhosnegros, pestanas bonitas e pretas, nariz aquilino, dentes finos, excelente saúde e exuberância,ombros largos, um peito maciço mas, ao mesmo tempo, uma figura bem proporcionada,quadris esplêndidos, nádegas soberbas, as pernas mais bonitas do mundo, um temperamentode ferro, a força de um cavalo, o membro de um autentico macho, extraordinariamente hirsuto,dotado da capacidade de ejacular seu esperma um sem número de vezes num dia, quandoquisesse, mesmo aos cinqüenta anos, que era a sua idade na época, uma ereção constantedesse membro cujas dimensões eram exatamente trinta centímetros de comprimento por vintede circunferência, e aí está o retrato do Duque de Blangis, desenhado com tanta exatidãocomo se o próprio leitor tivesse empunhado o lápis. Mas, se esta obra prima da natureza eraviolenta nos seus desejos, como seria, meu Deus! quando excitada pela voluptuosidade dabebedeira? Não era mais um homem, era então um tigre raivoso. Coitado de quem estivesseno momento servindo suas paixões; gritos assustadores, blasfêmias atrozes saídas do peitoinchado do Duque, chamas pareciam sair-lhe dos olhos, espumava pela boca, relinchava comoum garanhão, podia tomar-se pelo próprio deus da luxúria. Qualquer que fosse então amaneira de ter o seu prazer, suas mãos, necessariamente perdidas, movimentavam-secontinuamente, e fora visto mais de uma vez estrangulando mulheres até a morte no instantede sua pérfida descarga. Uma vez restabelecida sua presença de espírito, seu frenesi pelasinfâmias a que acabara de entregar-se era imediatamente substituído pela indiferença maiscompleta, e dessa indiferença, dessa espécie de apatia, nasciam quase imediatamente novasfaíscas de lascívia. Quando jovem, o Duque era famoso por chegar a descarregar dezoitovezes por dia, e isso sem parecer mais fatigado na última ejaculação do que na primeira. Seteou oito crises dentro do mesmo intervalo não lhe produziam ainda terror, apesar do seu meioséculo de existência. Durante cerca de vinte e cinco anos acostumara-se a sodomia passiva, eresistira as suas investidas com o mesmo vigor que caracterizava sua maneira de praticá-lasativamente quando, no momento seguinte, lhe agradava inverter os papéis. Uma vez apostouque podia agüentar cinqüenta e cinco investidas num dia, e assim fez. Dotado, comosalientamos, de uma força prodigiosa, necessitava apenas de uma das mãos para violentaruma moça, o que muitas vezes provara. Um dia gabou-se de ser capaz de tirar a vida a umcavalo com suas pernas; montou o animal, e este caiu no momento previsto. Suas proezas amesa ofuscavam, se isso é possível, o que demonstrava na cama. Não é possível imaginar-sea quantidade de comida ,que consumia. Comia regularmente três refeições por dia, todasexcessivamente prolongadas e copiosas, e era normal beber as suas dez garrafas deBorgonha; chegara a beber trinta, e se fosse desafiado, chegaria a casa das cinqüenta; masassumindo sua intoxicação o matiz de suas paixões, e tendo os licores e vinhos aquecido seucérebro, ficava furioso, e eram então obrigados a amarrá-lo. E a despeito de tudo isso, quemacreditaria que uma criança decidida lançaria aquele gigante em pânico; verdade que o espíritoraramente corresponde ao invólucro da carne que o cobre; assim que Blangis descobria quenão podia usar sua perfídia ou deslealdade para eliminar seus inimigos, tornava-se tímido ecovarde, e a simples idéia do menor combate igual levava-o a fugir até ao fim do mundo.Apesar disso, de acordo com o costume, estivera em uma ou duas campanhas, mas saiu-setão mal que se retirou imediatamente do serviço. Justificando sua torpeza com a mesma somade habilidade e arrogância, em altos brados proclamava que em virtude de sua poltronaria nãopassar do desejo de preservar-se, era completa-mente impossível, a qualquer pessoa, em seujuízo perfeito, condená-lo por isso.Tenham-se em mente idênticos traços morais; em seguida, adaptemse os mesmos a umaentidade, do ponto de vista físico, infinitamente inferior a que acabamos de descrever; tem-seentão o retrato do Bispo de..., irmão do Duque de Blangis. A mesma alma negra, a mesmainclinação pelo crime, o mesmo desprezo pela religião, o mesmo ateísmo,mesmo logro evelhacaria, além de uma mente mais lisonjeira e hábil, mais a arte de levar suas vítimas a suadestruição, mas uma figura esguia, nada pesada, um corpo pequeno e magro, saúdepericlitante, nervos muito delicados, um maior enfado na busca do prazer, coragem medíocre,um membro bastante comum, mesmo pequeno, mas profunda-mente hábil no manejo,produzindo tão pouco, de cada vez, que sua imaginação incessantemente o tornava capaz deexperimentar o prazer tão freqüentemente quanto o seu irmão; suas sensações eram de umaagudeza notável, experimentava uma irritação tão prodigiosa, que caía freqüentemente emdesmaios profundos ao descarregar, e perdendo quase sempre a consciência quando o fazia.Tinha quarenta e cinco anos, feições delicadas, olhos bastante atraentes, mas uma bocaindecente e dentes feios, um corpo pálido e desprovido de pelos, uma bunda pequena masbem formada, e um membro de quinze centímetros de comprimento por doze decircunferência. Idólatra da sodomia ativa e passiva, mas eminentemente da última, passara avida sendo enrabado e esse prazer, que nunca exige muito dispêndio de energia, estava maisde acordo com a modéstia de seus meios. Fala-remos de seus outros gostos no momentooportuno. No que respeita aos da mesa, levavaos quase tão longe quanto o Duque, mas comum pouco mais de sensualidade. 0 Monsenhor, não menos criminoso que seu irmão mais velho,possuía características que, sem dúvida, lhe permitiam igualar os celebrados feitos do heróique há pouco descrevemos; basta citar um deles para o leitor ficar sabendo de que é capaz, ese prepara e dispõe a fazer um homem que fez o seguinte:Um de seus amigos, homem poderoso e rico, tivera em tempos uma intriga com umajovem nobre que lhe dera duas crianças, uma menina e um menino. Entretanto, não puderadesposá-la, e a moça casara-se com outro homem. O amante da infeliz moça morreu aindajovem, mas senhor, não obstante, de uma tremenda fortuna; não tendo parentes á prover,ocorreu-lhe legar tudo o que possuía as duas infelizes crianças, fruto daquele caso.No seu leito de morte, confiou ao Bispo suas intenções, e entregoulhe as duas enormesdoações: dividiu a quantia, colocou-a em duas bolsas e deu-as ao Bispo. confiando aeducação dos dois órfãos a esse homem de Deus, e pedindo-lhe para entregar a cada uma, oque era seu, quando atingisse a maioridade. Ao mesmo tempo, estimulou o prelado a investiros fundos dos tutelados, para que entretanto duplicassem o seu valor. Afirmou, também, queera seu desejo deixar a mãe de seus filhos em eterna ignorância quanto ao que por eles fazia,e insistiu em que nada daquilo lhe fosse jamais revelado. Concluídas estas disposições, omoribundo cerrou os olhos, e o Monsenhor, viu-se senhor de cerca de um milhão, em dinheiro,e de duas crianças. 0 patife não demorou muito a deliberar o seu próximo passo: o moribundonão tinha falado com ninguém a não ser com ele, a mãe não devia saber de nada, e ascrianças tinham apenas quatro ou cinco anos de idade. Fez constar que seu amigo, ao expirar,deixara sua fortuna aos pobres; o safado apossou-se dela no mesmo dia. Mas, arruinaraquelas infelizes crianças não era suficiente; de posse da autoridade do pai, o Bispo - quenunca cometia um crime sem imediatamente conceber outro - tirou as crianças do remotopensionário em que estavam sendo educadas, e colocou-as na casa de certas pessoas a seuserviço, tendo logo resolvido fazê-las servir sua pérfida lascívia. Esperou que atingissem ostreze anos de idade; o garoto, foi primeiro; o Bispo po-lo a seu uso, vergou-o a todos os seusdeboches, como o menino era extremamente bonito, brincou com ele uma semana inteira.Mas, com a menina, não foi a mesma coisa; atingiu a idade prescrita, mas era muito feia, fatoque não mitigou a fúria lúbrica do Bispo. Satisfeitos os seus desejos, receou que as crianças,continuando vivas, descobrissem um dia o segredo que lhes interessava. Por isso as conduziua uma propriedade de seu irmão, e certo de recapturar com um novo crime a centelha dadevassidão que o prazer o fizera perder, imolou as duas crianças a suas paixões ferozes, eacompanhou sua morte com episódios tão picantes e cruéis, que a sua voluptuosidaderenasceu no meio dos tormentos de que as rodeou. Infelizmente, a coisa é por demaisconhecida: não há libertino, pelo menos um pouco embebido no vício, que não conheça ainfluência que o assassínio exerce sobre os sentidos, e a voluptuosidade da descarga queprovoca. Trata-se de uma verdade geral da qual o leitor deve ser advertido imediatamente,antes de empreender a leitura de uma obra que vai tentar, sem dúvida, o amplodesenvolvimento deste sistema.Tranqüilo quanto ao que pudesse transpirar, o Monsenhor voltou para Paris parasaborear os frutos de suas atrocidades, e sem o menor arrependimento por ter contrariado asintenções de um homem que, na situação em que estava, não podia derivar dor ou prazer dasmesmas.0 Presidente de Curval era um pilar da sociedade: quase sessenta anos de idade. edesgastado pelo deboche num grau singular, oferecia ao olhar pouco mais que um esqueleto.Era alto. seco, magro. tinha dois olhos azuis baços. urna boca doentia e lívida, queixo salientee um grande nariz. Cabeludo como um sátiro, de costas achatadas, e nádegas que pareciammais uns trapos sujos e caídos nas coxas: a pele dessas nádegas era tão insensível eendurecida, graças a chicotadas, que se podia agarrar e apertar sem que ele tivesse a menorsensação. No centro de tudo aquilo exibia - sem necessidade de afastar aquelas bochechas- um imenso orifício cujo diâmetro enorme, o odor e a cor, mais pareciam as profundezas deuma privada bem carregada, do que um ânus; e, como coroação desses atrativos, contava-seentre as idiossincrasias deste porco sodomita, a de deixar sempre essa parte particular de sipróprio em tal estado de sujeira, que ali se podia observar, a qualquer momento, uma camadade uns bons cinco centímetros de espessura. Debaixo de uma barriga tão enrugada quantolívida e viscosa, percebia-se, no meio de uma floresta de cabelos, um instrumento que, emestado de ereção, podia ter tido cerca de vinte centímetros de comprimento por quinze decircunferência; mas, essa condição tornara-se mais rara e, para atingi-la, era necessáriapreliminarmente uma seqüência furiosa de coisas. Não obstante, o evento ocorria pelo menosduas ou três vezes por semana e, nessas ocasiões, o Presidente deslizavaindiscriminadamente para todos os buracos que encontrava, embora lhe fosse infinitamentemais precioso o de trás dos rapazinhos. A cabeça do dispositivo do Presidente estava sempreexposta, porque se submetera a uma circuncisão, cerimônia que facilita grandemente o prazer,e a qual todas as pessoas amantes do prazer se deveriam submeter. Mas, um dos propósitosdesta operação é fazer com que essas partes fiquem mais limpas; nada disso no caso deCurval: essa sua parte era tão imunda quanto a outra; a cabeça descoberta, naturalmentebastante grossa, para começar, tinha pelo menos uns dois centímetros e meio a mais nacircunferência. Igualmente sujo no resto de sua pessoa, o Presidente, que tinha além dissogostos pelo menos tão odiosos quanto a sua aparência, tornara-se uma figura cujaproximidade um tanto mal cheirosa, não conseguia agradar a todo o mundo. No entanto, seuscolegas não eram absolutamente da espécie que se escandalizasse com tais bagatelas, eevitavam simplesmente discutir a questão com ele. Poucos mortais são tão livres em seucomportamento ou tão debochados quanto o Presidente; mas, inteiramente esgotado,absolutamente embriagado, tudo que lhe restava era a depravação e profligação libidinosa dalibertinagem. Eram necessárias mais de três horas de excessos e dos excessos maisafrontosos para que alguém pudesse ter a esperança de inspirar-lhe uma reação voluptuosa.Quanto a sua emissão, embora em Curval o fenômeno fosse mais freqüente do que a criação,e pudesse ser observado uma vez por dia era, mesmo assim, tão difícil de conseguir, ou nuncaocorria, a não ser como resultado de coisas tão estranhas e muitas, vezes tão cruéis ou tãosujas, que os agentes de seus prazeres não raras vezes renunciavam a luta, desfalecendo, oque lhe originava uma espécie de raiva lúbrica e esta, através de seus efeitos, triunfava, de vezem quando, onde seus esforços falhavam. Curval estava de tal forma atolado no lamaçal dovício e da libertinagem, que lhe era virtualmente impossível pensar ou falar noutra coisa. Tinhapermanentemente na boca as expressões mais aterradoras, do mesmo modo que osdesígnios mais vis em seu coração, e esses, misturava com insuperável energia as blasfêmiase imprecações fornecidas pelo seu verdadeiro horror, sentimento que compartilhava com seuscompanheiros, por tudo que cheirasse a religião. Este desarranjo de espírito, aumentado aindapela intoxicação quase contínua em que gostava de manter-se, dera-lhe, durante os últimosanos, um ar de imbecilidade e prostração que, segundo declarava, lhe provocavam o deleitemais precioso.Nascido tão comilão quanto beberrão, era o único a altura do Duque, e no curso destanarrativa, teremos oportunidade de o observar fazer maravilhas que surpreenderão, semdúvida, os comilões mais inveterados.Fazia dez anos que Curval deixara de desempenhar suas obrigações judiciais; não erasimplesmente questão de não ser mais capaz de as executar, mas creio mesmo que enquantoo foi, lhe devem ter pedido para deixar para sempre esses assuntos.Curval levara uma vida muito libertina, sendo íntimo de todas as espécies de perversão, equem o conhecia pessoalmente tinha fortes suspeitas de que sua vasta fortuna era apenasdevida a dois ou três assassinatos execráveis. Seja como for, é muitíssimo, provável, a luz dahistória que se segue, que essa variedade de extravagância tivesse o condão de o agitarprofundamente, e foi essa aventura, que atraiu certa publicidade infeliz, a responsável pela suaexclusão do Tribunal. Vamos relatar o episódio, a fim de dar ao leitor uma idéia do seu caráter.Nas vizinhanças da residência de Durval, na capital, morava um miserável carregador derua que, pai de uma encantadora menina, era suficientemente ridículo para ser uma pessoa desensibilidade. Tinham já sido recebidas vinte mensagens de todas as espécies contendopropostas relativas a filha do pobre sujeito; ele e a mulher ficaram imperturbáveis, a despeitoda barragem destinada a sua corrupção, e Curval, origem dessas embaixadas, apenas irritadopelo crescente número de recusas que elas tinham evocado, não sabia o que fazer para pôrsuas mãos na moça e para a sujeitar a seus caprichos libidinosos, até que lhe ocorreu quebastava destruir o pai para conduzir a filha a cama. Dois ou três desordeiros, a serviço doPresidente, logo intervieram e antes de um mês, o pobre carregador estava implicado numcrime imaginário que parecia ter sido cometido a sua porta, e que rapidamente o alojou nasmasmorras da Conciergerie. O Presidente, como seria de esperar, logo se ocupou do caso, enão desejando que o mesmo se arrastasse, fez com que, no espaço de três dias, graças asua desonestidade e ao seu ouro, o infeliz carregador fosse condenado a morrer na roda, semter jamais cometido crime algum, além de desejar preservar sua honra e salvaguardar a desua filha.Entretanto, as solicitações foram renovadas. A mãe foi convocada, e foi-lhe explicado quesó ela podia salvar o marido, que, se satisfizesse o Presidente, a coisa mais lógica seria oPresidente arrebatar seu marido ao pavoroso destino que o aguardava. Eram impossíveisnovas hesitações; a mulher informou-se; Curva] conhecia perfeitamente bem a quem ela sedirigia, os conselheiros eram pessoas suas e deram respostas inequívocas: não devia perdernem um minuto. A pobre mulher levou sua própria filha, chorando, aos pés do seu juiz; este nãopodia ter sido mais liberal com suas promessas, nem menos ansioso por cumprir sua palavra.Não só receava que procedendo honrosamente e poupando o marido, o homem fizessebarulho ao descobrir o preço pago para salvar sua vida, como achou ainda, o velhaco, umoutro deleite, um deleite mais agudo, providenciando para que lhe fosse dado o que desejava,sem ser obrigado a retribuir.Este pensamento levou a outros; numerosas possibilidades criminosas entraram em suacabeça, e seu efeito foi aumentar sua pérfida lubricidade. Eis como resolveu a questão, dandoo máximo de infâmia e maldade a cena:Sua mansão dava para um terreno onde as vezes eram executados criminosos em Paris,e em virtude deste delito particular ter sido cometido naquele bairro da cidade, certificou-se deque o castigo seria aplicado nessa determinada praça. A pobre mulher e a filha dodesgraçado, chegaram a casa do Presidente a hora marcada; todas as janelas que davampara a praça estavam cuidadosamente fechadas, de modo que, das dependências onde se iriadivertir com suas vítimas, nada se pudesse ver do que estava acontecendo lá fora.Conhecendo o minuto exato da execução, o malandro escolheu esse momento para deflorar agarotinha agarrada aos braços da mãe, e tudo foi arranjado com tanta felicidade, que Curvalse descarregou na bunda da criança no momento em que seu pai expirava. Mal completara asua proeza exclamou, abrindo uma das janelas que dava para a praça, "venham ver comocumpro minha palavra", e uma das suas duas princesas viu seu pai, e a outra seu marido,entregando a alma ao ferro do carrasco.Ambas desmaiaram, mas Curval tinha previsto tudo: esse colapso foi a sua agonia,ambas tinham sido envenenadas, e não abriram mais os olhos. Apesar das precauções quetomara para ocultar a aventura inteira no mais profundo mistério, alguma coisa transpirou:nada se soube da morte das mulheres, mas houve suspeitas de que fora desonesto quanto aocaso do marido. Seus motivos eram mal conhecidos, e seu afastamento eventual do foro foi aconseqüência. A partir desse momento, não tendo de continuar mantendo as aparências,Curval precipitou-se para um novo oceano de erros e crimes. Por todos os lados procuravavítimas para sacrificar a perversidade de seus gostos. Através de um atroz refinamento decrueldade, refinamento, contudo, muito facilmente compreensível, as classes oprimidas eramaquelas em que mais gostava de arremessar os efeitos de sua perfídia raivosa. Tinha váriosservos na rua, noite e dia, rebuscando mansardas e barracos, atrás daquilo que a miséria maisdestituída pode proporcionar, e, a pretexto de ajuda, envenenava suas presas - o veneno eraum de seus passatempos mais agradáveis - ou atraía-as a sua casa, e as sacrificava no altarde suas perversas preferências. Homens, mulheres, crianças: tudo era combustível para suacólera, e em seu nome cometia excessos que teriam colocado mil vezes sua cabeça entre ocepo e a lâmina, não fosse o ouro que distribuía, e a estima de que desfrutava, fatores pelosquais era protegido mil vezes. Pode bem imaginar-se que tal ser não tinha mais religião queseus dois confrades; sem dúvida a detestava tão soberanamente quanto eles, mas em anosanteriores fizera mais por enfraquecê-la nos outros, porque, quando sua mente era sã, eratambém esperta, e soubera usá-la escrevendo contra a religião; era autor de vários livros cujainfluência era prodigiosa, e esse sucesso, sempre presente em sua memória, constituía aindaum de seus deleites mais caros.Quanto mais multiplicarmos os objetos de nosso prazer6...(a) ...os anos da infância doentia.Durcet tem cinqüenta e três anos; é baixo, pequeno, largo e corpulento; rosto agradável esimpático; pele muito branca: seu corpo, e principalmente os quadris e as nádegas,absolutamente semelhantes aos de uma mulher; sua bunda é viçosa e fresca, bochechuda,firme e com covinhas, mas excessivamente aberta, em virtude do hábito da sodomia; seumembro é extraordinariamente pequeno, mal chega a ter cinco centímetros de circunferência,e não tem mais de dez de comprimento; cessou inteiramente de endurecer; suas descargassão raras e irrequietas, longe de abundantes, e precedidas sempre de espasmos que oarremessam numa espécie de furor o qual, por seu turno, o leva ao crime; tem peito demulher, e uma voz doce e agradável e, quando em sociedade, as melhores maneiras, emborasua mente seja sem dúvida tão depravada quanto a de seus colegas; companheiro de escolado Duque, brincam ainda diariamente um com o outro, e um dos maiores prazeres de Durcet ésentir seu ânus penetrado pelo enorme membro do Duque. E assim, caro leitor, são os quatrovilões em cuja companhia passaremos alguns meses. Fiz o possível por descrevê-los; se,como era meu desejo, tornei conhecidas suas profundezas mais secretas, nada na narrativade suas várias loucuras nos espantará. Não consegui entrar em detalhes minuciosos quanto aseus gostos - fazer isso, agora, seria afetar o valor e prejudicar o esquema fundamentaldesta obra. Mas, a medida que formos progredindo, só é necessário conservar um olharatento em nossos heróis, para se poderem discernir sem dificuldade seus pecadoscaracterísticos e o tipo particular de mania que melhor se adapta a cada um. Tudo quepodemos praticamente dizer, de momento, é que eram geralmente susceptíveis de entusiasmopela sodomia, que os quatro se faziam enrabar regularmente, que todos veneravam traseiros.O Duque, contudo, em virtude da imensidade de sua arma e, sem dúvida mais porcrueldade do que por gosto, fodia ainda bocetas com o maior prazer.E o Presidente também, mas menos freqüentemente.Quanto ao Bispo, o seu desprezo por elas era tal, que a mera vista de uma o deixavaincapaz durante seis meses. Em toda a sua vida só fodera uma, a que pertencia a suacunhada, e expressamente para conseguir um filho com o qual se permitir um dia os prazeresdo incesto; já observamos como o conseguiu.No que diz respeito a Durcet, idolatrava certamente bundas com o mesmo fervor dobispo, mas seu gozo das mesmas era mais acessório; seus ataques favoritos eram dirigidos aum terceiro santuário - mistério que será descoberto mais tarde. Mas prossigamos nosretratos essenciais a compreensão desta obra, e demos agora ao leitor uma idéia das quatroesposas destes dignos maridos.Que contraste! Constance, esposa do Duque e filha de Durcet, era uma mulher alta,esguia, adorável como um quadro, e modelada como se as Graças tivessem tido prazer emembelezá-la, mas a elegância de sua figura, de modo algum diminuía sua frescura, não era porisso menos rechonchudamente carnuda, e as formas mais deliciosas adornadas por uma pelemais clara do que o lírio. induziam muitas vezes na suposição de que fora o próprio Amor oautor de sua formação. Seu rosto era um pouco comprido, seus traços maravilhosamentenobres, havia em seu olhar mais majestade que delicadeza, mais grandeza do que sutileza.Seus olhos eram grandes, pretos e cheios de fogo; sua boca extremamente pequena eornamentada pelos dentes mais bonitos que se podem imaginar, tinha uma língua estreita emacia, do rosa mais adorável, e seu hálito era mais doce que o perfume de uma rosa. Tinhaseios grandes, o peito quase rosado, claro e firme como alabastro. Suas costas torneadas demaneira extraordinária, suas linhas descendo deliciosamente até a bunda mais artística eprecisamente torneada que a Natureza durante muito produzira. Nada podia ser maisperfeitamente redondo, não muito grande, mas firme, branco, com covinhas; e quando estavaaberta, o que costumava surgir era o orifício mais limpo, mais atraente e mais delicado. Umtom do rosa mais tenro sombreava essa bunda, encantador asilo dos prazeres mais doces dalubricidade, mas, Deus meu! não preservou durante muito tempo seus encantos. Quatro. oucinco ataques e o Duque estragou todas aquelas graças, tão rapidamente desapareceram, elogo após o casamento Constance tornou-se a imagem de um bonito lírio a quem atempestade tivesse arrancado as pétalas. Duas coxas redondas e perfeitamente moldadasapoiavam outro templo, com toda a probabilidade menos delicioso, mas oferecendo, a quemtivesse inclinação para ali orar, tantos atrativos que seria em vão que minha caneta os tentassedescrever. Constante era quase virgem quando o Duque a desposou, e seu pai, o únicohomem que a conhecera, deixara, como dizem, esse seu lado perfeitamente intacto. Os maisbonitos cabelos negros - caindo em caracóis naturais até os ombros e chegando quandoassim se desejava, a bonita pele, da mesma cor, que escondia sua voluptuosa bocetazinha -feita para outro adorno que eu seria culpado se omitisse, e emprestava a essa angélicacriatura, de cerca de vinte e dois anos, todos os encantos que a Natureza pode dar a umamulher. A todas essas amenidades Constance acrescentava um espírito razoável e agradável,um espírito mais elevado do que devia ser, considerando a situação de melancolia que odestino lhe concedera, pois esse espírito a deixava sentir todo o seu horror e seria, semdúvida, mais feliz se fosse dotada de percepção menos delicada.Durcet, que a educara mais como cortesã do que como filha, e que se preocupara maisem dar-lhe talentos do que maneiras, nunca conseguira, no entanto, destruir totalmente osprincípios de retidão e de virtude que a Natureza parecia ter tido prazer em gravar em seucoração. Não tinha religião formal, ninguém lhe mencionara alguma vez semelhante coisa, oexercício da crença não era tolerado no lar de seu pai, mas nem tudo isso embotara aquelamodéstia, aquela humildade natural que nada tem a ver com quimeras teológicas e que,quando reside numa alma correta, decente e sensível, é muito difícil de obliterar. Nunca saírada casa de seu pai, e o patife forçavaa, desde os doze anos, a servir seus prazerescrapulosos. Achou um mundo de diferença nos que o Duque com ela se embebeu, seu corpofoi visivelmente alterado por aquelas formidáveis dimensões, e no dia seguinte aquele em queo Duque a espoliou de sua virgindade, sodomisticamente falando, adoeceu perigosamente.Pensou-se que seu reto forra irreparavelmente danificado; mas sua juventude, saúde e algunssalutares remédios locais, logo restauraram o uso daquela avenida proibida ao Duque, e ainfeliz Constance, forçada a acostumar-se aquela tortura diária, e era apenas uma entreoutras, recuperou-se inteiramente e adaptou-se a tudo.Adelaide, esposa de Durcet e filha do Presidente, tinha uma beleza talvez superior a daConstance, mas de espécie inteiramente diferente. Tinha vinte anos, baixa e esguia, deconstrução extremamente leve e delicada, de beleza clássica, os cabelos loiros mais bonitosque se podem imaginar. Um ar interessante, uma aparência de sensibilidade distribuída portoda ela, e acima de tudo, seus traços, davam-lhe a 'qualidade de heroína de romance. Seusolhos extraordinariamente grandes eram azuis, exprimiam ao mesmo tempo ternura edecência; duas sobrancelhas cumpridas mas estreitas e acentuadamente delineadasadornadas por uma testa não muito alta mas de tal encanto nobre, que se podia pensar quefosse o próprio templo da modéstia. Seu nariz, fino, um pouco arrebitado, descia assumindoum contorno quase aquilino; seus lábios inclinados para o fino, eram de um vermelho brilhantee maduro: um pouco grande, sua boca era o único defeito daquela fisionomia celestial, masquando aberta, ali brilhavam trinta e duas pérolas. A Natureza parecia ter semeado no seio derosas. Seu pescoço era um nada comprido, preso de modo singular e, ao que parecia umhábito natural, sua cabeça estava sempre ligeiramente inclinada para o seu ombro direito,especialmente quando prestava atenção ao que se dizia; mas com que graça essainteressante atitude a dotava! Seus seios eram pequenos, muito redondos, muito firmes, bemelevados, mas mal chegavam para encher a mão. Pareciam duas pequenas maçãs que umCupido travesso tivesse roubado do pomar de sua mãe. Seu peito era um pouco estreito, eratambém um peito muito delicado, sua barriga macia como cetim, um pequeno montículo loironão muito guarnecido de cabelos servia de peristilo ao templo em que Vênus parecia incitaruma homenagem. Esse templo era apertado a tal ponto, que era impossível inserir-lhe umdedo sem provocar um grito em Adelaide; não obstante, dois lustros tinham passado desdeque, graças ao Presidente, a pobre criança deixara de ser virgem, nesse lugar, ou na deliciosaparte que nos falta esboçar. Oh! que atrações possuía este segundo santuário, que correntena linha de suas costas, que magnificência no corte daquelas nádegas, que brancura tinham, eque estonteante rubor róseo! Mas, no seu todo, era pequeno em tamanho. Delicado em todasas suas linhas, era mais o esboço do que o modelo da beleza, parecia que a Natureza quiseraapenas indicar em Adelaide o que tão majestosamente articulara em Constance. Espreite-seaquele apetecível traseiro e um botão de rosa se oferece ao olhar, e em toda a suaexuberância e no cor-de-rosa mais tenro que a Natureza deseja que se observe; masapertado, minúsculo! Só as custas de trabalhos infinitos o Presidente navegara atravésdaqueles estreitos, e só duas ou três vezes renovara com êxito esses assaltos.Durcet, menos exigente, pouco a afligia sob esse aspecto, mas, desde que se tornarasua esposa, a troco de quantas outras complacências cruéis, com que quantidade de outrasperigosas submissões não fora obrigada a comprar essa pequena gentileza? E, além disso,entregue aos quatro libertinos, como o estava pelo seu consentimento mútuo, quantas outrasprovações cruéis não tivera que sofrer, da espécie que Durcet lhe poupava, e de todas asoutras. Adelaide tinha a mente que seu rosto sugeria, e isso é dizer, uma mente extremamenteromântica, os lugares solitários eram os que preferia, e uma vez nesses lugares, derramavalágrimas involuntárias - lágrimas a que não prestamos suficiente atenção - lágrimasaparentemente rasgadas da Natureza por augúrio. Perdera recentemente uma amiga, umamoça que idolatrava, e esta assustadora perda perseguia constante-mente sua imaginação.Como estava totalmente familiarizada com seu pai, como sabia a que excessos levava seucomportamento louco, estava persuadida de que sua jovem amiga fora presa das vilanias doPresidente, pois nunca conseguira induzir a pessoa desaparecida a conceder-lhe certosprivilégios. A coisa não era improvável. Adelaide imaginava que o mesmo lhe aconteceria umdia; tampouco isso era improvável. O Presidente, na sua opinião, não prestara a mesmaatenção ao problema da religião que Durcet tivera no interesse de Constance, não, permitira onascimento de todo esse disparate, que se fomentasse, supondo que seus escritos ediscursos facilmente o destruiriam. Estava enganado: a religião é o alimento de que vivem asalmas como a de Adelaide. Em vão o Presidente pregara, em vão a fizera ler livros, a moçacontinuava crente, e todas aquelas extravagâncias de que não compartilhava, que odiava, dasquais era vítima, não conseguiram destruir as ilusões que continuavam sendo a felicidade desua vida. Escondia-se para orar a Deus, executava os deveres Cristãos. as escondidas, e erainflexível e severamente castigada pelo pai ou pelo marido, quando surpreendida por um oupor outro.Adelaide tudo sofria pacientemente, plenamente convencida de que o Céu arecompensaria um dia. Seu caráter era tão gentil quanto seu espírito, e sua benevolência, umadas virtudes pela qual seu pai mais a detestava, chegava ao ponto extremo. Curval, a quem aclasse desprezível dos pobres irritava, só pensava em humilhá-la, em deprimi-la ainda mais, ouem extrair vítimas delas; sua generosa filha, por outro lado, renunciaria a suas própriasnecessidades para as conseguir para os pobres, e muitas vezes fora vista roubando para daraos necessitados somas destinadas a seus prazeres. Durcet e o Presidente conseguiram finalmenterepreender e martelar boas maneiras em Adelaide, e libertá-la daquela prática corruptaretendo absolutamente todos os meios com que a pudesse continuar. Adelaide, não tendonada mais além das lágrimas para dar aos pobres, continuou não obstante a derramá-las emsuas aflições, e seu espírito impotente mas firmemente sensível era incapaz de deixar de servirtuoso. Um dia soube que uma pobre mulher ia prostituir sua filha ao Presidente, porque aextrema necessidade a isso a obrigava; o encantado velho patife estava já se preparando paraa espécie de prazer de que mais gostava. Adelaide mandou vender um de seus vestidos eimediatamente fez com que o dinheiro fosse posto nas mãos da mãe; com essa pequena ajudae uma espécie de sermão, desviou a mulher do crime que ia cometer. Ao saber o que sua filhafizera, o Presidente procedeu a tais violências com ela - Adelaide não era ainda casada -que ficou quinze dias de cama; mas de nada adiantou: nada podia deter os ternos impulsosdaquela gentil alma.Julie, esposa do Presidente, filha mais velha do Duque, teria eclipsado as duas mulheresanteriores se não fosse uma coisa que muitos consideram um defeito fundamental, mas quetalvez tivesse por si própria despertado a paixão que Curval tinha por ela, tão verdade é queos efeitos da paixão são imprevisíveis, mais ainda, inconcebíveis, e seu desarranjo, resultadodo desgosto e da saciedade, só pode ser igualado pelos seus vôos irregulares. Julie era alta,bem feita, apesar de muito gorda e carnuda, tinha os olhos castanhos mais bonitos do mundo,um nariz encantador, feições acentuadas e graciosas, os cabelos castanhos mais bonitos, umcorpo claro do volume mais apetecível, uma bunda que podia ter facilmente servido de modeloao que Praxíteles esculpiu, sua boceta era quente, reta, e provocava uma sensação tãoagradável como tal lugar dificilmente consegue; suas pernas eram bonitas, seus pésencantadores, mas tinha a boca pior ornada, os piores dentes, e era por hábito tão suja emtodas as outras partes do corpo, e principalmente nos dois templos de lubricidade, quenenhum ser humano, deixem-me repetir, ninguém, além do Presidente, ele próprio sujeito asmesmas deficiências e indiscutivelmente admirador das mesmas, mais ainda, ninguém, adespeito de seus atrativos, podia suportar Julie. Curval, no entanto, era tarado por ela; seusprazeres mais divinos surgiam quando beijava aquela boca nojenta, beijá-la fazia-o mergulharem delírio, e quando a sua sujeira natural, longe de a censurar por isso, encorajava-a,alimentava-a, e conseguira finalmente acostumá-la a um perfeito divórcio da água. A essesdefeitos, Julie acrescentava alguns outros, mas eram seguramente menos desagradáveis: erauma vasta glutona, tinha inclinação pela bebedeira, pouca virtude, e acredito se o tivessetentado, a prostituição pouco terror lhe teria causado. Educada pelo Duque num abandonototal de princípios e maneiras, adotara a filosofia das prostitutas, e era provavelmente umaestudante capaz de todas as suas doutrinas; mas, através de outro efeito curioso dalibertinagem, muitas vezes acontece que a mulher que compartilha de nossos defeitos nosagrada muito menos em nossos prazeres, do que aquela que só tem virtudes: a primeiraassemelha-se a nós, não a escandalizamos; a outra, fica aterrorizada, e há um encanto muitocerto a mais.A despeito de suas proporções, o Duque brincava com sua filha, mas teve de esperarque ela tivesse quinze anos e, mesmo assim, não conseguiu evitar que Julie fosseconsideravelmente danificada pela aventura, tanto, na realidade, que, ansioso por casá-la, foiforçado a por termo aos prazeres daquela variedade, e a contentar-se com delícias menosperigosas para ela, mas pelo menos tão fatigantes. Julie pouco lucrou com o Presidente, cujomembro, como sabemos, era excessivamente grosso e, além disso, por muito que fosse sujaconsigo própria, não podia de modo algum competir numa imundície de deboche como a quedistinguia o Presidente do Tribunal, seu adorado esposo.Aline, irmã mais jovem de Julie e, na realidade, filha do Bispo, possuía hábitos e defeitos,e um caráter, muito diferentes dos de sua irmã.Era a mais jovem das quatro, acabara de fazer dezoito anos; tinha um rosto atraente,exuberantemente saudável e quase atrevido; um pequeno nariz arrebitado; olhos castanhoscheios de expressão e vivacidade; uma boca deliciosa; a figura mais contornada embora umtanto alta, bem carnuda: a pele um pouco escura mas macia e delicada; a bunda bem no ladoamplo mas bem moldada, o par de nádegas mais voluptuoso que um libertino pode jamaisobservar, o montículo do amor com cabelos castanhos e bonito, a boceta um pouco baixa ou,como dizem, a l'anglaise, mas tão apertada quanto se pode desejar, e quando foi apresentadaa assembléia, era integralmente virgem. E ainda o era na ocasião em que a festa que vamosrelatar começou, e veremos de que maneira sua virgindade foi aniquilada. Quanto aosprimeiros frutos de sua bunda, o Bispo calmamente os vinha colhendo diariamente durante osúltimos oito anos, mas, sem, contudo, despertar em sua filha querida um gosto exagerado poresses exercícios: ela, apesar de seu ar travesso e atrevido, só cooperava por obediência enunca insinuara que compartilhava do menor prazer nas infâmias de que era vítima todos osdias. 0 Bispo deixara-a na mais profunda ignorância, mal sabia ler ou escrever, e não faziaabsolutamente a menor idéia da existência de religião; sua mente era natural, de criança, davarespostas divertidas, gostava de brincar, adorava imenso sua irmã, detestava o Bispo além dequalquer medida, e temia o Duque como se fosse o fogo. No dia do casamento, quando se viunua e rodeada por quatro homens, chorou, e além disso, fez tudo que lhe mandaram, atuandosem prazer e com indiferença. Era sóbria, muito limpa, e não tendo outros defeitos além desua indolência, a despreocupação reinava em todos os seus movimentos e ações, e em toda aparte de sua pessoa, a despeito da vivacidade anunciada por seus olhos brilhantes. Abominavao Presidente quase tanto quanto odiava seu tio, e Durcet, que não a tratava com excesso deconsideração, parecia ser, não obstante, o único por quem não parecia ter repugnância.São estes, portanto, os oito personagens em cuja companhia vamos permitir que o bomleitor viva. É chegado o momento de divulgar o objeto dos singulares prazeres que sepropuseram.Entre os autênticos libertinos, é geralmente aceito que as sensações comunicadas pelosórgãos da audição são as mais lisonjeiras, e nas quais as impressões são as mais vivas; comoconseqüência, nossos quatro vilões, dotados de uma mente que fazia com que avoluptuosidade se implantasse no próprio núcleo de seus seres, tão profunda eesmagadoramente quanto pudesse penetrar, tinham, para isso, engendrado uma coisarealmente inteligente.Trata-se do seguinte: depois de se terem embebido em tudo que melhor pudessesatisfazer seus sentidos através da lascívia, depois de terem estabelecido essa situação, oplano devia descrever-lhes, no maior detalhe e na devida ordem, todas as extravagâncias dodeboche, todas as suas divagações, todas as suas ramificações, todas as suas contingências,tudo que se denomina em linguagem libertina, as suas paixões. Não se pode, simplesmente,conceber o grau em que o homem as varia quando sua imaginação se inflama; as diferençasentre os homens criadas por todas as suas outras manias, por todos seus outros gostos,podem ser excessivas, mas neste caso, são ainda mais, e quem conseguir isolar e categorizare detalhar essas loucuras, talvez execute um dos trabalhos mais esplêndidos que se podefazer sobre maneiras, e talvez um dos mais interessantes. Seria assim uma questão de acharalguns indivíduos capazes de contar todos esses excessos, de os analisar depois, de osprolongar, esmiuçar, graduar e englobar numa história que proporcionasse coerência edivertimento. Tal foi a decisão adotada. Após inúmeras investigações e inquéritos, localizaramquatro mulheres que tinham atingido as culminâncias - isso era necessário, no caso, aexperiência era a coisa fundamental - quatro mulheres, dizia eu, que, tendo gasto suas vidasno deboche mais furioso, tinham chegado a um estado em que podiam proporcionar um relatoexato de todas essas questões: e, como tinha havido o cuidado de selecionar quatro pessoasdotadas de uma certa eloqüência e um certo espírito, depois de muitas discussões, registros edisposições, as quatro estavam prontas a inserir, cada uma nas aventuras de sua vida, todasas mais extraordinárias fantasias do deboche, e a fazê-lo numa ordem e ritmo tais, que aprimeira, por exemplo, desenvolveria na narrativa das atividades de sua vida as cento ecinqüenta paixões simples e os desvios menos esotéricos ou mais comuns; a segunda, dentroda mesma estrutura, um número igual de paixões mais invulgares envolvendo um ou maishomens com uma ou várias mulheres; a terceira, devia também introduzir em sua narraçãocento e cinqüenta caprichos dos mais criminosos e os que mais ultrajassem as leis daNatureza e da religião; e como todos esses excessos levam ao assassinato e esses crimescometidos através da libertinagem são infinitamente vários e são igualmente tão numerososcomo as ocasiões em que a imaginação inflamada dos libertinos adota diferentes torturas, aquarta devia adornar os eventos de sua vida com um meticuloso relato de cento e cinqüentaexemplos diversos dos mesmos. Entretanto, os nossos libertinos, rodeados, como indiquei nocomeço, de suas esposas e de outros objetos de todas as espécies, deviam prestar estreitaobediência, ser mentalmente aquecidos, e deviam acabar por extinguir, mediante suas esposasou os outros vários objetos, a conflagração que as contadoras de histórias tivessemincendiado. Não há certamente coisa mais voluptuosa neste projeto do que a maneira luxuosacomo foi executado, e é essa maneira e as diversas recitações, que compõem a presenteobra; pelo que, depois do que já se disse, aconselho os modestos em excesso a porem meulivro imediata-mente de lado, se não querem ficar escandalizados, pois é já claro que emnosso plano não há muito de castidade, e desde já assumimos a responsabilidade de que emsua execução ainda há menos. Em virtude das quatro atrizes de que vimos falandodesempenharem um papel essencial nestas memórias, acreditamos, mesmo que tenhamos depedir por isso perdão do leitor, que é ainda nossa obrigação descrevê-las; elas irão narrar erepresentar: assim sendo, é possível que continuem por conhecer? Elimine-se toda aexpectativa das belezas retratadas, embora houvesse sem dúvida nos planos disposições paraempregar essas quatro criaturas, física e moralmente; seja como for, nem seus encantos ouanos eram fatores decisivos, mas antes seus espíritos e experiências a única coisa quecontava, e com respeito as últimas, nossos amigos não podiam ter possivelmente escolhidomelhor.Madame Duelos, a quem foi confiada a tarefa de relatar as cento e cinqüenta paixõessimples; a mulher que respondia por esse nome tinha quarenta e oito anos de idade, ainda emboas condições e preservando vestígios de beleza; tinha olhos muito bonitos, uma peleexcessivamente branca, e uma das bundas mais esplendidas e rechonchudas que se têm vistopor aí; a boca limpa e fresca, seios soberbos, bonitos cabelos castanhos, uma figura pesadamas nobre, e todo o ar e tom de uma brilhante prostituta. Passara a vida, como veremos, emlugares e em circunstâncias em que fora obrigada a estudar aquilo que vai relatar, e vê-la erarealizar que se devia ter entregue a tarefa com sabedoria e verve, com vontade e interesse.Madame Champville era uma mulher alta de cerca de cinqüenta anos, esguia, bem feita, com aqualidade mais voluptuosa em seu aspecto porte; uma fiel devota de Safo, tinha essa espéciede expressão mesmo em seus menores movimentos, em seus gestos mais simples, nas suaspalavras mais ínfimas. Arruinara-se por causa de moças, e se não fosse essa predileção aque geralmente sacrificava tudo que conseguia ganhar na rua, podia ter uma vida bastanteconfortável. Durante muito tempo pertencera ao serviço público, e nos últimos anos vivia comofornecedora de favores, mas limitava sua clientela a respeitáveis patifes de certa idade; nuncarecebia homens jovens, e essa prudente conduta era lucrativa e muito contribuía para melhorarseus negócios. Fora loira, mas uma cor mais venerável, a da sabedoria, começava a colorirseus cabelos; seus olhos eram ainda excessivamente atraentes, azuis, e continham aexpressão mais agradável. Sua boca era adorável, ainda fresca, não lhe faltando nenhumdente, tinha o peito achatado, mas sua barriga era boa, mas nunca despertara inveja, seumontículo um tanto saliente, e seu clitóris saía uns sete centímetros quando bem aquecido;bastava mexer nessa sua parte para logo ficar em êxtase, e especialmente quando serviço erafeito por uma mulher. Sua bunda era muito mole e gasta pelo uso, inteiramente descaída,enrugada, dilapidada e tão insensibilizada pelos costumes libidinosos que nos explicará aocontar sua história, que se podia fazer tudo que se quisesse sem que ela ali tivesse a menorsensação. Uma coisa estranha e garantidamente rara, acima de tudo em Paris: era tão virgemdesse lado como uma moça saída de um convento, talvez, se não fosse a parte amaldiçoadaque pôs em uso, e pôs em uso com pessoas que só se preocupavam com o extraordinário eque, conseqüentemente, gostavam desse lado, talvez, dizia eu, se não fosse essa parte, essasingular virgindade pudesse ter perecido com ela.Madame Martaine, uma impotente matrona de cinqüenta e dois anos, muito bemconservada e muito saudável, e dotada das nádegas maiores mais bonitas que se podemdesejar, era exatamente o contrário quanto a aventuras. Devotara a sua vida ao debochesodomítico, e estava tão bem familiarizada com o mesmo que só nele sentia prazer. Umadeformidade natural (fora abençoada por uma obstrução) não permitira que conhecessequalquer outro, entregarase totalmente a essa espécie de prazer, levada ao mesmo pelaincapacidade de fazer qualquer outra coisa pelo hábito precoce, em consideração ao qual seagarrou logo a essa lubricidade, pelo que se dizia ser ainda deliciosa, pronta para enfrentartudo o que surgisse, nada temendo. Os engenhos mais monstruosos não eram nada para ela,de fato eram esses que preferia, e a seqüência de nosso relato irá talvez revelá-la dandoainda sinais valorosos de luta dentro dos padrões de Sodoma, como a mais intrépida de suasdevotas. Seus traços eram graciosos, mas os sinais de languidez e declínio começavam aembotar seus atrativos. e se não fosse a carne que ainda a sustinha, podia ser consideradadesgastada e consumida.Quanto a Madame Desgranges, era o vício e a lascívia em pessoa: alta, magra,cinqüenta e seis anos, pálida e emaciada como um fantasma, olhos embaciados, lábiosmortos. oferecia a imagem do crime pronta a perecer por falta de resistência. Fora em temposmorena, havia quem sustentasse que tivera um corpo bonito: logo depois se tornara um meroesqueleto inspirador apenas de aversão. Sua bunda, murcha, desgastada, marcada,dilacerada, mais parecia papel marmóreo do que pele humana, seu ânus era tão escancarado,saído e rugoso, que as máquinas mais volumosas podiam, sem que desse por isso, penetrá-loa seco. A título de graças complementares, esta generosa atleta Citereana, ferida em várioscombates, não tinha um mamilo e três dedos. Mancava, e não tinha seis dentes e um olho.Podemos talvez saber em que ordem de ataques fora assim maltratada; mas uma coisa écerta: nada do que sofrera a fizera moderar seus modos, e se seu corpo era o retrato dafeiúra, sua alma era o depositório de todos os crimes e vícios mais espantosos: incendiária,parricida, sodomita, tríbade, assassina, envenenadora, culpada de incesto, de estupro, ladra,de abortos e de sacrilégios, pode verdadeiramente afirmar-se que não há um único crime nomundo que essa vilã não tivesse cometido, ou fizesse com que outros cometessem em seunome. Sua atividade era agora de intermediária; era uma das fornecedoras mais fortementeprocuradas, e como a muita experiência acrescentava uma conversa mais ou menosagradável, fora escolhida para ocupar o lugar de quarta narradora, isto é dizer, aquela em cujahistória se combinasse o maior número de infâmias e horrores. Quem melhor do que umacriatura que os tivesse cometido podia desempenhar esse papel?Descobertas essas mulheres, e descobertas sob todos os aspectos como as desejavam,os amigos voltaram suas atenções para os acessórios. Desde o começo que planejavamrodear-se de um grande número de objetos inspiradores de sensualidade, de ambos os sexos,mas quando sua atenção foi chamada para o fato do único lugar em que se podia realizarconvenientemente aquele festival ser o mesmo castelo na Suíça, propriedade de Durcet emque despachara Elvire, quando, dizia eu, foi observado que esse castelo de tamanho apenasmoderado não podia albergar tantos habitantes e, o que é mais, podia ser insensato ouperigoso levar tanta gente, a lista de objetos foi reduzida a trinta e dois ao todo, incluindo asnarradoras: a saber: quatro dessa classe, oito meninas, oito rapazes, oito homens dotados demembros monstruosos para os deleites da sodomia passiva, e quatro criadas. Mas, norecrutamento de tudo isso, houve o maior cuidado; um ano foi devotado a esses detalhes, etambém uma enorme quantia em dinheiro, e foram essas as medidas que adotaram para obteros espécimes mais deliciosos que a França inteira podia oferecer a título de oito meninas:dezesseis inteligentes fornecedoras, cada uma acompanhada de dois subalternos, foramenviadas as dezesseis províncias principais da França, enquanto uma última se ocupava com omesmo trabalho apenas em Paris. Cada uma dessas fornecedoras foi instruída paracomparecer num determinado dia numa das propriedades do Duque, fora de Paris, e todas alideviam comparecer, na mesma semana, exatamente dez meses depois da data de sua partida- foi esse o prazo que lhe foi dado para desenvolver sua atividade. Cada uma devia trazernove objetos, o que faria um total de cento e cinqüenta e três meninas, entre as quais seriamescolhidas apenas oito.As fornecedoras receberam instruções para enfatizarem o berço elevado, as virtudes eas feições mais deliciosas possíveis; deviam conduzir suas pesquisas de modo a conseguiremmaterial principalmente de famílias eminentes, e não deviam trazer nenhuma moça semconseguirem provar que tinha sido subtraída a força de conventos onde estivessem internadasmeninas de qualidade, ou da casa de suas famílias, e de famílias de distinção. Tudo aquilo quenão fosse superior a burguesia e não fosse integralmente virgem e impecavelmente bonito,seria recusado sem piedade; foram colocados espiões para vigiar a atividade dessas mulherese para prestar a sociedade relatos minuciosos e prontos do que estava acontecendo.Para cada objeto adequado encontrado recebiam trinta mil francos, sendo todas asdespesas por conta dos agentes. Os custos foram incríveis. No que respeita a idade, foi fixadaentre doze e quinze anos; a material abaixo ou acima seria sumariamente rejeitado. Ao mesmotempo, em circunstâncias idênticas, com os mesmos meios, e as mesmas despesas,dezessete agentes de sodomia vasculhavam do mesmo modo a capital e as provínciasprocurando rapazinhos, sendo seu comparecimento fixado para um mês depois da seleção dasmeninas. Quanto aos rapazes, a quem a partir de agora nos propomos chamar fodedores, oúnico critério era o tamanho do membro: nada abaixo de vinte e cinco ou vinte e setecentímetros de comprimento, e dezoito ou vinte de circunferência era aceitável. Oito homensse empenharam no reino para satisfazer esta exigência, e foi-lhes marcada uma entrevista ummês depois dos meninos. Embora a maneira como foram feitas e recebidas essas seleçõesnão nos interesse grandemente, talvez não seja impróprio inserir, neste ponto, uma palavrasobre o assunto a fim de revelar ainda mais o gênio de nossos quatro heróis; creio que nadaque sirva para ampliar a compreensão do leitor acerca destas figuras e para lançar luz numafesta tão extraordinária como a que vamos descrever, pode ser considerado irrelevante.Chegado o momento de reunião de todas as meninas, todos convergiram para apropriedade do Duque. Algumas fornecedoras não tinham conseguido completar sua cota denove, outras haviam perdido algumas no caminho, por doença ou fuga, pelo que apenas centoe trinta estavam presentes ao encontro marcado, mas que encantos, meu Deus! não creio quealgum dia se tivessem reunido no mesmo lugar tantos encantos. treze dias foram dedicados aesse exame, e cada dia eram inspecionadas dez. Os quatro amigos formavam um círculo, nomeio do qual colocavam a menina, vestida do mesmo modo que no momento de sua captura; afornecedora responsável recitava a sua história. Quando faltava alguma das condições deberço elevado ou de virtude, a inspeção terminava, a criança era sumariamente rejeitada, semapelo e mandada embora, e a fornecedora perdia tudo que tivesse gasto com ela. Depois,uma vez fornecidos todos os particulares vitais, a fornecedora era convidada a retirar-se, e acriança era interrogada para se determinar se era verdade o que tinha sido afirmado. Se tudoparecia bem, a fornecedora era chamada de novo, e levantava as saias da menina, per trás,de modo a mostrar suas nádegas ao grupo; era a primeira coisa que queriam examinar. 0menor defeito nessa parte era motivo de rejeição imediata; se, pelo contrário, nada ali faltava,a menina recebia ordem para despir-se, ou era despida e, uma vez nua, desfilava cinco ou seisvezes, de um libertino para outro, e era voltada para um lado e para outro, apalpada,examinada nos mínimos detalhes, para se determinar se era nova, se usada, fazendo tudo issofriamente, para que a ilusão dos sentidos não perturbasse qualquer aspecto do exame. Issofeito, a criança era levada, ao lado de seu nome num voto, os examinadores escreviamaprovada ou reprovada, e assinavam; esses votos eram então colocados numa caixa,abstendo-se os eleitores de comunicar sua opinião uns aos outros; examinadas todas asmeninas, a caixa foi aberta: para ser aceita, a moça precisava de ter o nome de nossos quatroamigos a seu favor. A ausência de um nome era suficiente para sua exclusão imediata e, emqualquer caso, inexorável, como já afirmei: as eliminadas foram logo expulsas, para longe, sóse sem guias, a não ser como sucedeu talvez com uma dúzia, com quem os nossos libertinos sedivertiram depois de feita a escolha, e antes de as entregarem as suas fornecedoras.Este turno resultou na exclusão de cinqüenta candidatas, sendo as outras oitentaexaminadas de novo, mas com muito maior rigor e severidade; o mínimo defeito provocavademissão instantânea. Uma delas, adorável como o dia, foi eliminada porque um de seusdentes era um nada maior do que os outros; mais de vinte foram recusadas por seus pais nãopassarem de burgueses. Trinta foram eliminadas neste segundo turno, pelo que restavamapenas cinqüenta. Os amigos resolveram não continuar com o terceiro turno sem primeiro selibertarem de algum esperma através do próprio ministério dessas cinqüenta aspirantes, issopara que estando calmos todos os sentidos, sua escolha pudesse ser mais sólida. Cada um doquarteto se rodeou de uma equipe de doze ou treze crianças; os membros de cada equipeadotaram atitudes variadas, trocaram-se equipes, tudo foi dirigido pelas fornecedoras, e tudofoi executado com tal destreza, houve, numa palavra, tanta lubricidade na coisa, que oesperma voava, as temperaturas baixavam e outras trinta sumiram da corrida. Restavam vinte;isso era ainda uma dúzia a mais. Foram adotados outros expedientes para se conseguircalma, foram empregados todos os meios dos quais supostamente se pode extrair indiferença,mas as vinte continuavam, e como seria possível reduzir um número de criaturas tãomaravilhosamente celestiais que se podia declarar que eram obra de uma divindade? Iguaisem beleza, algo mais tinha de ser descoberto que pudesse pelo menos dar a oito delasalguma superioridade em relação as outras doze, e aquilo que o Presidente então propôs érealmente digno de toda a perturbação da sua mente. Isso não importa; a sugestão foi aceita:tratava-se de descobrir qual delas faria melhor uma coisa que as oito escolhidas seriam muitasvezes obrigadas a fazer. Quatro dias chegaram amplamente para decidir a questão, efinalmente, as doze foram mandadas embora, mas não em branco como no caso das outras;proporcionaram durante uma semana um divertimento completo e exaustivo, e depois foramentregues aos cuidados das fornecedoras que logo passaram a ganhar bom dinheiro com aprostituição de criaturas tão distintas como elas. Quanto as oito vencedoras, foram instaladasnum convento até o dia da partida, e a fim de reservarem até ao período designado o prazerde delas desfrutarem, os quatro colegas não lhes tocaram até então.Não serei temerário ao ponto de tentar descrever essas belezas: eram todas superioresem grau igual: as minhas pinceladas seriam necessariamente monótonas; limito-me a dar seusnomes e a afirmar sob minha palavra que é perfeitamente impossível obter uma idéia de talgrupo de graças, de atrativos, de perfeições, e se a Natureza desejasse dar ao Homem umaidéia daquilo que sua maior e mais sábia arte pode criar, não lhe apresentaria outros modelos.A primeira chamava-se Augustine: tinha quinze anos, filha de um barão do Languedoque,e fora seqüestrada de um convento emMontpellier.A segunda chamava-se Fanny: era filha de um conselheiro do Parlamento da Bretanha efora subtraída do próprio castelo de seu pai. A terceira chamava-se Zelmire: tinha quinze anos,era filha do Conde de Terville que a idolatrava. Levara-a um dia a uma caçada em uma de suaspropriedades em Beauce, e deixara-a sozinha na floresta por um momento, sendo logoseqüestrada. Era filha única, com um dote de quatrocentos mil francos, e casaria no anoseguinte com um nobre. Foi a que mais sofreu e chorou com o horror de sua sorte. A quartachamava-se Sophie: tinha catorze anos e era filha de um grande fidalgo que vivia na suapropriedade de Berry. Foi seqüestrada durante um passeio com sua mãe a qual, tentandodefendê-la, foi arremessada ao rio, onde expirou aos olhos de sua filha.A quinta chamava-se Colombe: era de Paris, filha de um conselheiro parlamentar; tinhatreze anos e fora raptada ao voltar uma noite para o convento, com sua governanta, depois deter ido a um baile de crianças. A governanta foi morta a punhaladas.A sexta chamava-se Hébé: tinha apenas doze anos, filha de um capitão de cavalaria, umnobre que vivia em Orléans. A jovem foi atraída e raptada no convento onde estudava; duasfreiras tinham-se vendido. Não se pode imaginar coisa mais sedutora ou mais doce. A sétimachamava-se Rosette: tinha treze anos e era filha do Tenente-General de Chalon-sur-Saône.Seu pai acabara de morrer, encontrava-se com sua mãe no campo, perto da cidade, e foiraptada diante de seus parentes por agentes disfarçados de ladrões. A última chamava-seMimi ou Michette: tinha doze anos, era filha do Marquês de Sénanges e fora raptada napropriedade de seu pai em Bourbonnais durante um passeio de carruagem que tinha sidoautorizada a dar, na companhia de duas ou três mulheres do castelo. As mulheres foramassassinadas. Pode observar-se que os preparativos dessas loucuras custaram muito dinheiroe muitos crimes; para tais pessoas, a fortuna significa excessivamente pouco, e quanto aocrime, vivia-se então numa época em que não era de modo algum investigado e punido comoagora. Por isso as coisas aconteciam, e tão bem, que não representando as investigaçõesvirtualmente nada, nossos libertinos nunca eram perturbados pelas conseqüências.Aproximava-se o momento de examinar os meninos. Mais fáceis de obter, seu númeroera maior. Os agentes apresentaram cento e cinqüenta, e não será certamente exageroafirmar que igualavam, pelo menos, as meninas, tanto em seus deliciosos rostos como emsuas graças infantis, sua candura, sua inocência, e sua elevada categoria. Trinta mil francoseram pagos por cada um, a mesma quantia paga Pelas meninas, mas os empresários nãoarriscavam nada, porque sendo o jogo mais delicado e mais a gosto de nossos epícuros, foradecidido que nenhum corria risco de perder suas despesas, que embora os rapazes com quemfosse impossível chegar a acordo fossem rejeitados, seriam não obstante de algum modoutilizados, e portanto pagos da mesma maneira.Seu exame foi conduzido como o das moças, foram verificados dez por dia, mas com aprecaução muito sensata um pouco negligenciada com as meninas, com a precaução, dizia eu,de fazer proceder sempre o exame de uma descarga obtida com a ajuda dos dez em exame.Os outros chegaram a ficar meio decididos a banir o Presidente da cerimônia, tão cansadosestavam da depravação de seus gostos; recearam, na seleção das meninas, ser vítimas desua predileção amaldiçoada pela infância e degradação: o Presidente prometeu conter-se, ese manteve sua palavra, não é provável que tenha sido sem dificuldade, porque quando umaimaginação danificada ou doente se acostuma a essa espécie de ultrajes contra o bom gosto ea Natureza, ultrajes que tão grande-mente a lisonjeiam, não é coisa fácil restaurar tais pessoasno caminho da retidão: parece que o desejo de satisfazerem seus apetites, afasta a razão deseu julgamento. Desdenhando o que é verdadeiramente belo, adorando apenas o pavoroso, ospronunciamentos dos desejos correspondem a seus critérios, e o regresso aos sentimentosmais verdadeiros afigura-se-lhes um mal feito aos princípios de que mais lamentariam afastarse.Foram unanimemente aprovadas cem esperanças, e essas decisões tiveram de serreconsideradas cinco vezes para se chegar ao pequeno grupo que se desejava. Três vezesconsecutivas cinqüenta sobreviveram a votação, e então, para reduzir esse número aos oitoestipulados, os jurados foram compelidos a recorrer a medidas invulgares a fim de diminuírem,de algum modo, a atração dos ídolos ainda glamorosos a despeito de tudo que tinhamconseguido fazer com eles. Ocorreu-lhes a idéia de vestir os rapazes de moças: vinte e cincoforam eliminados com esse truque, emprestando ao sexo que veneravam o garbo daquele aque se tinham tornado indiferentes, depreciado o seu valor e arruinado quase toda a ilusão.Mas nada podia alterar a votação dos vinte e cinco restantes. Tudo foi em vão, em vãosalpicaram seu esperma por todos os lados, em vão escreveram seus nomes nos votos nomomento em que gozavam, em vão puseram em uso o expediente adotado com as moças, osvinte e cinco provavam sempre invencíveis, e finalmente concordaram em tirar a sorte. Eis osnomes que deram aos felizes que ficaram, sua idade, nascimento e uma palavra ou duasacerca de suas aventuras; seus retratos? Afirmo: as feições do próprio Cupido não eramseguramente mais delicadas, e os modelos que Albani procurou para escolher as feições deseus anjos divinos devem ter sido certamente inferiores.Zélamir tinha treze anos de idade: era filho único de um fidalgo de Poitou que o educaracom o maior cuidado. Acompanhado por um único criado, fora enviado a Poitiers para visitarum parente; nossos bandidos armaram-lhes uma cilada, chacinaram o criado, e fugiram com acriança.Cupidon tinha a mesma idade: estudava numa escola de La Flèche, e era filho de umfidalgo que morava nas vizinhanças da cidade. Foi armada uma cilada ao rapazinho, foiraptado durante um passeio dos alunos, ao domingo. Era o aluno mais bonito de sua escola.Narcisse tinha doze anos: era Cavaleiro de Malta. Fora raptado em Rouen, onde seu paidesempenhava um honroso posto compatível com sua nobreza; o rapaz estava a caminho doColégio Louis-leGrand, em Paris, quando foi seqüestrado no meio da viagem.Zéphyr, o mais delicioso dos oito, supondo-se que sua beleza excessiva podia permitir apossibilidade de escolha, era de Paris; ali estudava, num famoso internato. Seu pai, um distintooficial, fez tudo que lhe foi possível para recuperar o filho, e fracassou; o dinheiro seduzira odiretor da escola que entregou sete exemplares, dos quais seis foram recusados. Zéphyr pôsa cabeça do Duque as voltas, e o tarado protestou que se fosse preciso pagar um milhão paraenrabar o rapaz pagaria em dinheiro, na hora. Reservou-se a iniciação do rapazinho, a qual lhefoi geralmente concedida. Oh! terna e delicada criança, que desproporção, e que pavorosodestino te estavam reservados!Céladon era filho de um magistrado de Nancy; foi capturado em Lunéville, onde foravisitar uma tia. Acabara de fazer catorze anos. Neste caso foi usada uma moça como isca.Célidon conheceu a moça, e a sem vergonha atraiu-o a armadilha fingindo amor por ele; orapaz deixou-se cair, e foi facilmente seqüestrado.Adonis tinha quinze anos; foi arrebatado em Plessis, onde freqüentava a escola. Era filhode um juiz do Tribunal de Apelação que fez um grande barulho, mas em vão, a captura foi tãobem planejada que ninguém soube. Curval, que era tarado pelo rapaz havia dois anos,conhecera-o na casa do pai, e foi ele quem forneceu os meios e as informações necessáriosao seu deboche. Os outros ficaram grandemente surpreendidos ao acharem um bom gosto tãosensível numa cabeça tão depravada como a de Curval, e este, muito orgulhoso, aproveitou-sedo evento para mostrar a Seus colegas que, como podiam claramente ver, ainda se podiapermitir as vezes um paladar apurado. A criança reconheceu-o e começou a chorar, mas oPresidente consolou-a com a garantia de que seria ele a deflorá-la, e ao mesmo tempo queproferia aquelas palavras confortadoras, esfregava o seu enorme engenho naquelas frágeisnádegas. Curval pediu o rapazinho a assembléia; seu pedido não teve oposição. Hyacinthetinha catorze anos; era filho de um oficial aposentado que vivia numa pequena cidade deChampagne. Adorava caçar e foi seqüestrado no campo, no momento em que seu pai foraimprudente a ponto de o deixar sozinho.Giton tinha doze anos; foi raptado em Versailles no meio dos rapazes dos estábulos doRei. Era filho de um homem de conseqüência de Nivernais, o qual havia apenas seis mesesque o levara para Versailles. Foi muito simplesmente raptado quando passeava sozinho naavenida de Saint-Cloud. Tornara-se a paixão do Bispo, e ao Bispo foi o prêmio decretado.Eram assim as divindades masculinas que nossos libertinos prepararam para sualubricidade; veremos, no seu devido tempo e lugar, o uso que lhes foi destinado. Restavamcento e quarenta súditos, mas enquanto houvera muito discussão a respeito dos oito, nãohouve nenhuma com esta caça: nem um dos candidatos derrotados foi dispensado antes deter servido algum propósito. Nossos libertinos passaram um mês com eles no castelo doDuque. Como estavam em vésperas de partir, como todos os arranjos práticos estavamcompletados, a companhia pouco mais tinha que fazer além de se divertir até o dia da partida.Quando estavam finalmente cheios de seu esporte, acharam uma maneira agradável de selibertarem daquilo que o proporcionara: vendendo os rapazes a um pirata turco, esquema peloqual não haveria vestígios de nenhum deles, e que permitia ainda a recuperação de uma partede seu custo. Foram enviados em pequenos grupos para um lugar perto de Monaco, o turcofoi buscá-los para os levar para a escravidão, sem dúvida um pavoroso destino, mas umdestino que, não obstante, divertiu imenso os nossos vilões.Chegou então o momento de escolher os fodedores. Os que não correspondiam aospadrões, sendo adultos, não eram motivo de embaraço; sendo amadurecidos e homensrazoáveis, bastava pagarlhes o seu incômodo, suas despesas de viagem, e mandá-los paracasa. Os oito peritos que tinham contratado fornecer os fodedores tinham, além disso, muitomenos obstáculos a vencer, uma vez que as especificações eram bastante concretas e ascondições não faziam a menor diferença. Vieram assim cinqüenta a reunião; entre os vintemaiores, foram escolhidos os oito mais jovens e atraentes, e como na seqüência nunca seráfeita praticamente qualquer menção a não ser aos quatro maiores desses oito, limitar-me-ei afalar dos mesmos.Hercule, com um corpo talhado a imagem do deus cujo nome recebera, tinha vinte e seisanos e era dotado de um membro com vinte e um centímetros de circunferência por trinta edois de comprimento. Nunca se viu coisa tão bonita e majestosa; este instrumento estavaquase sempre duro, e apenas com oito descargas podia encher até a borda, segundo ostestes revelaram, uma medida de meio litro; Hercule era também muito delicado, muito doce, etinha um rosto interessante.Antinoüs assim chamado porque tinha, a semelhança do favorito de Hadrian, juntamentecom o membro mais bonito do mundo, a bunda mais voluptuosa, e isso é extremamente raro.Antinoüs brandia um dispositivo que media vinte centímetros de circunferência e vinte e cincode comprimento. Tinha trinta anos, e um rosto digno de seus outros traços.Bum-Cleaver arrastava um taco de formato tão divertido que lhe era quase impossívelexecutar um ataque por trás sem rasgar a bunda da vítima, e daí o nome de que era portador(Clivador de Bundas). A cabeça de seu membro parecia o coração de um boi, tinha vinte e umcentímetros de circunferência; atrás dela, o eixo media apenas vinte, mas era torto e tinha umacurva que rasgava o ânus ao penetrar nele, e esta qualidade, muito preciosa para libertinosgastos como os nossos, tornava-o singularmente disputado.Invictus, assim chamado porque, o que quer que fizesse, sua ereção era perpétua, eradotado de um engenho de vinte e oito centímetros de comprimento por dezenove decircunferência. Membros maiores, com dificuldade em ficarem duros tinham sido recusados emseu benefício, porque Invictus, independentemente do número de descargas produzidas numdia, ficava de membro duro ao menor toque.Os outros quatro tinham, aproximadamente, as mesmas dimensões e formato. Osquarenta e dois candidatos rejeitados proporcionaram entretenimento durante uma quinzena e,depois dos amigos os terem feito dançar a sua música e os terem usado até ao osso, forambem recompensados e mandados embora.Nada restava agora a não ser a escolha das quatro damas de companhia, e esse estágiofinal foi sem dúvida o mais pitoresco. O Presidente não era o único dotado de gostosdepravados; seus três amigos, e especialmente o Duque, estavam um pouco contagiados porsua mania, amaldiçoada, crapulosa e debochada, que leva as pessoas a acharem uma atraçãomaior e mais picante num objeto velho, revoltante e imundo, do que naquilo que a Naturezamais divinamente moldou. A explicação desta fantasia é provavelmente difícil, mas ela existeem muitas pessoas; a desordem da Natureza traz consigo uma espécie de mancha que operano tipo agudo com talvez tanta e até mais força do que em suas belezas mais regulares; estáprovado, além disso, que quando o membro do homem está duro, é o horror, a vilania, oespantoso, que agrada; bem, onde são essas coisas mais enfaticamente presentes do quenos objetos viciados? Se é a coisa imunda que agrada no ato lúbrico, então com certeza quequanto mais suja a coisa for, mais deve agradar, e é sem dúvida muito mais imunda noscorruptos do que nos intactos e perfeitos.Não, quanto a isso não há dúvida. Além disso, a beleza pertence a esfera do simples, docomum, enquanto a feiúra é algo de extraordinário, e não há dúvida de que todas asimaginações ardentes preferem, na lubricidade, o extraordinário ao lugar comum. A beleza e asaúde só nos tocam de maneira simples; a feiúra, a degradação, dão golpes muito maisfortes, a comoção que criam é muito mais resistente, a agitação resultante deve ser por issomais viva; a luz de tudo isto, não deve haver motivo de espanto no fato da imensa multidão daspessoas preferir ter seus prazeres com mulheres velhas, feias e até nojentas, e recusar moçasbonitas e frescas, não há mais motivo de espanto nisso, dizia eu, do que no homem queprefere, para seus passeios, o terreno árido e agreste da montanha, aos monótonos caminhosda planície. Todas estas questões dependem de nossa constituição, de nossos órgãos, damaneira como somos afetados, e não está mais ao nosso alcance mudar nossos gostos aesse respeito, do que alterar a forma de nosso corpo.Seja como for, tal era, como já afirmei, o gosto dominante do Presidente, e para dizer averdade, o gosto que quase predominava em seus três confrades, pois quando chegou omomento de escolher as criadas, suas opiniões foram idênticas, e veremos através dessaescolha, que a mesma comprova a perturbação constitucional e a depravação a queacabamos de aludir.Foram iniciadas as mais minuciosas investigações em Paris; foram finalmente localizadasas quatro criaturas desejadas; por mais repugnantes que seus retratos possam ser, o leitorpermitir-me-á, não obstante, que os desenhe; fazê-lo é essencial ao aspecto das maneirascuja elucidação é um dos principais objetivos desta obra. Maria era o nome da primeira; foracriada de um notório arruaceiro condenado recentemente a morte, sendo o seu castigo ochicote e o ferrete. Tinha cinqüenta e oito anos, não tinha quase cabelo, seu nariz eraretorcido, seus olhos baços e reumosos, sua boca grande e cheia com seus trinta e doisdentes, sim, ali estavam todos, mas eram todos amarelos e como o enxofre; era alta, ossuda,tendo parido catorze filhos, os quais, dizia, estrangulara na sua totalidade com medo que setornassem pessoas decentes. Sua barriga encrespava-se como as ondas do mar, e uma desuas nádegas fora devorada por um abscesso.A segunda era conhecida por Louison; tinha sessenta anos, raquítica, corcunda, cega deum 'cilho e manca, mas tinha uma bunda ótima para a sua idade, e sua pele estava ainda emmuito boas condições. Era perversa como o diabo, e estava sempre pronta a cometerqualquer horror ou extravagância que lhe ordenassem.Thérèse tinha sessenta e dois anos; era alta, magra, parecia um esqueleto, nem umúnico cabelo na cabeça, nem um dente na boca, e dessa abertura de seu corpo exalava umodor capaz de derrubar qualquer circunstante. Sua bunda estava cheia de feridas, e suasnádegas eram tão prodigiosamente frouxas que se podia enrolar sua pele em redor de umabengala; o buraco dessa esplendida bunda parecia a cratera de um vulcão quanto a largura, equanto ao aroma, a fossa de uma privada; em toda a sua vida, Thérèse declarava, nuncalavara sua bunda nem uma vez, por isso temos prova positiva de que a merda de sua infânciaainda ali se encontrava. Quanto a sua vagina, era o receptáculo de tudo que era ímpio, detodos os horrores, um verdadeiro sepulcro cujo fedor era suficiente para provocar desmaios.Tinha um braço retorcido e mancava de uma perna.A quarta chama-se Fanchon; seis vezes fora enforcada em efígie, e não há um únicocrime neste mundo que não tivesse cometido. Tinha sessenta e nove anos, nariz achatado,atarracada e pesada; era estrábica, quase não tinha testa, apenas dois dentes em seuabomaso e a ponto de caírem, erisipelas enfeitavam sua bunda inteira e hemorróidas ciotamanho de punhos saíam de seu ânus, um pavoroso câncer consumia a sua vagina, e uma desuas coxas fora inteiramente queimada. Ficava completamente embriagada três quartas partesdo ano, e nessa condição, sendo o seu estômago muito fraco, vomitava tudo. A despeito dobando de hemorróidas que o adornava, seu ânus era naturalmente tão grande que dele saíampedacinhos e gases, e as vezes outras coisas, sem que desse por isso. Além de atuaremcomo criadas no luxuoso palácio de recreio que os quatro amigos tinham em mente. estasmulheres deviam dar também uma mão em todas as convocações e prestar todos os serviçose ministrasses lúbricos que delas pudessem ser exigidos. Assim que todas essas questõesforam decididas e o verão começou, voltaram seus pensamentos para o transporte dos váriosobjetos que deviam tornar, durante a estada de quatro meses na propriedade de Durcet, suahabitação confortável e agradável. Foram dadas ordens para o transporte para o palácio devastas quantidades de móveis e espelhos, viandas e vinhos e licores de todas as espécies,foram enviados trabalhadores e pouco a pouco os numerosos objetos foram conduzidos aocastelo onde Durcet, que fora na frente, os recebia, alojava e estabelecia, a medida quechegavam.Mas chegou o momento de dar ao leitor uma descrição do famoso templo destinado atantos sacrifícios luxuriosos durante a projetada estação de quatro meses. Deve observar-secom que grande cuidado tinham escolhido um retiro isolado e remoto, como se o silencio, adistância e a quietude, fossem os potentes veículos da libertinagem, como se tudo o queatravés dessas qualidades instila um terror religioso nos sentidos tivesse necessária eevidentemente de emprestar encanto adicional a lascívia. Vamos retratar este retiro não comoem tempos era, mas no estado de embelezamento e da solidão mais perfeita que resultou dosesforços de nossos amigos.Para se atingir o lugar era preciso ir primeiro a Basiléia; naquela cidade atravessava-se oReno, do outro lado do qual a estrada se ia tornando cada vez mais estreita até se ter deabandonar a carruagem. Logo depois se entrava na Floresta Negra, nela se mergulhandocerca de quinze léguas, subia-se uma estrada difícil e tortuosa, coisa que, sem um guia, seriaabsolutamente impraticável. Pouco a pouco ia surgindo um povoado sinistro e feio dequeimadores de carvão e guardas de caça; ali começava a propriedade de Durcet, e opovoado era seu; como a população da pequena aldeia era composta quase inteiramente porladrões ou contrabandistas, Durcet facilmente a favoreceu, e sua primeira ordem aoshabitantes foi proibir-lhes, em quaisquer circunstâncias, a passagem de quem quer que fosse,para o castelo, depois de 1 de novembro, data em que a sociedade inteira nele devia estarreunida. Distribuiu armas pelos seus fiéis vassalos, concedeu-lhes certos favores que de hámuito solicitavam, e a barreira foi baixada. Feito isso, firmemente presas as cancelas,poderemos ver através da descrição que se segue, a dificuldade de acesso a Silling, nome docastelo de Durcet.Depois de passada a aldeia, começava a escalada de uma montanha quase tão altacomo a de São Bernardo, e infinitamente mais difícil de subir, pois a única maneira de atingir ocume, era a pé; não que o caminho fosse proibido a bestas de carga, mas são tais osprecipícios que por todos lados bordejam o caminho muito estreito a seguir, que se corre omaior risco indo montado; seis das mulas usadas para transportar suprimentos e comidapereceram, arrastando dois trabalhadores que pensaram montar as mesmas. São necessáriascinco horas para atingir o topo da montanha, e aí surge outra particularidade extraordinária, aqual, atendendo as precauções tomadas, se tornava uma barreira tão intransponível, que sóos pássaros a venciam: o acidente topográfico a que nos referimos é uma fenda de cerca desessenta metros de largura que divide a crista em duas partes, Norte e Sul, com o resultadode que, depois de se ter subido a montanha, é impossível, sem grande habilidade, voltar paratrás, descendo-a. Durcet unira essas duas partes, entre as quais um precipício de mais detrezentos metros se abria, por uma fina ponte de madeira que foi destruída imediatamenteapós a chegada da última turma, e a partir desse momento, cessou toda a possibilidade decomunicação com o castelo de Silling. Porque, atravessada a ponte, atinge-se uma pequenaplanície de cerca de dois hectares de superfície; a planície é rodeada por todos os lados porpenhascos agrestes que sobem até as nuvens, penhascos que envolvem a planície como umacortina impenetrável. A passagem conhecida por caminho da ponte é portanto a única que sepode descer para se comunicar com a pequena planície; removida ou destruída a ponte, nãohá na terra inteira um único ser, não importa a espécie que se possa imaginar, capaz de atingireste pequeno pedaço de terra.E é no centro deste espaço plano tão bem rodeado, tão solidamente protegido, que seencontra o castelo de Durcet. Um outro muro ainda, de dez metros de altura, o cerca; do outrolado do muro, um fosso cheio de água e extremamente profundo defende a última cerca alta esinuosa; uma estreita e baixa passagem subterrânea conduz finalmente ao grande pátio internoem volta do qual se encontra a parte residencial, muito espaçosa, muito bem mobiliada, graçasaos arranjos concluídos ultimamente; descortina-se uma longa galeria no primeiro andar.Quero observar que a descrição que farei dos apartamentos não corresponde ao que podemter sido em tempos antigos, mas a maneira como foram arranjados e distribuídos de acordocom a concepção comum de nossos libertinos. Da galeria passa-se a um salão de jantar muitoatraente provido de buffets em forma de torres, os quais, comunicando com a cozinha,permitiam que fosse prontamente servida comida quente a companhia, sem a ajuda dequaisquer criados. Deste salão de jantar, pendiam tapeçarias, aquecidas por dispositivosapropriados, e havia otomanas, excelentes poltronas e tudo que agrada aos olhos e éconfortável, passando-se então para a grande sala de estar ou salão, simples, masextremamente quente e equipado com os melhores móveis; comunicando com este salão,encontra-se uma câmara de assembléia destinada as narrações das mulheres. Era, por assimdizer, a arena dos torneios projetados, o lugar dos conclaves lúbricos, e como tinha sidodecorada em conformidade, merece uma descrição especial.Seu formato era semicircular; cavados na parede circular encontravam-se quatro nichoscujas superfícies eras revestidas de grandes espelhos, e cada um era dotado de umaexcelente otomana; esses quatro recessos foram construídos de modo a enfrentarem, todos ocentro do círculo;O diâmetro é formado por um trono, subido um metro e vinte acima do soalho e decostas para a parede reta, e destinado as narradoras; nesta posição, elas estavam não sóbem diante dos quatro nichos destinados a seus auditores, mas, sendo o círculo pequeno,estavam suficientemente perto dos mesmos de modo a garantirem a audição de todas aspalavras que proferissem, pois estavam colocadas como atores num teatro, e a assistênciaem seus nichos achava-se colocada como se estivesse observando um espetáculo numanfiteatro. Degraus desciam do trono, nos quais se deviam sentar os objetos de debochetrazidos para mitigar qualquer irritação sensória provocada pelas recitações; estas diversasbancadas, do mesmo modo que o trono, eram forradas de veludo preto ornado de franjadourada, e os nichos eram decorados com material semelhante e igualmente rico, mas em azulescuro. No fundo de cada nicho havia uma pequena porta que conduzia a uma dependênciaanexa que era usada quando, depois de terem chamado os objetos desejados, dos degraus,preferiam não executar na frente de todos os deleites para que tinham convocado os referidosobjetos. Essas outras dependências eram providas de sofás e todos os outros móveisnecessários a qualquer espécie de impureza. Dos dois lados do trono central, colunas isoladaschegavam até ao teto; essas colunas eram destinadas a agüentar os indivíduos que, porqualquer razão, pudessem merecer corretivo. Todos os instrumentos necessários para oaplicar pendiam dos ganchos fixados nas colunas, e essa vista imponente servia para manter asubordinação tão indispensável a festas desta natureza, subordinação na qual nasce quasetodo o encanto da voluptuosidade nas almas dos perseguidores.Esta sala semicircular dava diretamente para um aposento que formava o final destaparte residencial. Este aposento era uma espécie de boudoir, a prova de som, mas muitoquente por dentro, muito escuro durante o dia, e destinava-se a entrevistas privadas econcursos retirados, ou a certos outros deleites secretos que serão revelados no curso dorelato. Para atingir o outro corpo, era necessário voltar para trás, e uma vez na galeria, no finalda qual era visível uma capela extremamente bonita, entrava-se na ala oposta que completavao circuito do pátio interno. Descobria-se uma esplêndida antecâmara dando para quatrosoberbos aparta-mentos, tendo cada um, um boudoir e sala de banho; esplêndidas camasturcas com dosséis de damasco de três cores, com móveis correspondentes, adornavamessas suítes cujos boudoirs ofereciam tudo que de mais sensual a lubricidade possa imaginar.Essas quatro unidades, excepcionalmente bem aquecidas e confortáveis, destinavam-se aosquatro colegas, que nelas ficavam perfeitamente instalados. Em virtude do protocolo estipularque suas esposas deviam ocupar os mesmos aposentos, não lhes foram destinados quartosseparados.Em cima, o segundo pavimento continha aproximadamente o mesmo número deapartamentos, mas eram divididos de outra maneira; entrava-se, primeiro, de um lado, numvasto quarto contendo oito nichos, cada um dos quais dispondo de uma pequena cama -eram os aposentos das moças, e ao lado, dois pequenos quartos para as mulheres quetomavam conta delas. Mais adiante, dois quartos bonitos haviam sido preparados para duasnarradoras. Dando a volta e caminhando na direção oposta, encontrava-se um quartosemelhante com oito nichos destinados aos rapazes, e ao lado, dois quartos destinados asduenhas que os supervisionavam; e ainda mais dois quartos, também semelhantes, para asoutras duas narradoras. Oito agradáveis quartos, bons como o que se possa imaginar,formavam os aposentos dos fodedores, embora esses indivíduos pouco dormissem em suaspróprias camas. Em baixo, no andar térreo, encontravam-se as cozinhas, e, perto dasmesmas, seis pequenos quartos para as seis pessoas a quem estava confiada a preparaçãode comida: entre estas, contavam-se três cozinheiras conhecidas por sua arte; eram todasmulheres, pois as preferiram aos homens num festival de prazer como aquele, e acho justa adecisão. As cozinheiras eram ajudadas por três robustas criadas de copa, mas nenhuma dasempregadas da cozinha aparecia nas orgias, não era esse o seu propósito, e se as regrasimpostas a esse respeito fossem violadas, isso era apenas porque a libertinagem não sedetém em nada, e a verdadeira maneira de se prolongarem e multiplicarem os desejospróprios é tentar impor limites aos mesmos. Uma dessas serviçais devia cuidar dos numerososanimais levados para o castelo - a exceção das quatro senhoras de idade destinadas aosserviços de casa, não havia outros empregados além das três cozinheiras e suas ajudantes.Mas, a depravação, crueldade, asco, infâmia e todas as paixões antecipadas ouexperimentadas, tinham erigido outro local do qual e uma questão de urgência darmos umesboço, porque as leis essenciais a revelação apropriada de nossa narrativa exigem que agorao retratemos com exatidão.Havia uma pedra fatal, habilmente feita, que se podia erguer por - baixo do degrau doaltar do pequeno templo Cristão que se avistava na galeria; sob essa pedra, observava-seuma escada em espiral, muito estreita e íngreme, cujos trezentos degraus nos podiam levar asentranhas da terra, a uma espécie de masmorra abobadada, isolada por uma tripla porta deferro, c na qual se exibia tudo que a arte mais cruel e a barbaridade mais refinada podeminventar de mais atroz, para paralisar as pessoas com terror, e para proceder a horrores. Eali, que tranqüilidade! a que ponto não podiam os vilões que arrastassem suas vítimas ter acerteza da impunidade! Que podiam recear? Estavam fora da França, numa província segura,nas profundezas de uma floresta desabitada, essa floresta num reduto do qual, em virtude dasmedidas tornadas, só as aves ou o ar se podiam aproximar, e estavam nas profundezas dasentranhas da terra. Ai!, cem vezes ai! a infeliz criatura que no meio de tal abandono seachasse a mercê de um vilão sem lei e sem religião, a quem o crime divertisse, e cujo únicointeresse residisse em suas paixões, que a nada atendesse, a nada obedecesse além dosdecretos imperiosos de seus apetites pérfidos. Não sei o que transpirará nesse pavorosolugar, mas posso dizer, sem prestar a nossa narração um desserviço, que quando foi feita umadescrição da masmorra ao Duque, este reagiu tendo três descargas consecutivas.Estando tudo finalmente pronto, tudo perfeitamente disposto, instalados os súditos, oDuque, o Bispo, Curval e suas esposas, com os quatro fodedores subalternos em suacaravana, partiram (Durcet e sua esposa, juntamente com todos os restantes, já tinhamchegado, como dissemos) e não sem infinita dificuldade, chegaram finalmente ao castelo nanoite de 29 de outubro. Assim que a atravessaram, Durcet fez cortar a ponte. Mas isso não foitudo: depois de inspecionar o lugar, o Duque decidiu que, como todas as provisões seencontravam dentro da fortaleza, e portanto não tinham necessidade de ela sair, era precioso,para prevenir qualquer ataque externo, que pouco havia a recear, e fugas internas, cujaspossibilidades eram praticamente nulas, era necessário, dizia eu, bloquear todas as entradas,todas as passagens que dessem acesso ao castelo, e absolutamente encerrarem-se em seuretiro como numa cidadela assediada, sem deixar a menor entrada ao inimigo, ao desertormenos egresso. A recomendação foi posta em prática, barricaram-se a tal ponto que nãohavia mais vestígios do ponto onde eram as saídas; e então instalaram-se confortavelmente ládentro.Depois de adotadas as disposições que acabamos de citar, os dois dias que restavamaté novembro foram destinados a descanso dos súditos, para que pudessem ter um aspectofresco nas cenas de deboche que logo iriam começar, e durante esse intervalo, nossos amigoselaboraram um código de leis que, quando levado a perfeição e assinado, foi promulgadoaqueles a quem dizia respeito. Antes de prosseguir na questão, é essencial tornar essesartigos de governo conhecidos do leitor o qual, depois da exata descrição que lhe fizemos detudo, só tem agora que seguir a história, ligeira e voluptuosamente, sua mente por nadaimpedida, sua memória não perturbada por intrusões inesperadas.
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Os 120 Dias de Sodoma ou a Escola da Libertinagem
Romance"Aconselho o leitor excessivamente recatado a por meu livro imediatamente de lado, para não ficar escandalizado, pois é já evidente que não há muito de casto em nosso plano, e atrevemo-nos desde já a garantir que o haverá ainda menos na execução...