Era prostituta. Na verdade, depois que conheceu Lautrec preferia ser chamada de cortesã. Foi numa dessas revistas parciais que você acha em consultórios médicos – publicaram algo sobre o pintor e ela, sem nada melhor para fazer, leu. Apaixonou-se pela boemia romântica, por La Goulue, pelo Moulin Rouge e acabou por descobrir a arte. Seu cubículo no bordel foi, aos poucos, enchendo-se de reproduções em papel presas em molduras baratas, mas sua cabecinha Louro Médio nº 70 voava livre entre as sedas e plumas de sua imaginação.
Começara cedo no emprego. Abandonara o ensino médio por falta de interesse e viera para a capital em busca de algo que a pudesse surpreender. Não há de se negar que já lhe passasse pelas idéias seguir a tal profissão. Não encontrara exatamente o que fantasiava, mas era melhor que suas outras opções.
De fato, não era um bordel ruim - a cafetina tinha contatos interessantes e elas eram relativamente bem pagas. Uma casinha discreta de design sessentista, janelas pintadas periodicamente de branco, varanda com caquinhos de azulejo e algumas samambaias flutuando à altura da cabeça. A senhora que atendia o carteiro tinha as sobrancelhas depiladas dando-lhe um ar severo, completado pela boca fina e bem desenhada com delineador. Tinha cabelos à Chanel endurecidos com laquê e usava grandes óculos de sol com lentes fumé.
As garotas eram personas bem diversas. A que mais gostava – sua amiga, cabeleireira e confidente – era um tipinho falante, de voz aguda e grandes olhos azuis, que eram seu maior orgulho. Nasceu Mariângela, mas preferia Suzy. Tinha um corpo mignon e adorava lingerie vermelha, que, na pele muito bronzeada, criava o efeito que comumente se atribui à sua profissão. Havia várias outras, de várias idades, compleições e temperamentos, mas provavelmente nenhuma capaz de arrancar um pensamento que fosse de algum cliente.
Quanto a eles – os clientes – eram ainda mais diversos. Haviam garotos que guardavam seus centavos para um pouco de sexo fácil, homens comuns em busca de alguma coisa nova, velhos em busca de um pouco de atenção e, vez ou outra, uma mulher buscando a si mesma.
Dividia, agora, o suado dinheirinho do médico particular com os livros de arte que comprava vez ou outra no sebo. Começou a achar enfadonha a conversa das companheiras de serviço - que, ironicamente, a achavam mais enfadonha ainda.
Foi assim até o dia em que a "chefe" resolveu promovê-la a acompanhante. Estava um pouco caladinha demais na festa de sociedade "média-alta" e pecou no batom trop rouge mas foi confundida facilmente com uma nova rica "até com bastante gosto", conforme comentou, generosa, uma socialite ao cabeleireiro. Feliz com a nova função, começou a ler também sobre moda e logo criou uma febre vintage nas fashionistas de plantão - lógico, guarda roupa de brechó não fica exatamente moderno, mas combinado com os muitos acessórios Dolce & Gabbana que comprava na Vinte e Cinco, não sobrava espaço para críticas muito severas. Teve até um outfit comentado numa revista de fofoca. E quando Louise Devon – pois este foi o nome que Jocicleide adotou – saiu da casa, ela era, já há algum tempo, a mais requisitada.
Comprou um apartamento na Lapa, instalou telefone, decorou legal o quarto e fez até uma salinha de estudos. Especializou-se em stripping, estudou o Kama Sutra, a "ars erotica" oriental e, nas horas vagas, começou a fazer inglês para investir no mercado turístico. Agora que não tinha de repartir o dinheiro com a cafetina e já tinha uma clientela fiel, sua recém aberta conta bancária foi engordando rapidamente. Quando perguntavam o que fazia, dizia que negociava obras de arte. Com dicas de um cliente empresário, começou a fazer alguns investimentos na bolsa e em relativamente pouco tempo mudou-se para os Jardins. Era um apartamento microscópico, mas dava pra receber bem os novos amigos – porque passou a não receber mais clientes em casa. Comprou várias obras originais e abandonou os brechós: agora era cliente conhecida na Daslu e tinha versões verdadeiras de seus acessórios de grife. Mais tarde, começou a negociar obras de arte para galerias e casas de leilão – mas fazia um programa vez ou outra, só pelo glamour de se imaginar cortesã.
Um belo dia, saindo de um dos leiloeiros, entre a porta do escritório e o estacionamento, encontrou Suzy, que, ao acaso, passava por lá. A garota parou embasbacada, observando-a com uma manifestada incredulidade:
- Jocicleide! Jô, há quanto tempo! Como você tá diferente! Como tá chique! Ai, menina, vamos tomar uma cervejinha, você me conta o que andou fazendo!
E sob o olhar atarantado do motorista ela ajeitou as madeixas Louro Médio nº 70 e respondeu secamente:- O que é isso, garota?! Não conheço ninguém da sua laia, não! Vamos, Botelho!
Sentou-se no banco traseiro do Maserati e deu de ombros. Era só o que lhe faltava! Puta sim, mas aturar gente pobre e ignorante era demais, né?!