Sentada em sua cama de solteiro, as costas apoiadas na parede, a xícara grande e preta segurada entre as mãos, um pouco quente ainda pelo achocolatado. Alice estava parada a algum tempo olhando ao redor pelo quarto, as vezes olhando pro teto. Se a perguntassem no que estava pensando talvez respondesse "Em tudo", poderia também responder "Em nada"; as vezes a mente humana fica cheia demais, vazia demais, era assim que ela se sentia e olhando para aquele quarto, que estava tão alheio a ela, que parecia de outra pessoa. Aquela cômoda com livros empilhados, roupas jogadas no chão ao lado de sapatos sujos, o violão encostado na parede que um dia fora completamente branca, e agora tinha marcas de pé sujo, das noites que ela deitava na cama e apoiava os pés na parede enquanto lia, as fotos na parede, a única decoração do quarto: uma criança de vestido amarelo, sentada no chão, imunda e sorridente preparando um delicioso bolinho de terra; a garota sorridente segurando um algodão doce do lado do carrinho bate-bate. Derrepente não parecia ela, era ela, mas também não era, era como ela se sentia, observando o cenário através das lentes turvas do óculos, sentada na cama com as costas apoiadas na parede só de calcinha é sutiã.
Tinha sido um dia péssimo porque foi um dia como milhares de outros, nada mudava, era o mesmo dia trocando de nome, e isso a atormentava a tanto tempo que ela já estava cansada disso; era como um daqueles filmes onde, por algum motivo o protagonista tá revivendo o mesmo dia, independente do que ele faça, do que tente mudar, as coisas estão atônitas, e ele parece só um personagem qualquer pintado de cinza no clipe de uma música ruim. Ela pensava em acabar com tudo, acabar com essa repetição. Acreditava que aquele era o ponto final de que precisava.
Estava sozinha em casa, sua mãe Live (apelido pra Olívia), ainda estava no trabalho, era garçonete, seu irmão Pedro devia estar na casa da vizinha, ele e a garotinha eram muito amigos, e Alice pensava se eles seriam um daqueles casais improváveis saídos de um romance americano, um daqueles casais que eram amigos de infância, e a gente vê nas novelas e pergunta se existem de verdade.
Ela colocou Queen pra tocar, colocou a xícara no chão ao pé da cama, caminhou até o banheiro e pegou uma lâmina, isso seria uma história suicida comum se eu não tivesse visto o que vi; quando a menina sentou novamente com as costas apoiadas na parede, seu coração estava acelerado, o pulso parecia indefeso, repensou se era aquilo que faria, é um caminho sem volta, um turbilhão de pensamentos confusos e ruins na cabeça, aquela sensação ruim na garganta que a invadia nos dias péssimos, que sempre desejara de alguma forma vomitar, agora vomitaria, se livraria disso, de tudo.
E se não for o certo? Se tudo puder ser diferente?... Mas não foi, não foi até agora, por quê seria depois? O problema deve ser eu, eu devo ser a coisa errada, e eu não consigo concertar...talvez eu já tenha morrido, há um tempo a vida fugiu de mim, correu sem olhar pra trás e me deixou sozinha, um corpo vazio.
E então ela sumiu, ela não fez aquilo, ela não se suicidou, não deu tempo porque ela sumiu. Por Deus! Ela sumiu! Eu preciso que acredite em mim, sou um observador atento e nunca vi isso acontecer antes. Chamei esse monstro de A Morte, porque é como a morte, você existe em um dia, pode até sentir-se vivo por um momento e no outro...sumiu. É A Morte, varre todo rastro da sua existência e você é esquecido antes que possa dizer "aristocrata", e esse é o pior tipo de morte, a que acontece enquanto ainda se está vivo.
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Uma Brisa Minha (Titulo Provisório)
Short StoryContos de uma divagação existencial ou apenas, o terror da realidade.