As Mulheres de Shakespeare (peça teatral)

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PERSONAGENS:
Julieta
Catarina
Ofélia
Lady Macbeth

CENÁRIO - Noite, árvores, flores, pedras.

(Ofélia entra cantarolando, olha surpresa para uma árvore e faz uma vênia)

OFÉLIA: Boa noite, Dom Cavaleiro! (pára, como se escutando a resposta) Ora, então não sabes? Hamlet agora é rei! (pausa) A... A rainha? Bem, ela... eu... Não! Hamlet é morto! (começa a chorar)

(Entra Julieta, olhando curiosa e amedrontada ao redor. Aproxima-se de Ofélia, colocando-lhe a mão no ombro.)

JULIETA: Que pranteias, senhora? E, que lugar é este?

OFÉLIA: (enxugando as lágrimas) Este? Julgava ser a corte da Dinamarca - meu berço, mas olhe! Estão todos mortos! Meu Hamlet... Ah, meu Hamlet (tom apaixonado)... Ele foi o responsável por tudo! (risada maluca) Não foi?

JULIETA: Enganas-te... Esta é Verona! Veja, é a Lua da Itália que derrama sua luz abençoando os enamorados... Eu não saí da cidade. Há de ser algum jardim mal cuidado... Ah, mas onde está Romeu? Quando ele chegar não haverá planta sem florescência... (olhando para o alto, apaixonada) Preciso tanto de ti, amor meu! Acabo de ter um sonho tão mau, morríamos, ambos sobre o mesmo mármore...

OFÉLIA: Ora, mas se morrem juntos há de ser muito bom! Porque eu... (triste) Ainda sinto as mãos frias da água... Porquê ele não estava comigo?! Onde ele está?! Onde está meu Lorde Hamlet?!

JULIETA: (olhando com espanto Ofélia) Não dizias que ele era morto?

OFÉLIA: Hamlet? Morto? Oh, céus! (espantada) Não pode ser! Mas quem governará nossa terra!? Quem salvar-me-á das águas?! Oh... Ele não me salva... (chora)

(Julieta, perplexa, toca o ombro de Ofélia, tentando consolá-la)

JULIETA: Ah, minha boa menina, não chores. Vejo que não estás bem, mas não te preocupes. Hei de levá-la comigo para casa. Por acaso não és uma Montecchio, és? Neste caso pediria que Romeu a levasse... Sabes, nossas famílias sofrem de um ódio mortal que as prende a uma eternidade de sofrimento. O que não impede que eu e meu amado mantenhamos viva a esperança de casarmo-nos. Sabes, ele é a mais doce das criaturas...

(Entra Catarina)

CATARINA: (ri alto) Doce? Um homem? Ha! Ora, deixes de ser tola, garota! Os homens não passam de imbecis! Aliás, a maioria das mulheres também! E você, pedacinho de asno, porque estás aí a chorar?!

(Ofélia ergue a cabeça e a olha curiosa)

OFÉLIA: (falando com Julieta) Minha rainha, quem é essa dama tão rude?

CATARINA: Ora, cale-se! Não está óbvio que eu sou Catarina Minola? Todos aqui em Pádua conhecem-me! Isto porque ninguém se atreve a discutir comigo, que sou capaz de deixar sem respostas até o maior linguarudo. E, sabes, não ligo que donzelinhas tontas me achem rude. A minha irmã diz o mesmo, mas é o que? Uma tola, indefesa, passiva, um perfeito títere! (indignada)

(Lady Macbeth entra silenciosamente enquanto Catarina fala. Julieta e Ofélia escutam espantadas)

LADY MACBETH: Ora, mas que língua! Sou de opinião que manter a postura é a melhor política. É o que sempre digo a meu marido, Lorde Macbeth.

OFÉLIA: Oh, majestade! Eu sinto muito! (triste)

CATARINA: Estás tonta, menina?!

JULIETA: Ah, senhora, não leves em conta o que diz a minha pobre amiga, ela não há de estar bem.

LADY MACBETH: Não me incomodo. Quem é a donzela?

OFÉLIA: Vossa majestade não lembra de mim? Sou Ofélia...

JULIETA: Ah, Ofélia! (risinho triste/desconcertado) Eu sou Julieta, da casa de Capuleto. É um prazer conhecê-la, Lady Macbeth.

LADY MACBETH: O prazer é meu. (leve saudação com a cabeça)

CATARINA: Pff! Quanta tolice! Afinal de contas, que é este charco habitado por loucas?

OFÉLIA: Ah, senhora, não percebestes? É o limbo! Triste lugar este que habitam as criaturas inexistentes...

JULIETA: Shh... Não fale mais coisas tristes...

LADY MACBETH: Decerto é um sonho! Apenas brincadeira da travessa Rainha Mab.

JULIETA: Deveras! Só nos resta aguardar a aurora e vigília que a acompanha.

OFÉLIA: Pobre Julieta... Não sabes, amiga, que somos apenas fruto da imaginação doentia de poeta?

JULIETA: Como?!

OFÉLIA: Pois não?! E é culpa dele se a cada momento revivemos nossas tristes sagas. Revivemo-las cada vez que ela é representada num palco ou lida à luz da cera que queima...

CATARINA: Ora, alguém faça essa estúpida cessar esses lamentos!

JULIETA: Ah, não se ofenda! Já te falei que Ofélia delira.

LADY MACBETH: Mas que estranho delírio...

CATARINA: Colocações tão imbecis que chegam a ser fétidas!

LADY MACBETH: Ora, pare com essa gritaria! Tuas reclamações incomodam mais que as confusas palavras da criança.

(Catarina se mostra indignada)

JULIETA: Eu não a desrespeitaria tanto... Dizem que a verdade vem pela boca daqueles a quem foge a razão...

(Lady Macbeth concorda com a cabeça)

JULIETA: (assustada, fazendo sinal da cruz) Deus nos proteja!

OFÉLIA: Ah, maldito seja aquele que legou-nos esta meia-vida!

JULIETA: Oh, não blasfeme!

CATARINA: Ora, cala-te! (dá um tapa no rosto de Ofélia, que cambaleia, aparada por Julieta) É completamente louca!

LADY MACBETH: (impaciente) Louca? Sim... Mas não te apercebes da nossa condição? Vê! O coração ainda me sangra depois de tantos anos! Minha vida ainda assombra-me nos sonhos e as dores do corpo e da alma não cessam!

JULIETA: A senhora está certa... Bastará abrirdes os olhos e verás que eu também trago o peito sangrento e ainda tem as entranhas encharcadas a pobre Ofélia!

CATARINA: (incrédula) Não! São todas insanas! TODAS!

(Ofélia dá risadinhas malucas)

LADY MACBETH: Diga, então, que é da tua casa? De teu marido? Porque estás aqui conosco?

OFÉLIA: (calma, cantarolando distraída enquanto faz uma coroa de flores) Não fiques triste, criança... Nossa vida e nossa morte não são reais... Sabes, não podemos morrer... Simplesmente... Porque não nascemos! (olha sorrindo para Catarina)

CATARINA: Chega! Não hei de ouvir semelhante discurso!

DESDÊMONA: Vero ou não, é de deixar hirtos os cabelos.

LADY MACBETH: (incomodada com a luz) Veja! A aurora se aproxima!

OFÉLIA: Vamo-nos, senhoras. O mundo da luz e da razão não nos pertence. Estamos presas à imaginação. (risinhos macabros)

As outras entreolham-se tristemente balançando a cabeça e saem devagar.

Incultas Produções da JuventudeWhere stories live. Discover now