Tudo começou por causa do açúcar. Ele geralmente contava uns vinte centavos na conta, mas a garçonete estava distraída e esqueceu. O homem, que também não estava prestando atenção em muita coisa, aceitou as moedas e saiu.
Abriu a porta de casa, sem ao menos pensar em fechá-la algum dia, e observou aquele apartamento. Exceto pelo cheiro repugnantemente forte de maconha e café, tudo estava do mesmo jeito de quando ela chutou aquelas revistas de Economia no chão, derrubou com a mala aquele prato caro da sua bisavó e partiu seu coração em mil pedaços ao se despedir.
Deu dois passos e, dessa vez, dedicou sua atenção totalmente ao sofá. Ainda tinha aquela marca de brigadeiro de algum filme que assistiram juntos e a almofada rasgada da noite em que fizeram a primeira de muitas guerras de travesseiros.
Apoiou seu pé no braço do sofá e sentou-se no parapeito da janela, vendo o grande fluxo de pessoas diminuir à medida que o próprio céu se tornava negro e as vozes do Vento e do Tempo ficavam cada vez mais fortes, gritando em seus ouvidos que aquela não era, não podia ser a única saída! Que ele largasse aquele cigarro e ouvisse a música da qual tanto gostava.
Que as luzes se acendiam lá fora. Que haviam pessoas sorrindo. Que ele poderia ser uma delas. Que tudo ficaria bem de uma forma ou de outra, porque nada é para sempre e tudo está em constante transformação. Que, se ele acreditasse muito nisso e reunisse muita força de coragem, essas coisas boas iriam finalmente acontecer.
Porém, o homem ignorou os conselhos dos sábios Vento e Tempo, gritando para si mesmo que eram apenas baboseiras daquela gente boba e feliz que nunca teve nenhuma decepção na vida, já que essa parecia ser a única explicação para a existência do otimismo naquele mundo miserável. Ajeitou sua postura e começou a inclinar-se para frente, pronto para pular, embora ainda não sentisse a tão falada sensação de liberdade das cartas de suicidas que havia lido.
Foi quando ouviu um som estranho. O de moedas batendo.
Estavam no bolso traseiro de sua calça, e ele tentou não dar muita atenção enquanto ficava tonto ao olhar demais para baixo. Havia esquecido seu medo de altura por alguns instantes, mas agora ele havia retornado com força total.
Aproveitando o escape, mas sentindo-se verdadeiramente incomodado, decidiu que não poderia morrer com aquela dívida. Sabia o quanto o pequeno café que frequentava diariamente desde que ela o deixara era rigoroso com os funcionários. Uma moeda a menos no caixa, por conta de um troco mal calculado, certamente causaria uma demissão para a moça que o atendera.
Não queria ser o culpado disso.
Não queria ter sido o culpado de muitas coisas.
Decidiu, então, retornar ao local na manhã seguinte e devolver aquele dinheiro que provavelmente estava fazendo falta. Desceu do parapeito e tirou as moedas do bolso, colocando-as ao lado do que lembrou ser o seu disco preferido na adolescência.
O Vento, que o observava quieto, aproximou-se devagar. Colocou a mão em seu ombro e sussurrou bem baixinho:
― Por que não?
Fitou as cortinas, notando que aquele era o seu horário preferido do dia, pois gostava de como a iluminação das ruas entrava timidamente pela janela. Também se lembrou do tapete antigo, mas muito gasto depois de todas as festas que dera.
Então pensou:
"Por que não?"
Foi uma das melhores noites da sua vida. Havia tentado preparar uma das receitas mais fáceis do livro de receitas da família, quase incendiando sua casa; espantar mosquitos com um repelente caseiro – que funcionou nas primeiras três horas – e havia dançado. Muito. Seu corpo parecia consumido por um tipo diferente de energia, aquela que o fazia querer gritar (ele gritou) e subir pelas paredes (ele se machucou).
No dia seguinte, quando acordou, percebeu que o Tempo estava acariciando sua cabeça, fazendo um leve carinho e sendo muito generoso: não era tão tarde, mas conseguira despertar a tempo suficiente para devolver o troco à garçonete.
Entrou no estabelecimento e instantaneamente sentiu o estômago revirar com o cheiro de café fresco e bem coado. Sentou-se na mesa mais próxima e passou cerca de dez minutos apenas observando a moça andar para lá e para cá, atendendo a todos com seu sorriso brilhante.
Lembrou-se de todas as vezes que ela escutara suas lamúrias. Quando ouvia sobre as brigas que tinha com a ex-parceira, sobre como pareciam ter nascido um para o outro e o quanto doía perceber que não.
Mas ele também lembrou como os olhos dela eram verdes e pareciam ver algo extremamente interessante a todo o momento. E como seus lábios ficavam ainda mais bonitos quando ela os esticava em um sorriso ao lhe entregar uma cestinha de pães.
O homem sorriu.
O Vento e o Tempo, que estavam sentados ao seu lado, também.
Pegou um guardanapo da mesa e uma caneta que carregava para todo lado. E as moedas, claro. Colocou-as do lado do pote de açúcar.
Sorriu de novo.
E no papel escreveu três palavras.
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açúcar (e moedas)
Romanceele só queria morrer, mas, no fim das contas, aquele pouquinho de doçura na sua vida tão amarga acabou estragando tudo.