PRÓLOGO

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Londres, 2017

Era um dia cinza. Mas esse era só o contexto clássico de um dia ruim. Quase nenhum momento triste começa com um dia ensolarado ou pássaros cantando. Na verdade, talvez o dia até pudesse estar abrigando um sol quente, quem sabe até acompanhado de um céu limpo e azul, mas, para Louis, esse continuaria sendo um dia cinza e sem graça alguma.
Algumas garrafas de vinho e whisky se encontravam espalhadas pelo apartamento do escritor. Ele sempre gostou de beber, isso não costumava ser segredo para ninguém, até se tornar uma necessidade pulsante... O álcool era como seu remédio particular e ele sabia que o destruía a cada gole e chacoalhada de cabeça que passava, porém, o que ele nunca dizia em voz alta era o mais explícito. Ele queria. Queria ser queimado de dentro para fora com o prazer de se embriagar, queria inalar o cheiro e se imaginar engolindo um fósforo aceso para que todo o seu interior ardesse em chamas até que preenchesse o por completo de fogo. De fumaça. De algo.
Preso na cozinha, o gato preguiçoso miava sem cessar. Não era costumeiro, mas naquela situação é fácil imaginar que suas orelhinhas peludas capitaram o som agudo do silêncio do dono nas últimas semanas. No velho toca discos da sala, Vivaldi conduzia as quatro estações em um volume ensurdecedor , enquanto no chão, não muito longe do sofá seis livros eram encontrados abertos, com diversas páginas rasgadas e amassadas. Louis estava sobre as almofadas, encarando o teto com um sorriso esquisito no rosto. Pela boca escorria uma mistura de bile e saliva, enquanto a mão apertava uma caixa de remédios com cada vez menos força. A mesinha de centro era enfeitada com flores mergulhadas em uma água que não devia ter sido trocada há um tempo considerável, alguns elefantes de madeira organizados em fila e um bloquinho de notas com letras trêmulas e palavras rabiscadas.
Depois de alguns minutos o silêncio foi tomando conta de todo o cômodo. O gato parou de miar. O vento parou de bater suave contra a janela e as cortinas pararam de balançar.
A música sumiu.
O tempo parou.
Silêncio.
Vazio.
A porta da sala foi aberta por um rapaz sorridente. Olhos castanhos e cabelo nos ombros. A ansiedade jovial em seus olhos era quase palpável, assim como a voracidade das mãos para encontrar seu namorado.
Entrou.
-Lou...?
Desligou a música.
- Louis...?!
Abriu a porta da cozinha, liberando o pequeno felino que se enroscou manhoso em suas pernas como se pedisse perdão.
- LOUIS??
Correu assustado até a sala, vendo o corpo estirado no sofá de veludo vermelho. Seu coração parou antes de martelar a caixa torácica descontrolado. As lágrimas que rasgavam o rosto o impediam de enxergar com clareza o rosto do namorado, contribuindo mais ainda para que sua mente pudesse formular a remota hipótese de que não fosse Louis o corpo deitado no sofá. Mas era. E tempo não podia mais ser perdido. As mãos tremulas foram controladas e a emergência foi chamada com voz de choro:
- Louis, agarre-se a qualquer coisa, está me ouvindo? Qualquer coisa, só... não vá. – Eric dizia em uma súplica irritada e desesperada. – Você não vai morrer hoje, seu idiota. Está me escutando? Não vai! – engoliu a dor do silêncio. – Eu te amo. – Soluçou perdido.
Ele poderia estar sendo egoísta, podia estar sendo até hipócrita, afinal aquele assunto era sempre evitado por ele até em seus pensamentos mais difíceis. Mas Louis não podia ir, não assim. Eric o amava, e sabia que era recíproco, nunca duvidou...e sabia também que havia prometido cuidar dele e faze-lo forte. A morte é algo que eventualmente nos rondará em algum momento, ele sabia disso, mas jamais se perdoaria se não tentasse.
Enquanto caminhava ao lado da maca na recepção do hospital o rapaz implorava baixinho para qualquer que fosse a entidade ou energia que seu Louis ficasse bem, e prometia de todo o coração que estaria disposto a aguentar com ele qualquer que fosse a nova etapa daquela vida.

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