Capítulo Único

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TINHA TREZE ANOS QUANDO a sentiu pela primeira vez. A mulher que a assombrava e que cujo rosto jamais chegou a olhar. Aconteceu numa sexta-feira 13.

O pátio da escola fundamental fervilhava de estudantes. O sol do meio-dia ardia sobre o concreto. Mesmo sob o calor intenso, crianças de diferentes turmas e idades brincavam. Os inspetores sisudos costuravam entre os grupos, atentos a qualquer sinal de que começariam uma balbúrdia.

Ully, acompanhada de algumas colegas de classe, chutava uma velha bola de futebol pelo pátio. O suor escorria pelo rosto corado da menina, grudava a camiseta do uniforme à pele quente das costas. O rabo-de-cavalo balançava a cada gingado do corpo. A mais leve sugestão de brisa amenizava a sensação de se estar numa sauna.

Os pés se moveram, mais rápidos do que quaisquer outros, e chutaram a bola com precisão. Ela subiu mais alto, atravessando todo o pátio num arco perfeito. Ully ergueu o rosto para acompanhar a trajetória, mas precisou afastar os olhos assim que encontrou o sol ardente. Suas colegas de classe se aproximaram, inquietas, indagando-se para onde mandara a bola.

Ully garantiu às amigas que a encontraria. Saiu correndo pelo pátio, seguindo a trajetória que a bola percorrera antes. Deparou-se com o muro da escola; além dele, havia um terreno baldio tomado por um matagal e por acaiacás robustas de copas cheias.

Olhou para trás uma única vez a fim de se assegurar de que não estava sendo observada por um dos inspetores; não estava. Escalou o muro como uma gata, equilibrando-se de cócoras no seu topo por um momento, então saltou. Pousou no terreno sobre as palmas das mãos e os joelhos. Silvou quando percebeu que ganhara um arranhão na perna durante a escalada. O corte sangrava e ardia.

À sombra do muro, Ully vasculhou o vasto terreno atrás da bola. Desviou de pilhas de entulho, pisando com cuidado. Localizou o que procurava sob um velho acaiacá, de ramos desnudos e raízes sobressalentes. Num trecho onde o matagal não crescia e mesmo as flores silvestres não vingavam.

Ully correu até lá, abaixou-se para pegar a bola e constatou, aliviada, num primeiro exame que estava intacta. Preparou-se para ir embora dali, mas o estalido de um galho se partindo deteve-a. Virou-se e, num descuido, pisou em algo, quebrando-o em uma dezena de pedaços sob as solas dos tênis gastos. O som abrupto assustou-a e fê-la derrubar a bola que segurava com um grito.

Ully olhou para baixo e deparou-se com um espelho antigo com moldura de madeira. A superfície suja mostrava uma versão distorcida e quebrada do seu reflexo. Os grandes e assustados olhos azuis fitaram-na de volta. Mordeu o lábio, insegura.

— Sete anos de azar — murmurou para si mesma e voltou a pegar a bola. Nunca fizera o tipo supersticioso. Não seria naquele dia que começaria a acreditar em tolices.

Uma rajada fria de vento balançou os galhos nus do acaiacá, sussurrando neles uma centena de segredos. Ully ergueu o rosto no momento em que uma nuvem cobriu o sol, escurecendo o céu e parte do mundo. Deu um passo adiante, mas se deteve devido à súbita certeza de que não estava mais sozinha.

Não Olhe Para TrásOnde histórias criam vida. Descubra agora