Capítulo 05

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  Se deliciando com o suco, ela se surpreende ao perceber que está passando a língua obscenamente na borda do copo. Reprimindo aquele ato libidinoso, ela arremessa o copo na mesa com tanta força, que faz com que as senhoras que estão comendo, se desequilibrem em suas cadeiras. Com exceção da que lembra o seu namorado, pelo sorriso e a forma de comer, que tenta abraçar a bandeja, achando que ela tentaria roubar sua comida.
   – Se acalme menina, sei que vocês trabalham muito aqui na minha casa e que a refeição é o seu momento de saborear os prazeres da vida. Não vou pegar sua comida, me satisfiz com a minha.
  Constrangida não somente com seus gestos, mas também com o seu estado. Maria volta a cobrir o rosto e levanta o braço, para que Ana possa auxiliá-la a voltar para os seus aposentos. Porém ao notar a demora em ser atendida, conclui que ela não irá cumprir o que havia prometido. Se vira, olha para longe e percebe que a nora esta conversando com outras pessoas e nem sequer havia dado conta do que tinha acabado de acontecer. – deve ser a convenção dos calçados feios. Amigas de mau gosto como os dela. – Pensa ela, antes de se levantar e lentamente começar a caminhar em direção ao seu quarto.
  Saindo do refeitório, ela busca o corredor dos elevadores, por ser um caminho mais rápido para esconder seu constrangimento, mas logo desiste, por ter que cruzar toda a sala e ser uma possível vítima de olhares mais atentos. Parada de frente a grande escada, se apoia no corrimão do lado direito da escada, dando seu primeiro passo para salvar sua dignidade, até ouvir, naquele momento inoportuno, uma voz muito familiar.
   – Observo a mais bela das rosas, vencendo obstáculos para que o sol possa nela lançar seus raios, fazendo reluzir seu brilho e exalar o mais doce perfume que já se fizera.
  – Todo esse galanteio só pode vir de uma única pessoa. Meu caro amigo Amadeu não poderia ter comparecido em melhor momento. – Diz ela num tom sarcástico.
   – Fico lisonjeado com tanto apreço mademoiselle. – Diz ele sem tomar conhecimento do tom irônico e continua. – vejo certa dificuldade, da minha cara amiga, de alçar o cume dessa enfadonha escada. Vim oferecer meus préstimos.
  – O que fazes por aqui meu amigo? – Pergunta ela, enquanto movimenta o vestido, buscando esconder sua vergonha. – deixe-me adivinhar... Veio jantar novamente?
  – É inegável que a refeição que oferta as suas visitas é de difícil recusa. Mas a priori, apareci para mostrar mais uma de minhas obras ao doutor Luiz.
  – Meu filho está aí?
  – Não!... Fiquei com o mesmo olhar de frustração que o seu. Mas porque não vamos, pelo elevador e evitar todo o martírio dessa via dolorosa? A minha musa aproveita e olha um pouco mais das minhas obras e infla um pouco do ego de seu mais fiel plebeu. O que acha?
  Maria reluta por instantes, mas cede aos galanteios de seu “vassalo”, lhe oferece seu braço esquerdo para que ele lhe dê amparo e caminhe junto a ela.
  – Eis uma informação que me recordo muito bem, minha musa, a de nunca tocar em seu lindo, porém enigmático, braço esquerdo.
  – Considere-se uma pessoa de sorte, pois hoje, tenho muito mais que um simples e podre braço a sua disposição.
  Amadeu entende bem o olhar malicioso, que ela atira sobre ele e imediatamente a pega pelo braço e tenta conduzi-la impacientemente ao elevador, até ser advertido pela mesma.
  – Sou uma senhora de idade, tenha um pouco mais de paciência que tudo vai dar certo.
  O sorriso malicioso de Maria o deixa tímido, mas ao mesmo tempo excitado.   A ansiedade por um momento único com sua musa inspiradora, no qual espera há muito tempo, está prestes a chegar ao fim. Pragueja-se mentalmente por ter esquecido seus pincéis, tintas e telas, para eternizar aquele momento. Mas pensa que com a cabeça e a memoria que tinha, poderia ver todos os detalhes e depois retratá-la com a mais perfeita exatidão. Enquanto Maria sente seu corpo esquentar a cada pequeno aperto, que ele dá em seu braço, no intuito de levá-la mais rápido.
   – O que será que está acontecendo comigo. Eu velha, perdi completamente a noção, não consigo dizer não a toda essa luxúria que me invade. Sou uma senhora, deveria manter o controle, pois não tenho mais idade pra isso. – Então porque será que a cada minuto que passa, meu corpo arde cada vez mais?. – Tenho que parar, não devo continuar com esse flerte sem propósito.
  – Minha musa. – Diz ele interrompendo seus pensamentos. – será que poderei retratar toda beleza que verei, em um belo quadro que lhe darei de presente?
  – Poderá fazer muito mais do que isso meu lindo pintor. – O que eu acabei de falar!... Nossa!... Tô descontrolada, que falta de pudor é essa? Não posso me entregar a essa luxúria. – Grita consigo internamente, tentando retomar as rédeas de seu corpo.
  – Posso saber onde a senhora está indo? – Pergunta a voz esbaforida.
  – Veja só, se não é a minha nora querida... Já conhece o senhor Amadeu, um gentil senhor e incrível pintor.
  – Nora da minha musa?... É um imenso praz...
  – Tudo bem senhor Amadeu, pode deixar que eu assumo daqui.
Ana tira educadamente o braço dele do braço de Maria e pede gentilmente, porém com o rosto autoritário que o mesmo parta. Intimidado, recua, trêmulo, de cabeça baixa, concorda com a cabeça, se vira e caminha no sentido contrário, mas antes de sair definitivamente do seu campo de visão pergunta para Maria, se ainda vai ser possível à realização de sua maior obra.   Ela lhe oferta um tímido sorriso, acenando positivamente com a cabeça, antes de entrar no elevador sendo conduzida por Ana.
  Observando todo aquele clima entre os dois Ana se pergunta o que teria acontecido na sua ausência, mas prefere ficar apenas no campo da observação.
  – Não me olhe dessa forma julgadora. Só aceitei o auxílio do meu prezado amigo, para não atrapalhar a reunião com suas amigas de péssimo gosto, similar ao seu. – Diz ela com um sorriso debochado estampado no rosto.
  – A senhora esta certa, mas gosto cada um tem o seu, estou certa?
  – Menina! – Exclama ela com o olhar contemplativo. – Há apenas dois tipos o mau e o bom gosto dentro do nosso nicho e vejo que você já escolheu o seu.
  – A senhora não me da uma trégua. – Diz ela com um sorriso de canto de boca, mas segura ao máximo sua consternação. – Não vale a pena. Entoa o mantra entre uma respiração e outra.
  Desembarcam no andar correto, desta vez em silêncio, pelo nítido mau humor de Ana, por causa das provocações e de Maria pelo cansaço mental que tivera durante todo o dia que culminou com ela tendo pensamentos maliciosos com o senhor Amadeu.
  Ela olha para as pinturas na parede, sombreadas pela falta de iluminação que escurecia o ambiente. – que coisa mais linda. Pensa ela enquanto desliza a mão direita, lentamente sobre elas, sentindo os relevos de cada uma. – Como a mente do ser humano e incrível e capaz de reproduzir as mais belas coisas... Ou as piores. – Dizia ela enquanto olhava para seu braço esquerdo. Não acha minha nora?
   Ana a ignora por completo, diz que deve se apressar, pois ainda havia muitas coisas a serem feitas, aponta que dentre elas tinha os seus medicamentos para ministrar. Maria dá os ombros com o ar de soberba, empina o nariz e continua andando em direção ao seu quarto. 
  Minutos depois Maria já está deitada, pronta para dormir, se ajeita na cama enquanto Ana pede para que ela tente ficar parada, para que possa aferir sua pressão mais precisamente. Seus olhos pesam uma tonelada com o sono avassalador que a consume, mas ainda sim, luta para se manter acordada até Ana sair do seu quarto.
  – Pronto! Dona Maria sua pressão esta um pouco acima do normal. Dia ruim?
Ela acena negativamente com um leve sorriso no rosto, mas nada disse.
  – Bem. Tome esse remédio e vá dormir que vai ficar tudo certo.
  – Ana, você sabe dizer quando é que meu filho volta? – Pergunta ela com a voz embargada e quase indecifrável no meio de um longo bocejo.
  Antes que Ana possa responder qualquer coisa, fecha os olhos e cai num sono profundo. Ana se levanta vagarosamente e com passos miúdos, se retira do quarto. Fecha a porta atrás de si, dando o dia como terminado. Passa uma pequena toalha azul, com seu nome bordado nela, em seu rosto, enxugando o suor que escorre pela sua testa. Passa pela porta, acena para o segurança o desejando boa noite e some nas sombras.
  Dentro do quarto, sentindo seu corpo em um mergulho eterno no colchão, um sorriso emergia no rosto de Maria. Sua memória recriava imagens fragmentadas de bons momentos que passou desde o descobrimento de sua gravidez. Via sempre a imagem de Felipe ao seu lado, fazendo promessas de que seria o melhor tio do mundo, cheio de sorrisos e mimos, já pensando, mesmo sem saber o sexo da criança que vinha, em comprar centenas de coisas, como roupas, berços e brinquedos, para cada etapa de sua vida até a adolescência. Maria pedia para que ele controlasse sua ansiedade, pois ela estava ainda no período mais instável. –   O segundo mês, é perigoso, não sabemos se vai vingar. – Dizia ela sem muito ânimo, por não acreditar em exames de farmácia.
  O primo ansioso pela noticia e por ser o primeiro a saber, não pensou duas vezes em pegar o telefone e buscar na Internet por um obstetra próximo que pudesse remover aquela dúvida de uma vez por todas. – Vamos confirmar isso logo amore, pois já que não posso ser papai, serei a melhor titia de toda a história.
  Maria sorriu meio sem jeito, porém só aceitou fazer o exame se ele prometesse guardar aquele segredo a sete chaves. Nem o pai deveria saber até que o resultado desse positivo. Felipe concordou muito contrariado, por não poder compartilhar a felicidade da notícia com o próprio pai e em menos de quinze minutos através do celular, achou um especialista próximo, marcando a consulta para o dia seguinte.
  Pablo estranhou por ela ter faltado o curso e ter se mantido incomunicável por todo o dia. Pensava se teria ocorrido algum problema com seus tios ou algum tipo de acidente. Explicou a ela, quando a noite, por preocupação, ele bateu na porta do seu quarto.
  A notícia foi dada, por Felipe assim que ele entrou no quarto e fechou a porta, Maria, acenava positivamente com a cabeça, conformando tudo o que o primo dizia. Abalado com a surpresa de ser pai, com a pouca idade que tinha. Sentou e perguntou se eles não tinham algo forte para beber.   Parecendo querer empurrar aquela informação goela abaixo. Maria foi rapidamente ao bar de seu tio que ficava na sala de estar, pegou uma dose extra de uísque e soltou em suas mãos, que mesmo trêmulas, não demoraram a levar a boca, que num só gole ingeriu todo o líquido, que descia queimando e esquentando todo seu peito.
  Após seu pai saber sobre a paternidade e também por contestar muito a mesma, ele aos poucos foi se afastando. Até que no quinto mês de gravidez, já não se fazia fisicamente presente, falava só por aplicativos de conversas e raramente por telefonemas. Maria orgulhosa, por sua vez, se prendeu nos cuidados que Felipe lhe dava. Mas sempre que seu primo citava o nome de Pablo, ela, acreditando que aquela atitude não partia dele e sim de seu pai, ia a seu favor, dizendo que sua cabeça estava sendo envenenada contra ela e seu filho.
  – Amore, pra mim ele tá usando esse argumento pra fugir da raia. Mas não liga não. Essa criança vai ser a minha filha.
  – Você faria isso por mim? ... Mas o que as pessoas iriam pensar? Primo transando com primo. – Dizia ela rindo, porém demonstrando um pouco de preocupação.
  – Amore, não tô nem aí pro que dizem o importante é fazer meu sobrinho à pessoa mais feliz do mundo. E como não vou nunca ser pai pelos modos tradicionais, posso tentar por esse. – Dizia ele sorrindo e fazendo a prima sorrir.
  Meses se passaram, até ele sumir por completo. Sem ligar e sem atender qualquer tipo de tentativa de contato. Não o encontrou no curso durante todo o resto do período, em que ele ficou incomunicável. Até ceder a pressão de Felipe, em ir à sua casa, cobrar uma posição de pai da parte dele. Maria já com a barriga de sete meses e meio, pediu para que o porteiro da casa, que ficava há cinco quarteirões dali, o chamasse, quando foi notificada que o mesmo junto com o pai havia se mudado a negócios para a Europa e que ficariam lá, por um período de três anos ou mais.
  Seu mundo foi ao chão, mas naquele momento, olhando no fundo dos olhos do primo e com o porteiro de testemunha. Com o rosto vazio de sentimentos, prometeu que aquela atitude não iria ficar barata.
  Suas memórias a levaram para um lugar escuro, onde não se via nada para lado nenhum, deixando sua respiração ofegante e os batimentos acelerados. Quando num instante aparece uma imensa bola de fogo ao seu lado esquerdo. A grande luz amarelada e incandescente tomava conta de todo o quarto e queimava seu corpo, enquanto a fumaça que saía de lá a deixava zonza a ponto de desmaiar. A escuridão voltou a tomar conta e desta vez trouxe a calmaria, tirando daquele ambiente dorido e a arremessando para um futuro muito distante. Com o seu filho sentado a sua frente, olhando inquisitivamente, os olhos por trás das grossas lentes dos óculos, lhe fazendo perguntas tão pessoais que a machucavam muito, deixando claro o desamor que ele tinha por ela. Mas mesmo assim, ela olhava para ele, com o orgulho de ter conseguido criar e fazer dele um homem realizado, casado e com filhos.
  – Um lindo homem e um filho dedicado. Espero que um dia possa me perdoar pela falta de seu pai. Via-se, falando com ele no seu sonho.   Enquanto ele negava tudo o que ela afirmava. tentava em vão se aproximar dele, pois ele se esquivava, permitindo somente leves toques em sua mão.
  Sendo lançada mais uma vez na escuridão, um misto de felicidade e tristeza a rodeava, até ouvir um estalo no seu lado direito, uma luz forte entrava pelas brechas da porta, enquanto ela se abria lentamente. Mas a luz ofuscava sua visão de tal forma, que só conseguia ver sombras vindas em sua direção. Só depois de forçar bastante a vista, pode ver duas pequenas sombras correndo. Naquele momento a alegria voltava a tomar conta de tudo. Seus tesouros, suas netas haviam chegado à sua vida, ao contrário do filho, faziam de tudo para ficar ao lado dela. Maria as considerava a maior alegria de sua vida, depois do nascimento de seu filho.
  Lembrava-se das poucas vezes que dormiu com elas em seus braços, à noite enquanto contava histórias das mais diversas. – Mas de repente pararam de vir à noite. Pensava ela, que provavelmente, os motivos seriam os estudos, pois já estavam na idade de irem para a escola. Maria dormiu naquela noite com a lembrança gostosa de ter suas netas dormindo ao seu lado, deixando sua noite menos fria e solitária.
  Os dias passavam rapidamente, para que na chegada da noite ela pudesse aproveitar mais daquela memória que lhe deixava feliz e a fazia dormir melhor. Contava a chegada do dia em que poderia vê-las novamente. Já que seu pai passou a  permitir somente a visita, uma única vez na semana

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