A Travessia

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"Se você tivesse só um desejo, o que pediria?"

Daphne sabia sua resposta: Atravessar.

Ela já estava há tanto tempo naquele labirinto que não se lembrava mais de como eram as cores lá fora. Ou a sensação do sol no seu rosto. E tinha o sentimento de que quanto mais andava, mais distante estava da saída.

Pedir por ajuda estava além da sua condição: Aquela era uma estrada que ela perseguia sozinha.

O cenário era o pior possível: Lá dentro era como se sempre chovesse e seu grande relógio dourado badalava o tempo, marcando uma caminhada que nunca chegava ao fim.

As vezes, ela desistia. Não era sempre que acordava disposta a sentir a adrenalina fazer seu coração bater no céu da boca.

Quando entrou no labirinto pela primeira vez, ela não sabia o que significava. Lembrava da dor, do suor, do pânico crescendo na garganta, a paralisia.

Pior que a morte.

Hoje, ela caminhava com toda a pressa que podia, esbarrando nas esquinas, refazendo os caminhos, torcendo para que quando chegasse ao final, dessa vez fosse diferente. Que houvesse uma porta e ela fosse capaz de abri-la.

O relógio tocou de novo, um aviso.

Ela correu.

Podia sentir o aperto surgindo no peito, a falta de ar, o suor escorrendo no rosto, a tontura insuportável. Mas não ia parar. Não dessa vez.

Daphne sabia que estava perto porque nunca havia estado ali antes. Não chovia mais. Agora eram só o céu azul e o vento, seus cabelos voando para trás enquanto ela subia na passarela.

"Um passo de cada vez e eu estarei segura."

O caminho de ferro se erguia muito alto, no topo do céu.

"Se eu olhar para baixo, estarei perdida."

Ela tinha muito medo de altura, mas nada era pior que o labirinto. Se aquela era a única saída, então ela iria.

De olhos fechados, Daphne não viu quando o caminho acabou. Só precisava dar mais um passo agora.

Ela levou alguns minutos antes de decidir pular em direção a porta. Já sabia viver com o medo, mas saberia lidar com o que estaria ali atrás?

Pulou, antes de desistir. Rodou a maçaneta, mas a porta não abria. Chutou, arranhou, gritou, a voz fugindo, as unhas em carne viva.

Não abria. Não abria. Não abria.

- Daphne? Daphne?!

Ela olhou ao redor, tremendo e suando frio. Seu apartamento parecia enorme, confortável, quente e seguro. Estava parada em frente a porta aberta, estática, mirando os pés.

Sua irmã a olhava com carinho, mas com a mesma expressão de preocupação e pena que tinha todas as vezes que Daphne não conseguia passar pela porta de casa.

Daphne olhou com pesar para irmã, como se todas as forças das quais esteve fugindo pelos últimos minutos finalmente a tivessem pego.

- Desculpe, Laura. Eu não consigo ir.

Ela fechou a porta antes da resposta. Laura insistiria, mas ela conhecia seus limites. Só de pensar em passar por todo aquele terror do novo, apenas cogitar ir para rua era impossível. Sentada no sofá, em frente a janela, ela conseguia ver as luzes, as pessoas e imaginar o som e o tom que eles tinham. Em segurança.

Olhou para o relógio dourado em cima da mesa, seu calendário todo rabiscado. Por quanto tempo mais ela contaria os dias, sem conseguir sair daquela prisão invisível? Já faziam oito meses agora.

A Travessia (Conto).Where stories live. Discover now